O casal Benedito e Nivea Fittipaldi criaram a Kolplast há 36 anos para resolver uma “dor” dele. Quando ainda nem se usava o termo “dor do cliente” para definir a melhor estratégia de negócios, o médico Benedito queria encontrar uma maneira de dar mais conforto na realização do exame Papanicolau em suas pacientes.

Até então, o espéculo vaginal para a realização do exame preventivo na mulher era higienizado e esterilizado do consultório. A criação do produto descartável foi o carro-chefe da indústria de insumos para o setor de saúde Kolplast, que acaba de ser vendida para a sueca ADDVise Group AB, fornecedora global de equipamentos e serviços médico-hospitalares.

A aquisição envolve o pagamento inicial de R$ 160 milhões e outros R$ 50 milhões, em um prazo de três anos, conforme desempenho e metas a serem batidos. A receita anual da Kolplast gira em torno de R$ 130 milhões, com um Ebitda de, aproximadamente, R$ 30 milhões e uma margem Ebitda de 29,3%.

Com mais de 20 escritórios nas Américas, Ásia, Europa e África, a receita líquida da ADDVise Group em 12 meses encerrados em setembro de 2023 estava em 1,61 bilhão de coroas suecas (equivalente a R$ 7,6 bilhões). A margem Ebitda da companhia é de 25,7%. E a alavancagem é de 1,3 vez a geração de caixa.

A compra da indústria brasileira faz parte da estratégia global de aquisição do grupo sueco, que tem buscado negócios estratégicos com as finanças equilibradas (fluxo de caixa entre R$ 25 milhões e R$ 250 milhões) e o domínio de mercado com produtos que possam ser replicados no mundo.

Para se ter uma ideia do apetite do grupo sueco, no mesmo período da compra da Kolplast , a ADDVise adquiriu a americana Axelerist, de Nova York, que vende equipamentos para hospitais, laboratórios e clínicas de biotecnologia, por US$ 20,5 milhões (pouco mais de R$ 100 milhões). E a distribuidora irlandesa de instrumentos de alta tecnologia para a indústria de ciências biológicas e biofarmacêutica Labplan por € 13,3 milhões (cerca de R$ 72 milhões).

A venda da Kolplast marca o desinvestimento da Setter na fabricante de produtos para a saúde. O aporte inicial foi realizado há nove anos em um club deal (dinheiro de sócios e family and friends). Na saída, o resultado foi um retorno bruto de 7,5 vezes o valor investido.

“A família Fittipaldi estava em busca de investidores e vimos uma oportunidade de parceria com aporte de recursos e ajuda na gestão financeira e estratégica”, diz Felipe Camargo, sócio-fundador da Setter.

felipe camargo setter
Felipe Camargo, sócio da Setter

Criada em 2008, a Setter traz no seu DNA um time que passou 12 anos no Pátria Investimentos na área de private equity, com participação em mais de uma dezena de deals - inclusive alguns importantes na área de saúde para a Dasa.

Com metade da equipe de 30 pessoas (sendo seis sócios) focados na gestão de empresas e a outra metade em M&As, investimentos como o da Kolplast são apenas oportunidades. Antes dela, fizeram uma aporte na empresa de saúde animal Biovet.

“Não temos um fundo organizado. Só fazemos o investimento em equity com participação em uma empresa em setores que conhecemos o projeto a fundo”, afirma Camargo.

Toque de gestão

Com 27% de participação na Kolplast, a Setter teve um papel fundamental na reestruturação da indústria de materiais médicos. As mudanças foram desde a implementação de uma nova governança corporativa, com gestão profissional, até a aquisição da concorrente Adlin, de Jaraguá do Sul (SC).

Em 2014, quando a Setter começou a investir na Kolplast, o faturamento girava em torno de R$ 24 milhões e a empresa engatou um crescimento médio de 30% ao ano para chegar à casa dos R$ 130 milhões.

Ao embarcar na Kolplast, Camargo trouxe para liderar essa transformação André Fittipaldi. Filho dos fundadores Benedito e Nívea, o engenheiro de produção estava na equipe de planejamento financeiro da Kraft e foi colocado na posição de CEO da empresa da família não como herdeiro, mas como executivo.

O novo CEO assumiu com a nova fábrica própria de 20 mil m² e dois galpões localizada em Itupeva, cidade distante cerca de 60 quilômetros da capital paulista, recém-inaugurada. Além da ginecologia, primeira especialidade atendida com produtos da marca, outras seis estavam no portfólio, como proctologia, dermatologia e otorrinolaringologia.

O portfólio cresceu para mais de 200 produtos e equipamentos, com forte investimento em pesquisa e desenvolvimento para conquistar maior valor agregado. Foi dessa maneira que a Kolplast criou uma tecnologia proprietária de diagnóstico, usando citologia em base líquida para modernizar o conhecido exame papanicolau.

Nos próximos três anos, a liderança executiva da Kolplast continuará a mesma. A ADDVise Group manteve André Fittipaldi como CEO, a Setter na gestão financeira e Benedito Fittipaldi como membro do board.

O barão dessa família Fittipaldi sempre é questionado sobre o parentesco com os pilotos de corrida Wilson e Emerson. Embora a raiz do sobrenome seja da mesma região da Itália, no Brasil os primeiros imigrantes se estabeleceram em diferentes cidades do interior de São Paulo.

Mas Benedito conta a amigos que a admiração é tão grande que, às vezes, quando está com pressa, principalmente quando valets entregam seu carro e fazem essa pergunta, ele responde que sim. Ao entrar no carro e acenar, percebe o sorriso de satisfação.