Warren Buffett e a gestora brasileira 3G Capital, de Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Beto Sicurpira, articularam em 2015 a fusão da Kraft Foods com a Heinz com a meta de criarem uma gigante global na prateleira do mercado de alimentos. Dez anos depois, a Kraft Heinz, a companhia no centro dessa ambição, está colocando um ponto final nesse "sonho grande".

Na contramão dos seus planos originais, que viam na escala obtida a partir dessa união sua maior fortaleza, a empresa anunciou na terça-feira, 2 de setembro, que seu Conselho de Administração aprovou a divisão da operação em duas companhias listadas e independentes, ainda sem nomes definidos.

Com apetite global, a primeira delas reunirá os negócios de molhos, massas e temperos do grupo, com marcas como Heinz, Philadelphia e Kraft Mac & Cheese. Somadas, essas marcas registraram uma receita líquida de US$ 15,4 bilhões e um Ebitda ajustado de US$ 4 bilhões em 2024.

Já a segunda companhia reunirá produtos de mercearia e será focada na América do Norte. Com marcas como Oscar Mayer, Kraft Singles e Lunchables, a operação reportou uma receita de US$ 10,4 bilhões e um Ebitda ajustado de US$ 2,3 bilhões no ano passado.

Segundo a Kraft-Heinz, a cisão vai permitir que as empresas tenham mais foco estratégico e operacional. Entre os racionais estão reduzir a complexidade, gerando mais eficiência e margens, e a maior autonomia para a alocação de capital de acordo com a estratégia de cada operação.

“Esta mudança vai liberar o poder das nossas marcas e desbloqueará o potencial dos nossos negócios”, afirmou, em nota, Carlos Abrams-Rivera, CEO da empresa. “Continuaremos a operar como ‘uma só Kraft Heinz’ durante todo o processo de separação.”

O grupo também destacou a expectativa de que as duas companhias tenham um fluxo de caixa amplo para investir em crescimento orgânico, retornar capital aos acionistas e considerar transações estratégicas. E acrescentou que a projeção é de que o nível atual de dividendos seja mantido.

A estratégia oficializada hoje começou a ser costurada em maio deste ano, quando a Kraft-Heinz anunciou que seu board e suas lideranças estavam avaliando potenciais transações estratégicas para gerar valor aos acionistas.

De acordo com a empresa, esse processo teve como norte cinco premissas: criar valor sustentável no longo prazo; preservar a disciplina financeira; manter a escala relevante; maximizar o valor do portfólio; e manter retornos de capital atrativos, preservando a flexibilidade do balanço.

"Acreditamos firmemente que um foco maior se traduzirá em melhor desempenho e criação de valor para os acionistas", disse Jack Pope, diretor-chefe do Conselho da Kraft Heinz, no comunicado.

Sob a nova organização, Abrams-Rivera seguirá como CEO do grupo e irá comandar a empresa de produtos de mercearia, após a conclusão da cisão. Em paralelo, o board está trabalhando para identificar potenciais candidatos a CEO da companhia de molhos e condimentos.

Essa revisão estratégica também foi acompanhada do anúncio de que Miguel Patricio, atual presidente do Conselho de Administração da Kraft Heinz, assumirá como presidente-executivo. Ele irá trabalhar ao lado de Abrams-Rivera na condução do grupo nesse processo de separação.

A Kraft Heinz também comunicou que prevê um volume US$ 300 milhões em “dissinergias” com a cisão, que tem conclusão prevista para o segundo semestre de 2026. E que vê oportunidades claras de capturar uma parcela substancial desse montante no curto prazo.

Toda essa movimentação tem como pano de fundo um cenário em que o grupo vem convivendo, há tempos, com o enfraquecimento da demanda por alguns dos principais produtos do seu portfólio. Entre eles, os menus de marcas como Lunchables, Capri Sun e Kraft Mac & Cheese.

Na tentativa de reverter esse cenário, o grupo vem reformulando seu portfólio, de olho em produtos mais saudáveis e aderentes às novas preferências dos consumidores. Mas tem penado para obter resultados com essa estratégia.

Boa parte dessa dificuldade se explica justamente pela escala da operação – o principal racional por trás da fusão, há dez anos. Na prática, fazer essa virada é um trabalho árduo, dado que a Kraft Heinz tem quase 200 marcas sob seu guarda-chuva, em 55 categorias, além da presença em 150 países.

No saldo desse contexto, a Kraft Heinz reportou um prejuízo líquido de US$ 7,8 bilhões no segundo trimestre de 2025, impactada por provisões da ordem de US$ 9,3 bilhões e revertendo o lucro de US$ 100 milhões apurado em igual período, um ano antes. A receita recuou 1,9%, para US$ 6,3 bilhões.

Há dez anos, quando Buffett e a 3G Capital arquitetaram a megafusão, a Kraft Heinz nasceu como a quinta maior empresa de alimentos e bebidas do mundo, com uma receita anual de US$ 5 bilhões. Em 2024, a receita da operação foi de US$ 25,8 bilhões, queda de 3% sobre o resultado de 2023.

A reação inicial do mercado ao anúncio de hoje não foi favorável. As ações do grupo registravam queda de 6,04% por volta das 11h05 na Nasdaq (horário local). No ano, os papéis acumulam uma desvalorização de 14,4%, dando à companhia um valor de mercado de US$ 31,1 bilhões.