O relógio marcava poucos minutos depois das 16 horas do último dia 30 de abril quando o martelo foi batido pela quarta vez na sede da B3, em São Paulo. Chegava ao fim o leilão de infraestrutura mais aguardado dos últimos anos. E começava, ali, uma nova etapa na trajetória da Aegea Saneamento.
Fundada em 2010 e controlada pelo grupo brasileiro Equipav, a empresa acabara de arrematar dois dos quatro blocos de concessão da Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro (Cedae), ao desembolsar um total de R$ 15,4 bilhões no certame.
“Esses lotes contêm todo o conjunto de desafios para o qual nos preparamos nesses últimos dez anos”, diz Radamés Casseb, CEO da Aegea, em entrevista ao NeoFeed. “Era um desejo estratégico, um sonho da companhia. E uma ambição que se realizou.”
A conquista dos blocos 1 e 4 da Cedae traz, de fato, uma nova realidade para a companhia. Com os dois lotes, a Aegea incorpora 124 bairros da capital fluminense e mais 26 cidades do estado. E passa a operar em 153 municípios do País, saltando de uma cobertura de 11,2 milhões para 21 milhões de pessoas.
A vitória no certame também coroa o destaque obtido em outros leilões e processos recentes pela companhia, que fechou 2020 com um crescimento na receita líquida de 4%, para R$ 2,3 bilhões. E com um lucro líquido de R$ 501 milhões, o que representou uma alta de 70,2% na comparação anual.
Em pouco mais de um ano, a empresa conquistou três parcerias público-privadas (PPP). A primeira, em outubro de 2019, na região metropolitana de Porto Alegre. E as outras duas, em outubro de 2020, em Cariacica (ES) e em 68 cidades do Mato Grosso do Sul.
“Mas isso não reduz o nosso apetite”, diz Casseb. “A gente reserva estrutura de capital e alternativas de novos instrumentos para seguir acompanhando todos os projetos que vierem a mercado, avaliando e tomando a decisão, caso a caso.”
Sob essa perspectiva, o executivo destaca alguns projetos na mira da empresa. Entre eles, duas parcerias público-privadas do governo do estado do Rio Grande Sul, uma nova etapa em Porto Alegre e dois programas em Teresina (PI).
Na mesma semana do leilão da Cedae, a Aegea ganhou um reforço para seguir participando ativamente desses processos. Com um aporte inicial de R$ 1,33 bilhão, a Itaúsa passou a integrar o quadro de acionistas da operação, ao adquirir uma participação de 10,20% na companhia.
Além da Equipav, que detém 70,72% do negócio, a relação dos sócios conta ainda com o fundo soberano de Cingapura (GIC), que injetou mais R$ 64,8 milhões para manter sua fatia de 19,08% na companhia.
Na conversa com o NeoFeed, Casseb fala, entre outros temas, da chegada da Itaúsa, dos novos projetos na mira da Aegea e da eventual busca por mais recursos para financiar essas operações. Acompanhe:
Qual é o significado dessa vitória no leilão da Cedae dentro dos planos da companhia?
O Rio de Janeiro é um lugar que contém todo o conjunto de desafios para o qual nos preparamos nesses últimos dez anos. Poder cumprir um papel relevante na ampliação do saneamento na Baixada Fluminense, no entorno da Baía de Guanabara, no lote 1 do Rio, que contempla a Zona Sul, São Gonçalo e mais alguns municípios era um desejo estratégico, um sonho. E uma ambição que se realizou. A partir de agora, começa o suor e a perseguição para transformar essa visão em realidade.
Quais são os próximos passos nesses projetos?
O processo efetivo do leilão ainda tem alguns trâmites burocráticos nas próximas semanas, a adjudicação, a homologação do resultado e uma fase de recursos. A gente deve assinar o contrato em julho. Depois disso, teremos a fase de operação assistida, que terá entre seis e nove meses. E a partir daí, a ordem de serviço onde empresa assumirá efetivamente os serviços nos blocos.
