A Unigel, indústria química controlada pela família Slezynger, entrou com pedido de recuperação extrajudicial na 2ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais em fevereiro deste ano. Na época, a empresa informou aos bondholders, liderados pelas gestoras Pimco, Redwood e Moneda, que a homologação do plano seria rápida.

Passados nove meses, a aprovação da recuperação extrajudicial de um endividamento de R$ 4,14 bilhões ainda parece distante. Na quarta-feira, 23 de outubro, o Haitong Banco de Investimento pediu à Justiça para intimar o Grupo Unigel a disponibilizar o contrato de compra e venda da Plastiglas à Stabilit, segundo documento que o NeoFeed teve acesso.

Em 1º de dezembro do ano passado, a Plastiglas, operação de chapas acrílicas da Unigel no México, foi vendida para a Stabilit, um negócio de laminados plásticos do grupo Verzatec. A empresa brasileira havia adquirido a mexicana em 2006 por cerca de R$ 50 milhões.

Mas, conforme o press release da operação, “a venda do ativo faz parte do processo de reestruturação financeira da companhia”. E “em razão de contrato de confidencialidade, os valores não podem ser informados neste momento”.

O problema é que o dinheiro não foi apresentado e os credores, conforme pedido do Haitong, querem ter acesso ao contrato de compra e venda, à quantia recebida pela Unigel, à destinação dessa receita e em que termos ela foi aprovada.

Esse não é o único questionamento sobre decisões financeiras do grupo Unigel. O NeoFeed teve acesso a uma série de documentos que mostram por que o pedido de recuperação extrajudicial da indústria química segue “sem dar liga”.

Em 14 de outubro, o juiz Paulo Furtado de Oliveira Filho nomeou um administrador judicial para apurar os créditos submetidos à recuperação extrajudicial em 20 de fevereiro.

Oliveira Filho é o mesmo juiz que esteve à frente do processo que terminou na falência do Banco Santos e condenou o ex-banqueiro Edemar Cid Ferreira e outras três pessoas por diversas operações financeiras fraudulentas. O valor do passivo existente no processo de falência do Banco Santos, avaliado pelo administrador judicial, era de R$ 1,66 bilhão.

Além da apuração sobre os créditos, o magistrado quer a comprovação do atingimento do quórum legal para aprovação do plano de recuperação extrajudicial. Esse é um ponto controverso que colocou os bondholders de um lado e os debenturistas, que têm Goldman Sachs, Bank of America, XP Asset, JiveMauá e Capitânia, de outro.

Para entender o que está em jogo, é preciso voltar no tempo. Em abril de 2022, a Unigel lançou a UGEL11, sua primeira operação no mercado local de capitais. A companhia emitiu R$ 500 milhões em debêntures em série única com prazo de vencimento de cinco anos e taxa de CDI+2,1%. O objetivo era investir em uma nova unidade de produção de ácido sulfúrico no Polo Petroquímico de Camaçari, na Bahia.

Quatro anos antes, em 2018, a Unigel acessou o mercado internacional para diversificar suas fontes de financiamento com a primeira emissão de bonds. A captação foi de US$ 200 milhões em senior secured notes emitidas pela subsidiária Unigel Luxembourg S.A., com cupom de 10,50% e vencimento em janeiro de 2024.

Embora todos os credores sejam quirografários, ou seja, que não têm preferência sobre os demais, o grupo Unigel criou duas classes distintas no seu plano de recuperação.

De um lado, os bondholders que, se aprovassem a proposta e topassem fazer uma injeção de capital de US$ 100 milhões, receberiam 100% do saldo original devido e mais 50% de ações da empresa.

Para os debenturistas, o plano da holding era o pagamento de 11% do saldo original, com vencimento do bullett em dezembro de 2028. E se houvesse qualquer questionamento e ações judiciais, um waiver levaria o saldo a zero.

Os debenturistas não ficaram apenas desconcertados com a proposta. Eles alegaram em juízo, conforme documento obtido pelo NeoFeed, que houve a quebra do princípio de tratamento igualitário e que os bondholders conseguiriam sozinhos aprovar o plano sem a necessidade da participação deles - os bondholders detêm mais da metade da dívida de R$ 4,14 bilhões da empresa.

