As incorporadoras começam a ganhar espaço no reaquecimento dos follow ons na B3. Em especial, as empresas que atuam na baixa renda. Nos últimos dois meses, três delas, MRV, Direcional Engenharia e Tenda, decidiram testar o apetite dos investidores.
Um horizonte, a princípio, mais otimista, tem impulsionado essas ofertas e a valorização dos papéis no setor. Esse panorama inclui questões como a largada para o ciclo de queda na taxa básica de juros e a ampliação do Minha Casa Minha Vida.
Mais conhecida por atuar na média/alta renda, a Trisul também tem boas perspectivas. Cerca de 25% do seu landbank foi enquadrado no programa federal e suas ações têm alta de 65,1% em 2023. Mas isso não significa que a empresa vá seguir a mesma trilha de seus pares na B3.
“As empresas do médio/alto, como Trisul, EZTec, Mitre e Even, ainda estão muito desvalorizadas”, diz Jorge Cury, cofundador e CEO da Trisul, ao NeoFeed. “Estão valendo uma vez, 0,8 vez, o preço book/value, enquanto as outras, restritas ao segmento econômico, estão valendo duas, três vezes.”
Ele diz que a Trisul tem sido procurada por bancos para um follow on. Mas ressalta: “Não precisamos fazer um negócio que não seja por conveniência e pelo valor justo. Então, vamos esperar. O futuro a Deus pertence. Mas, nesse patamar, nem pensar.”
Embora não considere esse percurso no curto prazo, a incorporadora, avaliada em R$ 1,03 bilhão, já enxerga um caminho mais favorável para sua operação. Tanto que, na noite da quinta-feira, 14 de setembro, divulgou um guidance para os próximos 18 meses traduzindo essa expectativa.
A empresa prevê lançar de R$ 1,8 bilhão a R$ 2,2 bilhões e registrar vendas brutas nessa mesma faixa no período. Na comparação com os 18 meses anteriores, isso equivale a saltos de até 69% nos lançamentos e até 57% nas vendas brutas.
“Começamos 2023 com muito receio e cautela, mas acabamos vendendo no primeiro semestre quase o tanto que vendemos em todo o ano de 2022”, diz Fernando Salomão, CFO da Trisul. “Esse é o melhor sinal da recuperação do ânimo do mercado.”
Na entrevista, a dupla explora esses temas e dá detalhes sobre os lançamentos previstos nessa janela e da exposição a cada segmento, além de falar sobre a concorrência no Minha Casa Minha Vida, a revisão do Plano Diretor em São Paulo e da linha de home equity da incorporadora. Confira:
Quais fatores estão por trás dessas novas projeções e por que divulgá-las agora?
Jorge Cury – Entramos o ano preocupadíssimos, pensando em devolver terrenos, não lançar e preservar o caixa. Foi um Deus nos acuda. E, nove meses depois, estamos mais encorajados e falando em voltar ao nosso desempenho pré-pandemia. É um ambiente de mais otimismo, com a inflação, ao que parece, controlada, e com a expectativa de que os juros consolidem esse caminho de queda. Então, temos muito o que entregar, o que lançar e muito melhora no resultado pela frente. É hora de acelerar outra vez e isso precisa ser dito ao mercado. Vemos, claramente, que está vindo um novo ciclo virtuoso.
Esse cenário mais favorável também já está se refletindo na redução do estoque?
Fernando Salomão – Esse é o aspecto mais concreto do nosso otimismo. Começamos 2023 com muito receio e cautela, mas acabamos vendendo no primeiro semestre quase o tanto que vendemos em todo o ano de 2022. Vendemos 85% do que fizemos no ano passado. Esse é o melhor sinal da recuperação do ânimo do mercado.
JC – Estamos com uma média de 30% em estoque das unidades que estão ficando prontas. Essa venda é importante porque e vai nos trazer uma injeção de recursos enorme. Se não acelerarmos os lançamentos agora, vender e seguir o processo, podemos ter uma queda de receita lá na frente. E essa confiança está vindo com a venda.
"É hora de acelerar outra vez e isso precisa ser dito ao mercado. Vemos, claramente, que está vindo um novo ciclo virtuoso"
Sob a ótica do mercado de capitais, esse otimismo já está bem precificado?
JC - Eu sinto que o setor está muito desbalanceado. Algumas empresas do segmento econômico estão muito bem precificadas, porque estão 100% nesse perfil de empreendimento. Mas essa operação é única, depende do funding do FTGS e, vira e mexe, alguém fala que vão tirar dinheiro do fundo.
E quanto às empresas que também atuam ou se concentram em outras faixas, como a Trisul?
JC – As empresas do médio/alto, como Trisul, EZTec, Mitre e Even, ainda estão muito desvalorizadas. Estão valendo uma vez, 0,8 vez, o preço/book value, enquanto as outras, restritas ao segmento econômico, estão valendo duas, três vezes. Se você tem que comprar, compra onde tem upside. E quando já se tem duas, três, quatro vezes o book, você vende lá e compra aqui. Então, é algo que deve vir com o tempo. Nos próximos meses, com os juros caindo, isso deve se acelerar.
Há uma onda de players, em particular, do segmento econômico, fazendo ou avaliando follow ons. Essa é uma opção na mesa para a Trisul?
JC – Estamos muito melhores do que em 2019, quando fizemos nosso follow on. Em landbank, capacidade operacional e tamanho de balanço. E com uma estrutura de capital totalmente pronta para dar esse guidance. E esse preço da ação não justifica. É lógico que estamos sendo procurados por bancos, mas a empresa é de dono. Não precisamos fazer um negócio que não seja por conveniência e pelo valor justo. Então, vamos esperar. O futuro a Deus pertence. Mas, nesse patamar, nem pensar.