Por que a Aegea priorizou esses dois blocos na concessão?
Além do processo de gestão do ciclo integral da água, nós sempre buscamos uma proximidade com os aspectos ambientais e sociais, e estar conectado à recuperação dos mananciais ou das áreas degradadas. Então, os lotes 1 e 4 são os que fazem o grande abraço na Baía de Guanabara e que dialogam com a nossa estratégia de entregar um legado ambiental em conjunto com a melhora da prestação do serviço.
A empresa já tem garantidos todos os recursos para os investimentos previstos nesses projetos? Qual é a situação de caixa da operação?
Hoje, temos R$ 2,3 bilhões em caixa, com dívida líquida na casa de R$ 3,2 bilhões e duration médio de quase 4 anos. Toda a parte de investimentos nesses novos projetos, a estruturação de pontes e de garantias já está contratada. Aliás, já estava contratada antes do leilão, muito por conta do arranjo financeiro e do sindicato de bancos que suportou a proposta, pilotado pelo J.P. Morgan.
O fato de ter arrematado os dois lotes nesse que era considerado o principal leilão do setor reduz o interesse da Aegea por novas concessões?
Isso não reduz nosso apetite. Mas o processo de decisão é sempre muito estudado. A gente reserva estrutura de capital e alternativas de novos instrumentos para seguir acompanhando todos os projetos que vierem a mercado, avaliando e tomando a decisão, caso a caso. Desde que isso esteja na mesma trilha de disciplina financeira buscada pela companhia.
Dentro dessa agenda, quais são os programas no radar da Aegea?
Alguns projetos de curto prazo chamam muito nossa atenção, principalmente em regiões onde já atuamos. Por exemplo, as duas PPPs adicionais que o governo do estado do Rio Grande Sul, com apoio do BNDES, já modelou. Assim como a discussão sobre a promoção de Porto Alegre. O estado do Piauí, onde já atuamos em Teresina, também vem desenvolvendo dois grandes projetos. São programas que fazem todo sentido estratégico acompanhar, olhar e estudar mais a fundo quando vierem a público. Isso sem abrir mão de processos já estruturados como o estado do Amapá, que segundo BNDES, deve vir a público no fim de junho.
Algum deles se compara ao porte do certame da Cedae?
Do ponto de vista de relevância, tamanho ou demanda, nenhum deles é tão demandante de capital ou de estrutura como o Rio de Janeiro ou mesmo Alagoas, Cariacica, Mato Grosso do Sul e a região metropolitana de Porto Alegre. Mas todos são projetos estratégicos em áreas relevantes para a companhia, especialmente nas regiões Norte e Nordeste e nas áreas nas quais já atuamos.
Como a entrada da Itaúsa na operação se encaixa na preparação para esse contexto?
O mercado de saneamento é um setor de longo prazo, de capital intensivo e de retornos super demorados. E nós pudemos confirmar o interesse deles em contribuir para a mudança do estágio sanitário em que o Brasil se encontra e no compromisso de ampliar a responsabilidade ambiental nos projetos. Para nós, é um prazer ter uma companhia como a Itaúsa a bordo. Nos sentimos mais seguros para essa próxima jornada de desafios que vem pela frente.
Quais efeitos práticos o marco regulatório do saneamento já trouxe para o mercado?
A principal mudança é o fato de que, a partir de agora, toda as companhias, públicas ou privadas, terão que prestar conta sobre quando chega a água e o esgoto na casa do cliente. E todo o ecossistema que gira em torno disso, os órgãos de controle, os financiadores, os gestores públicos, os ministérios públicos e tribunais de conta têm mecanismos claros e indiscutíveis para poder cobrar desses agentes o endereçamento do pacto estabelecido no Marco. Essa é a principal mudança. O compromisso assumido de maneira tácita. Sem escusas, sem política.
E como esse contexto e os leilões recentes impactaram a percepção dos investidores em relação ao setor e ao País?
