Em abril do ano passado, a Aliansce Sonae e a BRMalls acertaram os termos de um acordo para unirem as operações e criarem a maior administradora de shopping centers da América Latina. A Allos, nome que a companhia integrada adotou a partir de agosto, nasceu com 62 shoppings, 11 mil lojas, R$ 40 bilhões em vendas totais e, hoje, avaliada em R$ 12,4 bilhões.
Finalizados os trâmites burocráticos necessários no começo do ano, chegou o momento da integração e captura de sinergias. E, dentro deste processo, a companhia decidiu revisar seu portfólio. De 62 unidades, a Allos passou a deter participação integral ou parcial em 53 unidades no segundo trimestre deste ano, número que pode cair ainda mais.
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“Estamos no processo agora de desinvestimento, porque têm propostas”, afirma Rafael Sales, CEO da Allos, em entrevista ao NeoFeed. “Temos algumas negociações que podem ser concluídas ainda neste ano ou ficar para o ano que vem.”
As mais recentes vendas foram anunciadas ao mercado em outubro. No dia 3, a Allos firmou um acordo para a venda da totalidade de sua participação no Shopping Jardim Sul e de uma fatia de 43% no Boulevard Shopping Bauru, operações que totalizaram R$ 444,4 milhões.
Em 9 de outubro, a Allos informou ter celebrado um memorando de entendimentos para desinvestimento da totalidade de suas participações no Boulevard Shopping Campos e Santana Parque Shopping, de 75% e 36,7%, respectivamente, por R$ 297,9 milhões.
Sales diz que a Allos está ajustando seu portfólio para dar preferência a shoppings que são os principais destinos de consumo e de entretenimento de cada uma das regiões em que atua. “Tem alguns shoppings que não tem potencial de serem muito relevantes nas cidades, ou o mercado em que estão é pequeno”, diz o CEO da Allos.
A Allos está também optando por vender parcelas de shoppings, mas manter o controle. Nestes casos, a companhia tem firmado acordos com fundos imobiliários (FIIs). Foi o que aconteceu na transação envolvendo o Boulevard Shopping Bauru, firmada com o Hedge Brasil Shoppings (HGBS11), da Hedge Investments.
Segundo Sales, os recursos levantados ajudarão em algumas frentes, desde investimentos em outros shoppings, no plano de alcançar uma alavancagem na casa das duas vezes até o fim deste ano. Hoje, a dívida líquida de R$ 4,5 bilhões representa 2,4 vezes o Ebitda.
A aquisição de novos shoppings não está descartada, mas o CEO da Allos diz que dependerá de surgir uma boa oportunidade. “Esse ano provavelmente não é o ano de fazer grandes investimentos”, afirma Sales.
Quanto à combinação entre Aliansce Sonae e BRMalls, Sales diz que a empresa segue no rumo para capturar as sinergias. A Allos calcula valores anuais de R$ 180 milhões a R$ 210 milhões, com o processo sendo finalizado em 2028.
Acompanhe os principais trechos da entrevista:
O que motivou as recentes operações de venda de participações minoritárias?
A companhia realiza constantemente uma revisão de sua estratégia de alocação de capital, sendo ativa na busca de gerar valor ao acionista, acessando os canais de capital de acordo com o tipo de mercado no momento. Em 2019, fizemos vendas de ativos ao longo do processo de fusão com a Sonae. Durante a pandemia tivemos a oportunidade de comprar uma participação que nos fez majoritários no Shopping Leblon. Se você pegar os shoppings de Aliansce, Sonae e BRMalls de forma separada, nossa base atual tem 23 shoppings a menos do que as três tinham em 2017.
Quais os critérios que a Allos está utilizando para escolher os shoppings que serão desinvestidos?
Queremos ter os shoppings nos locais que são os principais destinos de consumo e de entretenimento. Queremos ser o principal destino daquele determinado bairro ou daquela microrregião de bairros, ou da cidade, de acordo com o tamanho dos mercados. A gente é capaz de fornecer um bom serviço, desde que a gente tenha uma localização e um equipamento de varejo que seja suficientemente grande, completo e bem localizado e que, com a nossa capacidade de gestão, a gente consiga extrair o máximo valor.
Shoppings menores não interessam?
Nenhum dos nossos shoppings, hoje, não dá resultado, todos são muito rentáveis. Eles geram, no mínimo, entre R$ 20 milhões e R$ 25 milhões de NOI [receita operacional líquida]. Porém, alguns não têm potencial de serem muito relevantes onde estão, ou o mercado é pequeno. Nesses casos, vamos desinvestir totalmente e o novo acionista pode nos contratar para administrá-lo, ou a gente vai vender para outro administrador. Um shopping que não vai crescer muito, ou que não vai ser líder de determinada região, não necessariamente deixa de ser um bom investimento, mas para uma companhia que precisa administrar mais de 50 shoppings, é melhor focar nos maiores e nos que têm potencial de serem os principais destinos de lazer e consumo.
E as vendas de fatias, como foi o caso no Boulevard Shopping Bauru?
Podemos vender participação minoritária em shoppings que queremos ter no nosso portfólio, mas que eventualmente vão demandar menos investimentos, tem menos capacidade de expansão e que fundos imobiliários podem ser investidores importantes. Não precisamos ter 100% de um shopping para definir seu futuro. Temos uma governança bem negociada com os FIIs, que são parceiros, recebem dividendos e podemos alocar capital de outra forma, talvez em expansões em outros shoppings, que demoram para maturar, e que os FIIs não têm apetite para investir.
Como está o mercado para a venda de ativos?