Quantos são os lançamentos previstos nessa janela até 2024?
JC – Já lançamos R$ 320 milhões no primeiro semestre e a ideia é fechar o segundo semestre com mais três empreendimentos, em Moema, na Vila Clementino e na Chácara Klabin, com um VGV de cerca de R$ 600 milhões. Para 2024, vamos ter mais cinco lançamentos, somando R$ 1,6 bilhão. Apenas um deles, na Ana Rosa e previsto para o meio do ano, tem um terreno de 7,8 mil metros quadrados e um VGV de R$ 750 milhões.
Como será dividido esse VGV do guidance em termos de exposição por segmento?
JC – O nosso landbank hoje é de R$ 4,4 bilhões. Vamos ter um terço para o econômico e dois terços para o médio alto, que são unidades de 70, 80 metros quadrados para frente, e acima de R$ 1,5 milhão.
E quanto aos empreendimentos voltados à média renda?
JC - No segmento médio, de apartamentos de R$ 350 mil a R$ 1 milhão, R$ 1,2 milhão, estamos entregando e vendendo o que lançamos, mas decidimos dar um tempo. Nossa expectativa é retomar a partir de 2025, com o poder aquisitivo da classe média voltando. Esse é o carro-chefe do mercado imobiliário e a Trisul sempre deitou e rolou nesse espaço. Se voltar a dar margens boas, vamos reservar um terço para cada perfil.
Como os empreendimentos do Minha Casa Minha Vida se encaixam nesse momento da Trisul e qual é o potencial desse segmento?
JC – Nós sempre atuamos um pouco acima do Minha Casa Minha Vida. Quando o governo aumentou o teto de R$ 264 mil para R$ 350 mil, 25% do nosso landbank se enquadrou no programa e decidimos voltar a fazer o que sabemos fazer, porque temos uma grande vantagem agora.
Qual é essa vantagem?
JC - O juro que está no Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE), de 10%, ou pouco mais de 10%, na faixa 3 do programa, com o dinheiro do FGTS, cai para 7,6%. Isso bota muita gente no jogo.
Qual vai ser o perfil dos empreendimentos nessa vertente?
JC – São unidades de R$ 280 mil a R$ 300 mil, com dois quartos, banheiro, sem vaga de garagem e em terrenos a 200, 300 metros do metrô, pra que tenhamos um diferencial em relação a quem atua no segmento, mas em regiões mais afastadas. Então, vamos vender, praticamente pelo mesmo preço, um apartamento de 34 metros quadrados, mas na boca do metrô. Estamos buscando as extremidades das linhas e também alguns terrenos na região nova da Barra Funda, na zona Oeste.
Muitos players, que não atuam no programa, estão se movimentando nessa direção a partir dessas revisões nas condições. Como você enxerga a competição nesse espaço?
JC – O Minha Casa Minha Vida é muito bom para falar em propaganda, mas é um desafio construir. Na média/alta, você compra casinha por casinha para fazer um terreno. No programa, você não pode colocar dinheiro na frente. Você busca terrenos maiores, de um ou dois proprietários, no máximo, e paga 5% de sinal. E o restante, depois da aprovação, em parcelas de 36 meses. Da compra do terreno e do projeto ao desenvolvimento e venda do produto, é tudo na ponta do lápis. Na Trisul, são duas equipes totalmente apartadas. Então, é tudo diferente e a barreira de entrada é conseguir fazer numa escala considerável e com rentabilidade. Não significa que é fácil simplesmente porque ampliou o teto.
O Minha Casa Minha Vida é muito bom para falar em propaganda, mas é um desafio construir
E quanto à revisão do Plano Diretor em São Paulo? Como isso influencia a estratégia da Trisul?
JC – A parte boa é que tivemos um valor agregado adicional de 15% no nosso landbank, pelo fato de poder aumentar o coeficiente de aproveitamento dos projetos. Estamos voltando e redesenhando vários empreendimentos. O lado ruim é que ficamos só com R$ 1 bilhão esse ano, porque muita coisa voltou para a prancheta. Você não pode deixar na mesa um empreendimento que dá 15, 20% a mais de VGV. Então, acabamos deslocando R$ 1,6 bilhão para o ano que vem.
À parte do negócio tradicional, na pandemia, a empresa começou um projeto-piloto de home equity. Como está essa frente?
JC – É uma estratégia de remuneração do nosso caixa, que dá um bom resultado e rende 20% ao ano. Vamos seguir fazendo. É uma boa diversificação e existem muitos fundos de olho nessa carteira.
Qual é o tamanho dessa carteira e como a Trisul financia essas operações?
FS – Começamos há um ano e meio e temos uma carteira de cerca de R$ 70 milhões. Não é um negócio consolidado, mas está indo bem. A inadimplência é baixa e está sob controle. Até aqui, fizemos com nosso próprio caixa e, agora, estamos indo para o passo de levantar recursos para seguir escalando. Não podemos passar o resto da vida gastando o dinheiro da Trisul nisso. Nosso caixa é para compra de terrenos e para lançamentos. Então, a ideia é entender como isso pode andar com as próprias pernas e testar como funcionaria a geração de certificados de recebíveis imobiliários (CRI) ou fundos de investimento em direitos creditórios (FIDC).
Na mesma época, a Trisul criou um braço de strip malls. Como evoluiu essa oferta?
JC – Isso perdeu espaço. Desenvolvemos essa linha por conta da lei que criou incentivos para fachadas ativas. Mas o varejo está sofrido, os aluguéis são baixos e o juros está alto. O cap rate está alto e o valor do metro quadrado fica ruim. Não é algo lucrativo. Então, o plano é vender e dar vazão a esses projetos. E focar no que realmente sabemos fazer.