Essa percepção está mudando. Há um alinhamento de interesses do governo, do BNDES, na preparação de modelagens que atraiam a disputa de capital com investidores do mundo inteiro. E eu acredito que agora, com esses cases de sucesso, o mercado de saneamento vai decolar de verdade e atrair diversas companhias para ajudar a tirar o País desse cenário medieval, com quase 100 milhões de pessoas sem acesso a esgoto e quase 37 milhões sem acesso a água potável. É obvio que sempre poderia ser melhor, mas já existe a garantia de que os contratos vão ser respeitados. O leilão da Cedae é um exemplo disso. A gente não atrairia esse capital, para ágios dessa monta, se não houvesse confiança no Brasil, na economia e nos fundamentos que suportam esse cenário.
Nesse sentido, a Aegea prevê a entrada de novos sócios e investidores? Ou, com a Itaúsa, o quadro atual é suficiente para as oportunidades previstas no setor nos próximos anos?
No curto prazo, não vemos demanda de novos investimentos nessa estrutura de capital. Mas não descartamos atrair novos investidores pra cobrir a execução de um determinado projeto que faça sentido, dada a avaliação que será feita, momento a momento. Eu diria que nós permanecemos diligentes no exercício da disciplina financeira e da estrutura de capital adequada para cada desafio ou projeto que a companhia aferir.
Uma eventual busca de novos recursos poderia envolver um IPO?
Não estamos descartando nenhum instrumento. Seja um IPO num momento adequada, seja a entrada de um novo sócio no momento adequado, seja a associação com novos investidores. Nossa obrigação é estar atento a todas alternativas disponíveis, caso tenhamos uma proposta que demande o acesso a essa liquidez. A companhia vem exercitando e se capacitando para poder não abrir mão de nenhuma opção. E o IPO é uma delas. Hoje, quase 80% do nosso funding já está no mercado de capitais.
Nessa direção, quais foram os avanços mais recentes em termos de governança?
O fortalecimento e a transformação das áreas de integridade e de controle de riscos, que ganharam o status de diretorias e agora estão subordinadas diretamente ao Conselho, justamente pra garantir esse equilíbrio de gestão entre a manutenção do risco pros investidores e a execução. Outro avanço foi a obtenção da ISO 371001, de práticas anti-suborno. Certificamos a companhia como um todo.
Como a empresa vem se preparando em outras frentes para esse novo momento do setor?
Temos um núcleo da nossa área técnica com 15 profissionais que buscam tecnologia de ponta no mundo inteiro e estão sempre testando novidades que possam ser aplicadas no dia a dia operacional. É como uma antena buscando alternativas. E temos outra coluna que é a aplicação disso em engenharia.
Você poderia dar alguns exemplos de avanços a partir dessa abordagem?
A participação no leilão do Rio e nas últimas concessões já puderam obter benefícios dessa estratégia. Para cada estudo desses, foi criado um gêmeo digital, para que pudéssemos analisar o desempenho de cada sistema de atendimento à luz das obras que serão feitas, das restrições de falta de água ou de melhoramentos necessários. Isso permite ajustar o investimento ao longo do tempo e ver em 3D como aquilo vai funcionar. À noite, quando tem consumo menor, durante o dia, com oscilação de consumo. São tecnologias que permitem aprender com todas as operações e dar saltos de eficiência. Para citar um exemplo, em Campo Grande (MS), nós começamos a operação em 2010 com um índice efetivo de perda na distribuição de água de 56%. Hoje, estamos em torno de 19%.
E quais são as outras prioridades da empresa no curto prazo?
Em abril, nós iniciamos as operações na parceria público-privada de Cariacica (ES), depois de um processo de operação assistida. No Mato Grosso do Sul, estamos às vésperas de iniciar a operação plena. Então, vamos dar muita ênfase a esses inícios de projetos, incluindo agora o Rio de Janeiro. E é claro, planejando e reforçando o investimento nessas regiões, muito focados no avanço da cobertura sanitária e na busca pela eficiência na gestão de água, especificamente na redução de desperdícios.