No final de novembro, a BR Distribuidora, conhecida por distribuir combustíveis e biocombustíveis, anunciou a compra de 70% Targus Energia, empresa que atua no mercado livre de energia elétrica, e chamou a atenção pela entrada em um novo segmento.
De acordo com o CEO da empresa, Rafael Grisolia, a companhia, um colosso com faturamento de R$ 94,9 bilhões no ano passado, não vai parar por aí. “Com certeza, também vamos entrar no mercado de comercialização de gás, onde há um espaço que a BR Distribuidora pode ocupar”, diz em entrevista exclusiva ao NeoFeed.
Mesmo com as notícias de expansão do portfólio da companhia e mesmo com o crescimento de 20,8% das vendas no terceiro trimestre comparado com o segundo trimestre deste ano, as ações da companhia, avaliada em R$ 24,1 bilhões, pouco têm andado na B3.
Na visão do executivo, isso tem acontecido porque a Petrobras anunciou que vai vender o restante de sua participação na BR Distribuidora, uma fatia de 37,5%, mas ainda não definiu a data. Os investidores ficariam esperando a venda para apostarem na empresa. Desde 26 de agosto, quando a Petrobras anunciou que venderia sua participação na BR Distribuidora, as ações caíram 4,7%, passando de R$ 21,73 para R$ 20,70.
“Isso causa aquele fenômeno que chamamos no mercado de overhang, cria um efeito Tostines complicado”, diz Grisolia. E explica. “Nem a ação reage muito, porque todo mundo fica esperando a Petrobras vender, e a Petrobras espera para tomar a sua decisão do momento em que vai fazer a venda.”
Se não fosse por essa questão, diz o executivo, a ação estaria refletindo todo o ajuste que tem sido feito na companhia. Desde junho de 2019, quando a empresa foi privatizada e o seu capital pulverizado, a companhia enxugou o quadro de funcionários, mudou os planos de remuneração e tem deixado o passado estatal para trás.
A redução de custos já chega a R$ 700 milhões por ano e a rentabilidade medida pelo Ebitda por metro cúbico chegou a R$ 88. A meta é alcançar R$ 100 até o fim do ano, se aproximando de suas concorrentes Raízen, dona dos postos Shell, e Ultrapar, dos postos Ipiranga.
Na entrevista que segue, Grisolia fala da entrada em novos segmentos, da parceria com a Lojas Americanas para criar um novo projeto na área de conveniência, dos ajustes feitos na empresa e o que virá pela frente. Acompanhe os principais trechos:
A BR Distribuidora comprou recentemente a Targus Energia, que atua no mercado livre de energia. Qual é a estratégia por trás dessa compra?
A vocação da BR Distribuidora é continuar com essa visão de comprar as energias onde são produzidas e entregar o que o cliente escolhe, da melhor forma possível. Quando amplifica isso para atender as necessidades dos clientes, a gente vê que temos vocação e capacidade de entregar outros tipos de energia que não são apenas combustíveis e biocombustíveis. Tem clientes nossos, o próprio posto revendedor, que não sabe como comprar energia elétrica no mercado livre. Queremos dar alternativas para os clientes e, por isso, estamos entrando nesse mercado. Com certeza, também vamos entrar no mercado de comercialização de gás, onde há um espaço que a BR Distribuidora pode ocupar.
Qual é o potencial desse negócio com a Targus para a BR Distribuidora?
Hoje o escopo da Targus está limitado a base de clientes deles. A gente vai abrir a nossa base com 3 mil revendedores, 7,7 mil postos, 18 mil clientes B2B. Não seria pouco imaginar que isso pode triplicar o tamanho do Ebitda da Targus.
Mas o mercado não ficou animado com o anúncio da compra da Targus e as ações caíram...
A reação dos clientes, de quem a gente atende, foi muito positiva. Em relação ao valor da ação, tem outros elementos. No nosso entendimento, o preço da nossa ação está ligado ao fato de a Petrobras já ter anunciado a venda do restante de sua participação na BR. Isso causa aquele fenômeno que chamamos no mercado de overhang, cria um efeito Tostines complicado.
“No nosso entendimento, o preço da nossa ação está ligado ao fato de a Petrobras já ter anunciado a venda do restante de sua participação na BR”
De que forma?
Você tem um grande acionista dizendo que vai vender, inclusive aprovou no seu conselho, e os investidores comprando e vendendo papel todo dia, mas sempre com a preocupação: ‘espero a venda em massa que vai acontecer ou compro agora?’. Aí você cria um fenômeno Tostines. Nem a ação reage muito, porque todo mundo fica esperando a Petrobras vender, e a Petrobras espera para tomar a sua decisão do momento em que vai fazer a venda. Outro dia estava olhando o gráfico da BR Distribuidora, desde o momento que a Petrobras anunciou que vai vender, a ação nem cai e nem sobe. Se não tivesse esse overhang, a ação estaria refletindo todo o ajuste de valor que temos feito.
A venda das ações da Petrobras vai destravar valor na BR Distribuidora?
A venda da parcela restante da Petrobras na BR tira aquele risco de cauda. Enquanto estatal, a Petrobras tem 37% da BR e o mercado vê que alguma mudança na Petrobras ou no governo afete indiretamente a BR. Quando a Petrobras toma a decisão de vender, você tira esse risco de cauda. Aquele investidor que não comprou o papel da BR nem no IPO em 2017 e nem na privatização por ter esse medo, ele não terá isso e, além disso, está verá uma evolução de tudo o que construímos desde a privatização. Acho que tem um potencial, sim, de criação de valor importante.