Além disso, há uma dúvida sobre a legalidade da aprovação do plano - justamente o ponto que o juiz Oliveira Filho se ateve. A família é parte relacionada, detém bonds, embora não se saiba exatamente o percentual e se isso foi utilizado para se chegar ao número mínimo do quórum para aprovação. Como peça diretamente interessada, ela não poderia ter participação nessa escolha.

“Não nos opomos ao plano, só não queremos ser prejudicados”, diz uma fonte com interesse na operação. “Não dá para aceitar uma fração se desistir das ações e o outro lado ficar com 100% e ainda uma participação a mais na companhia.”

Neste momento, está na mesa uma proposta alternativa feita pelos debenturistas. Ter a mesma estrutura oferecida aos bondholders. Isso significaria que, sem a participação na injeção de capital na empresa, eles conseguiriam recuperar, aproximadamente, 50% do saldo original.

E como a família Slezynger já ofereceu metade das ações da Unigel aos bondholders em troca da capitalização, eles pegariam imediatamente esses papéis para controlar a companhia e deixar os administradores fora da operação.

“A recuperação judicial não é o fim do mundo, mas com controle e fiscalização. Talvez a extrajudicial com esses gestores seja o pior para essa companhia”, diz a fonte.

Confusão de personalidade

Os documentos que o NeoFeed teve acesso indicam que a família Slezynger, dona de um patrimônio estimado em R$ 16 bilhões, segundo a revista Forbes, aprovou e se beneficiou tanto na pessoa física como na jurídica do plano de recuperação.

Após emitir a debênture em 2022, a Unigel passou a enfrentar a volatilidade de preços dos insumos no setor petroquímico, principalmente nos fertilizantes com a guerra entre Rússia e Ucrânia.

No primeiro trimestre de 2023, a Unigel acionou o waiver para não pagar os juros referentes ao período para os debenturistas. A companhia também não publicou as demonstrações financeiras do período.

No entanto, em 28 de abril de 2023, uma assembleia geral ordinária aprovou a distribuição de dividendos obrigatórios no valor de R$ 95,3 milhões e dividendos adicionais de R$ 286 milhões referentes ao ano anterior.

Henri e Marc Slezynger, pai e filho, respectivamente, além de principais acionistas da companhia, ocupavam duas das cinco cadeiras no conselho de administração que aprovou a distribuição de dividendos.

Para o ano de 2023, também houve a aprovação de um aumento de remuneração aos integrantes do conselho de administração de R$ 30 milhões. Em sua defesa, a Unigel afirma nos documentos que não há ilegalidade nas aprovações feitas pelo seu conselho.

No fim do segundo trimestre, a Unigel repetiu o comportamento do trimestre anterior: não publicou as demonstrações financeiras e pediu novamente o waiver para não pagar as parcelas devidas. Com o default e a distribuição de dividendos, os debenturistas desta vez disseram não.

Com a negativa, Unigel e debenturistas deram início a uma negociação. Em 28 de setembro de 2023, eles concordaram com um standstill de 90 dias. Esse acordo evita ações ou o pedido de recuperação judicial para que o pagamento do crédito seja feito ao longo do período.

O prazo, porém, foi descumprido pela empresa. Em dezembro, os debenturistas encerraram o standstill e declararam o vencimento antecipado da dívida relativa às debêntures.

Os bondholders, que ao longo de 2023 apenas assistiam às discussões dos credores, entraram na lista no início de 2024 com o não pagamento do cupom referente à emissão internacional feita pela Unigel em 2018.

Para os debenturistas, há outro fator que demonstra o conflito de interesse da família Slezynger e a preferência pelos bondholders no plano de recuperação extrajudicial.

“As partes da sociedade deverão pagar e reembolsar os honorários e despesas razoáveis e documentos, de acordo com os termos previamente acordados”, mostra o documento que o NeoFeed teve acesso.

Fazem parte dessa lista a consultoria Houlihan Lokey Assessoria Financeira e os assessores jurídicos Munhoz Sociedade de Advogados, no Brasil, Cleary Gottlieb Steen & Hamilton, nos Estados Unidos, e Arendt & Medernach, em Luxemburgo, entre outros.

Os credores debenturistas, que contam com a assessoria de Lefosse e Cesar Asfor Rocha Advogados, alegam desfavorecimento, principalmente porque não apoiaram a proposta inicial da companhia.

