A partir desta quarta-feira, 7 de abril, a sede da B3, em São Paulo, será o palco de três dias de leilões em sequência promovidos pela Ministério da Infraestrutura. Com a inclusão de 28 ativos e a expectativa de arrecadar R$ 20 bilhões, a semana marca o início de um calendário movimentado no balcão da pasta em abril.
A julgar pelo discurso de Tarcísio de Freitas, titular do ministério, essa agenda já recheada de privatizações no setor deverá ser ainda muito mais ampla, com a expectativa de uma série de certames programados nos próximos 20 meses.
“Nós devemos chegar ao fim do ano que vem com R$ 260 bilhões de investimentos contratados”, afirmou o ministro da Infraestrutura, em evento realizado pelo Bradesco BBI nesta terça-feira, 6 de abril. “Muito dizem que é pouco, mas isso é mais de 40 vezes o orçamento anual de R$ 7 bilhões do ministério.”
A cifra representaria um salto expressivo na comparação com o que a pasta arrecadou na gestão atual. “Entre leilões realizados e renovações antecipadas de contratos de concessões, nós transferimos 41 ativos para a iniciativa privada, com R$ 44 bilhões de investimentos contratados.” A soma total no período compreende ainda mais R$ 13 bilhões em outorgas.
O caminho para chegar a esse montante tem início nesta quarta-feira, com o leilão de 22 aeroportos dos blocos norte, sul e central, e a expectativa de arrecadar pouco mais de R$ 6 bilhões. Antes, em 2019, a pasta já havia transferido 12 aeroportos, também no modelo de bloco, por R$ 2,37 bilhões.
“Acreditamos que o leilão vai ser extremamente concorrido, com o ingresso de novos players”, disse Freitas. “E é bem provável que tenhamos a participação de fundos de investimento, além dos operadores do setor.”
Na quinta-feira, é vez do primeiro trecho da Ferrovia de Integração Oeste-Leste (Fiol), entre Ilhéus e Caetité (BA). E, na sexta-feira, os leilões envolvem cinco terminais portuários, sendo quatro em Itaqui (MA) e um em Pelotas (RS).
Até o fim do mês, a pasta realiza ainda os certames do trecho entre Goiás e Tocantins da BR-153; quatro blocos de concessão da Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro (Cedae); e as linhas 8 e 9 da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM).
“É fundamental antecipar o movimento que virá de outros países do mundo”, afirmou Freitas, sobre a realização dos leilões em meio à pior fase da Covid-19. “Nosso plano é capturar o excesso de liquidez dos investidores. Temos portfólio e muitos projetos à disposição do mercado.”
Passado esses primeiros processos, Freitas discorreu sobre outros leilões previstos. “Para esse ano, devemos contratar R$ 100 bilhões em novos investimentos, com a transferência de mais de 50 ativos”, ressaltou. “O que tem nos impulsionado é justamente o interesse privado. Não gastaríamos nossa energia se não tivéssemos esse respaldo do setor.”
Apesar de ressaltar o interesse manifestado nos ativos e as cifras envolvidas, o ministro e sua equipe têm alguns desafios para traduzir esses números, de fato, no montante previsto.
Além da cifra ser bem superior ao que foi arrecadado até aqui pela pasta, a imagem do País no momento, ao que tudo indica, não é das melhores entre os investidores estrangeiros, diante de fatores como a crise política e a dificuldade no controle da Covid-19.
Alguns números ilustram esse contexto. Segundo dados divulgados na segunda-feira, o saldo dos investimentos estrangeiros na B3, em março, ficou negativo em R$ 4,61 bilhões. No período, esses investidores retiraram R$ 1,26 bilhão de recursos no segmento secundário da bolsa de valores brasileira.
Esse foi o segundo mês consecutivo de saldo negativo nesse indicador. Em fevereiro, o déficit ficou em R$ 6,78 bilhões. No ano, a cifra acumulada ainda é positiva, de R$ 12,15 bilhões. O NeoFeed conversou com o líder de uma grande gestora americana e ele confidenciou que "vender o Brasil passou a ser uma tarefa cada vez mais difícil".