Que ajustes foram feitos?
Tem toda a parte de melhora na compra e precificação de combustível; de gestão de custos, que passou pela quantidade de pessoas que a companhia tinha, da mudança daquele passado estatal de contratar por concurso público. Esses ajustes feitos em 2019 foram importantes para dar a base de que fecharemos 2020 com uma rentabilidade de Ebitda por metro cúbico ao redor de R$ 100 por metro cúbico.
“Fecharemos 2020 com uma rentabilidade de Ebitda por metro cúbico ao redor de R$ 100 por metro cúbico”
Quanto estava antes?
No IPO (2017), estava em R$ 60 por metro cúbico, na privatização (2019) falava-se de R$ 70 por metro cúbico e os últimos números que temos apresentado ao mercado está nos aproximando de R$ 100 por metro cúbico.
Você falou de custos e ajustes. Para ter uma ideia, em números, qual foi o tamanho dessa restruturação?
Tínhamos uma empresa de 5,4 mil funcionários e hoje temos 3,7 mil funcionários. Além disso, em redução de despesas, chegamos a R$ 700 milhões por ano. E, falando de rentabilidade, fazíamos um Ebitda de R$ 2,8 bilhões e agora estamos fazendo perto de R$ 3,5 bilhões. Mas esperamos um Ebitda de mais de R$ 4 bilhões para os próximos anos.
Além da questão financeira, que o cliente não enxerga, o que mudou na empresa?
Essa evolução que conseguimos construir passa pelos elementos financeiros, mas tem que estar muito presente no elemento de ter uma BR com imagem de um posto bacana, entregar valor para o revendedor que vai além do preço como a parceria que fizemos com a AME digital. Ela nasceu da necessidade da crise da covid-19 porque não tínhamos um meio de pagamento touchless para a nossa revenda. Fizemos uma concorrência, selecionamos eles e estamos desenvolvendo uma parceria com a Lojas Americanas para a rede de lojas de conveniência.
“Esperamos um Ebitda de mais de R$ 4 bilhões para os próximos anos”
Como tem sido as conversas com a Lojas Americanas?
Sempre tivemos uma relação muito próxima com a Lojas Americanas no sentido de eles serem um dos potenciais parceiros para o nosso projeto de lojas de conveniência. A gente reconhece que, embora a loja de conveniência esteja dentro do setor de distribuição de combustível, o próprio setor tem pouco conhecimento do que é ser um varejista, essa é a grande verdade. E me arriscaria a dizer que a conveniência no Brasil ainda não tenha toda a sua potencialidade explorada justamente por ter ficado dentro do setor de combustíveis, que é bom em distribuir combustíveis e não necessariamente no varejo. Queremos trazer esse conhecimento e essa logística do varejo. Em breve anunciaremos ao mercado algumas evoluções nesse sentido.
O que se pode esperar de 2021?
Precisamos, acima de tudo, lembrar que a crise não passou, que ainda temos a covid-19. Será um ano de consolidação do esforço que temos feito desde meados de 2019 até agora, de uma empresa mais enxuta, mais eficiente, mais voltada para a criação de valor, para necessidade do cliente, de entrega de energia para a sociedade. É um ano que vamos ver a BR nesse mercado de energias elétrica e gás. É o ano em que a Petrobras consolida a venda das refinarias e dá um dinamismo diferente para o mercado.
Como está vendo uma segunda onda de covid-19?
Com certeza, estamos preocupados com uma segunda onda. A crise não acabou e precisamos ter muita consciência sobre isso. Ela muda hábitos e comportamentos. E 2020 mostra que não podemos menosprezar o tamanho de uma crise como a que estamos vendo. Por outro lado, também é um ano que a gente aprendeu que o Brasil tem uma vocação de crescimento muito grande. Você vê que a nossa recuperação foi em “V”.
Recuperação em “V”?
A gente fala isso porque a gente vende gasolina e diesel, indicadores muito importantes da atividade econômica, e vê como se recuperou muito rápido. Claro que tem o estímulo fiscal que o governo está dando, mas o fato é que a economia brasileira é muito diversificada. Somos otimistas, mas tem que ter muita atenção a gestão fiscal e como isso afeta os mercados, a taxa de juros e a economia.
Como você tem visto a questão do carro elétrico? Pode entregar esse tipo de energia nos postos?
No Brasil, há alguns elementos importantes. Primeiro, você tem a opção de biocombustíveis no País e é natural que a velocidade de penetração do carro elétrico aqui não seja igual à que a gente viu no norte da Europa. Tem também as questões logísticas, o Brasil é continental e isso pressupõe pontos de recarga no país inteiro. O que sabemos é que nos grandes centros, como São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, isso vai ter e precisamos estar preparados. Estamos muito antenados nisso, como vamos atender. A própria comercializadora de energia tem um viés de estar junto dos revendedores pensando em alternativas. Pensar se a recarga será feita em casa, no estacionamento, no posto. Estamos mapeando agora e a comercializadora nos ajuda a entender as necessidades.
Será possível, por exemplo, criar pontos de recarga geridos pela BR Distribuidora em condomínios?
Essa é uma possibilidade. Outra possibilidade que se pode imaginar é também vendendo energia para quem tiver os pontos. Nesse momento ainda é tudo incipiente, mas temos de estar preparados.
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