Nas últimas semanas, os credores têm se aproximado para encontrar uma solução rápida. Mas a dificuldade parece só aumentar. A Galeazzi & Associados, por exemplo, entrou na Unigel no fim do primeiro semestre para fiscalizar e mostrar dados qualificados a todos os credores.

As reuniões periódicas, no entanto, têm demonstrado que até uma empresa especialista em reestruturação está com dificuldade de obter as informações.

Embora não tenha atendido o pedido de entrevista da reportagem, a Unigel encaminhou o seu posicionamento, via assessoria de imprensa, após a publicação, na noite de 4 de novembro:

Os Títulos de Dívida (Bonds) com vencimento em 2024 não fazem parte do Plano de RE, visto que já foram totalmente liquidados ao longo dos últimos anos. Os Bonds abrangidos pelos Planos de RE foram emitidos em 2019 e 2021, no valor total de USD 530 milhões e com vencimento em 2026 (Bonds 2026).

Desde Junho de 2023, temos tido conversas com todos os credores, visando uma solução negociada, como amplamente divulgado em Fatos Relevantes e Comunicados ao Mercado publicados ao longo deste período. Isso obviamente inclui os detentores dos Bonds 2026, que representam mais de 70% da dívida sendo reestruturada.

Não há distinção de classes de credores nos Planos de RE. Todos os credores, sem exceção, têm direito de participar da emissão de dinheiro novo – isso não é uma exclusividade de determinado grupo de credores.

Os percentuais das conversões da dívida dependem da participação, ou não, na emissão dos novos recursos. Os credores que fizerem a opção por conceder novos recursos à Companhia terão um percentual maior de conversão da dívida e receberão ações da Companhia – sem qualquer distinção entre credores. Ou seja, todos os credores que participarem da emissão de novos recursos receberão ações da companhia de forma proporcional ao seu crédito dentro do respectivo plano.

Os Planos de RE se diferenciam apenas pelas suas Recuperandas, sendo que um Plano se refere exclusivamente aos créditos detidos contra a Holding Unigel Participações, enquanto que o outro plano se refere aos créditos detidos contra as subsidiárias operacionais da Unigel.

A nomeação do Administrador Judicial apenas garantiu maior segurança jurídica e ratificou cálculos, que vinham sendo apresentados pela Companhia desde o início do processo.

A lista de credores aderentes aos planos é apresentada na íntegra nos autos do processo, com todos os documentos comprobatórios. Dessa forma, é fácil verificar que, para fins de determinação do quórum de aprovação, não foram computados quaisquer créditos detidos por acionistas da Companhia.

Os planos foram aprovados por detentores dos Bonds 2026, detentores de debêntures e detentores de créditos relacionados a operações de derivativos encerradas.

Todas as informações pertinentes à venda da Plastiglas foram devidamente divulgadas após o fechamento da operação. Antes do fechamento, a Companhia não podia dar publicidade aos valores por força de cláusula de confidencialidade no contrato de Compra e Venda.

Conforme informado pela Companhia, os recursos provenientes da venda da planta do México foram utilizados, exclusivamente, em suas operações.

Houve um atraso nas publicações de Demonstrações Financeiras referentes a determinados períodos, em função de discussões com auditoria que são normais em cenário de reestruturação. Atualmente, a Unigel não possui qualquer pendência relacionada à divulgação de Demonstrações Financeiras.

Como pode ser verificado nas DF’s, a Unigel apenas fez distribuição de dividendos seguindo a Lei das SA’s, que exige distribuição mínima de 25% dos lucros. Verifica-se ainda que a distribuição se trata de movimento contábil, e não de caixa. Ou seja, os dividendos foram declarados mas não, necessariamente, pagos aos acionistas, preservando a liquidez da Companhia.

A reportagem faz referência ao ranking da revista Forbes, porém carece de contextualização. Esse ranking foi publicado em 2022, com base em números de 2021, quando a Unigel atingiu resultados históricos por eventos específicos. Considerando que a Unigel é o principal patrimônio do acionista, fica claro que o valor estimado como patrimônio do acionista não corresponde à realidade atual.

Nota da redação: o NeoFeed mantém todas as informações publicadas, conforme documentos que constam no processo que a reportagem teve acesso.