Um banqueiro com muita experiência nesse tipo de negócio envolvendo leilões de infraestrutura também se mostrou cético em relação aos números apresentados pelo ministro Tarcísio de Freitas. "Os estrangeiros estão muito desconfiados com o Brasil", disse ao NeoFeed. "Estamos em abril e o Congresso e o Executivo ainda estão discutindo sobre o Orçamento da União", afirma.
Há outras questões para lidar na atração dos investidores estrangeiros. O tratamento que o Brasil tem dado ao meio-ambiente, sob o comando de Ricardo Salles, ministro da pasta, é um desses temas. Em junho de 2020, um grupo com 29 grandes fundos internacionais destacaram sua posição contrária a essas políticas.
A manifestação se deu por meio de uma carta aberta enviada às embaixadas brasileiras nos Estados Unidos, Japão, Reino Unido, França e outros quatro países. No documento, os fundos afirmaram que acompanhavam com profunda preocupação o crescimento do desmatamento no Brasil e ressaltaram que esse cenário cria um ambiente de incerteza generalizada sobre os investimentos no País.
A carta pedia que o governo brasileiro demostrasse claramente seu comprometimento com essa e outras pautas relacionadas ao meio ambiente e à sustentabilidade. Como parte do movimento, o Fundo Soberano da Noruega excluiu, na época, a Eletrobras e a Vale do seu portfólio.
Desde então, ao que parece, não houve avanços nessa frente. Em entrevista ao jornal Estado de S. Paulo, em março deste ano, Jan Erik Saugestad, presidente do fundo norueguês, disse que o objetivo é seguir apoiando o País, mas que a tendência de aumento do desmatamento “torna cada vez mais difícil para empresas e investidores atenderem às suas ambições ambientais, sociais e de governança”.
Diante desse cenário, Freitas afirmou no evento que um dos focos do ministério é incorporar nos projetos “o que há de mais sofisticado em termos de conduta ambiental”. Para isso, há algumas parcerias em curso, entre elas, um acordo com a GIZ, empresa alemã da área ambiental.
“Cada vez mais, os fluxos financeiros estarão atrelados a padrões ambientais”, afirmou Freitas. “É importante mitigar os riscos de imagem e trazer esse público para os nossos projetos.”
O ministro destacou alguns dos ativos no radar das concessões. Na área portuária, a expectativa é formalizar ainda neste mês a estruturação do modelo de privatização dos portos de Vitória, Barra Velha e Barra do Riacho, no Espírito Santo.
“Será a primeira estruturação de desestatização portuária do Brasil”, observou, ressaltando a escolha inicial por uma estrutura de menor porte. “Queremos aprender e ter noção dos desafios e aí sim partir para a estruturação dos terminais de Santos, que devem acontecer no ano que vem.”
Outro projeto envolve a Ferrogrão, ferrovia que liga o Mato Grosso à região norte do País e cuja licitação, disse o ministro, deve acontecer ainda nesse ano. Outro processo no escopo é a concessão das Rodovias Integradas do Paraná, com seis lotes e previsão de arrecadação de R$ 42 bilhões, juntamente com uma série de licitações de outras rodovias.
Um dos grandes destaques nesse pacote, no entanto, são os blocos restantes de aeroportos, que incluem ativos como os aeroportos de Congonhas, em São Paulo, e Santos Dumont, no Rio de Janeiro. Além da relicitação de Viracopos, em Campinas (SP). “Até o ano que vem, teremos mais 16 aeroportos incluídos”, afirmou o ministro. “E vamos encerrar as transferências de todos os ativos da Infraero.”
Freitas comentou ainda sobre os planos relacionados às hidrovias, área na qual a pasta tem algumas prioridades. “A primeira são os investimentos para transformar os rios, de fato, em hidrovias”, disse Freitas.
Outro pilar é justamente estudar o potencial de exploração privada desse segmento. “Não é algo comum e não há referências no mundo”, observou. “Mas estamos avaliando se há viabilidade técnica para fazer concessões.”