Atendendo a um pedido apresentado pelo Bradesco, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) determinou uma perícia contábil independente no balanço da Americanas, para examinar as contas da companhia para avaliar se as “inconsistências contábeis” de R$ 20 bilhões são fruto de fraude.

Segundo a decisão, obtida pelo NeoFeed, a juíza Andréa Galhardo Palma, da 2ª Vara Regional de Competência Empresarial e de Conflitos Relacionados à Arbitragem, acatou a ação de produção antecipada de provas apresentada pelo Bradesco.

Na decisão, ela deferiu uma medida de busca e apreensão pelos e-mails de diretores, membros do conselho de administração e funcionários da área de contabilidade e finanças da empresa dos últimos dez anos.

Ela também nomeou a EY para acompanhar a diligência e conduzir a perícia sobre o material encontrado. Procurado pelo NeoFeed, o Bradesco informou que não irá comentar. A Americanas declarou que aguardará a notificação oficial da decisão “para adotar as providências cabíveis”.

Em sua decisão, a juíza afirmou que apesar de a Americanas ter constituído um comitê independente para apurar o caso, diante da “elevada probabilidade” de que executivos possam estar envolvidos numa eventual fraude, “não são improváveis os riscos de destruição ou inutilização de provas documentais como ‘e-mails, ofícios, relatórios internos, etc’”.

A ação do Bradesco representa a mais recente ofensiva dos bancos contra a Americanas e o trio de acionistas de referência da empresa – Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira, esse último atingido pela decisão da juíza, por ser membro do conselho de administração.

Além de Sicupira, representam os acionistas de referência no conselho de administração da Americanas o filho de Jorge Paulo Lemann, Paulo Alberto Lemann, Cláudio Muniz Garcia e Eduardo Garcia. Como membros independentes estão Mauro Muratório Not, Sidney Breyer e Vanessa Lopes, que faz parte do comitê formado para investigar a potencial fraude.

Quem também é atingido pela decisão é Miguel Gutierrez, que comandou a Americanas por 20 anos e que não se pronunciou desde que o caso veio à tona. Além dele, devem sofrer com o pedido de busca e apreensão o atual CEO, João Guerra, que assumiu logo depois que Sérgio Rial renunciou ao cargo de CEO, nove dias após sua posse.

A ação apresentada pelo Bradesco faz parte de uma série de medidas sendo estudadas e adotadas pelos bancos para responsabilizar o trio do 3G Capital pela “inconsistência contábil” de R$ 20 bilhões. A perícia requisitada tem por objetivo provar que o caso é uma fraude, o que abriria caminho para chegar ao patrimônio dos sócios.

Banqueiros ouvidos pelo NeoFeed se mostraram revoltados com o caso, em especial com a postura de Lemann, Telles e Sicupira. Em carta ao mercado, os homens mais ricos do Brasil, com uma fortuna somada de R$ 185 bilhões, alegaram desconhecimento sobre o caso.

A falta de menção a respeito de uma injeção de capital na companhia foi, para muitos, a “gota d’água”. “Não se trata de uma dificuldade da empresa, é fraude”, disse um banqueiro, ao NeoFeed. “Querem uma recuperação judicial e um haircut de 80%? De jeito nenhum. Vamos partir para a briga e vamos para cima dos três na pessoa física.”

O rastro de estragos nos balanços dos bancos é grande. A Americanas tem empréstimos com as maiores instituições financeiras do País. O Bradesco, em especial, é o maior credor da companhia, com R$ 4,7 bilhões, seguido por Santander (R$ 3,7 bilhões), Itaú (R$ 3,4 bilhões), Safra (R$ 2,4 bilhões), BTG Pactual (R$ 1,9 bilhão) e Banco do Brasil (R$ 1,3 bilhão).

Em meio às acusações dos bancos, a Americanas vai se defendendo. A mais recente manifestação foi a respeito do comitê criado pela empresa para investigar o caso, com bancos e especialistas questionando sua composição e independência de seus integrantes.

Além de contar com Vanessa Lopes, membro do conselho de administração, o comitê é formado por Otávio Yazbek, que atuou como assessor jurídico na fusão entre Americanas e B2W, ocorrida em 2021.

O terceiro membro é Eduardo Flores, que substituiu Pedro Melo, ex-presidente da KPMG, que auditou os balanços da Americanas antes da chegada da PwC, em outubro de 2019.

Nesta quinta-feira, dia 26 de janeiro, a empresa divulgou uma nota assinada pelos membros do comitê afirmando que as acusações de falta de independência são "levianas e improcedentes".

Segundo o comunicado, Yazbek se limitou a atuar como advogado de um comitê independente na época da fusão da Americanas com a B2W, visando a "assegurar uma relação de troca adequada e a proteção dos interesses de acionistas minoritários desta empresa".

Sobre Lopes, a nota diz que ela "sempre atuou de forma ética e independente nos órgãos de governança que integrou desde 2020, nada havendo a comprometer sua isenção".