Está muito interessante para desinvestir e realocar capital dos shoppings no mercado privado, nessas transações que estamos fazendo. E também para recomprar ações da companhia, que é uma das possibilidades que estamos explorando. Lançamos um programa de recompra de ações baseado no aumento de capital que vamos ter nos nossos balanços, melhor do que prevíamos no começo do ano, considerando também os nossos resultados.
"Queremos ter os shoppings nos locais que são os principais destinos de consumo e de entretenimento"
Como fica a questão da alavancagem financeira? É um ponto que está sendo considerado ou o racional envolve, principalmente, dar retorno aos acionistas?
Já chegamos a um nível de alavancagem interessante [fechou o segundo trimestre em 2,4 vezes]. A gente espera chegar até o fim do ano num nível perto de 2 vezes. Com essa programação de recebimento de capital pelas vendas, estamos convictos de também lançar esse programa de recompra. Entendemos que é um investimento razoável tanto do ponto de vista de risco quanto do ponto de vista de retorno, sem alavancar demais o balanço da companhia.
A revisão do portfólio está completa ou pretendem fazer novas operações, seja venda inteira ou fatias?
Estamos no processo agora de desinvestimento, porque têm oportunidades, têm propostas. Temos algumas negociações que podem ser concluídas ainda neste ano ou ficar para o ano que vem, mas não temos pressa, porque o endividamento está bem estruturado e a dívida está alongada. Estamos preparados para fazer um processo de captação bacana.
E investimentos, aquisições?
No futuro, vamos voltar sim a explorar aquisições, principalmente quando o valuation for mais interessante e a gente tiver avançado no nosso programa de recompra de ações e de integração da companhia. Temos que ter mais cuidado na hora de fazer investimentos novos e adicionar shoppings novos no nosso portfólio. Esse ano provavelmente não é o de fazer grandes investimentos. Mas estamos investindo em projetos de transformação digital e de inovação, de conectar os clientes com os shoppings e os lojistas através de canais digitais.
Que tipo de shoppings querem ter, agora, no portfólio?
Uma das métricas que gostamos de olhar são shoppings que têm potencial ou já vendem acima de R$ 400 milhões por ano. Nós temos hoje 13 shoppings próprios que já vendem mais de R$ 1 bilhão, alguns deles vendem R$ 2 bilhões por ano. São os principais destinos dos consumidores. Além disso, queremos estar em lugares em que possamos ter densidade, relevância de venda e de mercado, e que possamos oferecer um produto melhor para aquele consumidor. Pode ser um bairro, como é o caso em São Paulo, em que o Plaza Sul é o principal destino de quem está nos bairros do Jabaquara e na Saúde. Vendemos uma participação minoritária, mas é o tipo de shopping que queremos manter, porque tem potencial de ser um local em constante evolução. Outros shoppings que queremos são aqueles que têm potencial de serem líderes.
Tem exemplos desse segundo tipo?
É o caso de Manaus. Quando fizemos a fusão com a Soane, o Manauara era um dos principais shoppings da cidade, mas, ao longo dos últimos três anos, o crescimento de vendas dele foi de 70% a 80%. A gente capturou muito market share, substituímos muitos lojistas, melhoramos muito o mix. Então, essa é outra forma de pensar também, shoppings que eventualmente não atingiram o seu potencial. São diversas variáveis que formam o que entendemos como o portfólio deve ser, mas o essencial é relevância de vendas, ser importante para o varejo, ser um shopping em que todo mundo queira ir.
Existe espaço para desenvolver novos shoppings de forma orgânica ou teria que partir para aquisições?
Todas as possibilidades são possíveis no Brasil. Nos últimos dez anos, as grandes cidades receberam poucos shoppings novos. A gente pode achar uma oportunidade de fazer o desenvolvimento, mas a questão é que a gente só faz lançamentos greenfield em momentos muito pujantes do ponto de vista de demanda. Temos que escolher o momento certo e o local certo, porque qualquer projeto vai levar tempo. Só vamos fazer se for algo muito especial, com retorno muito bom. Hoje, o brownfield, a expansão de shoppings existentes, é o crescimento orgânico mais óbvio para nós. Nesses últimos três anos, inauguramos por volta de 30 mil metros quadrados de ABL em shoppings que já existiam.
"Vamos voltar sim a explorar aquisições, principalmente quando o valuation for mais interessante"
Cidades médias estão fora radar?
Em cidades médias vai depender de sermos a principal localização da região, como é o caso em Campinas, em que o Parque Dom Pedro vem crescendo todo ano e temos feito revitalizações. É um ótimo destino, assim como Londrina. Apesar de não serem capitais, estão indo muito bem e queremos continuar investindo. Algumas cidades médias têm muitos shoppings construídos, o que torna difícil gerar resultado para o acionista. No caso de Londrina, o nosso shopping já é dominante e tem espaço para construir multiuso, prédios, hotéis, residenciais, áreas de lazer.
Multiuso é uma estratégia? Como ela tem sido conduzida?
Temos atuado com projetos multiuso em diversos shoppings. Devemos ter por volta de 17 torres sendo construídas dentro do nosso portfólio por parceiros, em modelos que temos a permuta ou recebimento em dinheiro. Temos 7 milhões de metros quadrados de área para ser desenvolvida dentro do nosso landbank, ao redor dos nossos shoppings. Um pedaço relevante pode se tornar áreas de multiuso. Em Goiânia, temos uma parceria para construir torres residenciais no terreno contíguo ao shopping. Além de levar um fluxo constante de pessoas para o shopping como consumidores, estamos adensando a área com equipamento de qualidade.
O que essa iniciativa pode significar em termos de resultados?
Não temos um guidance para isso. O mais importante desta estratégia é a combinação de uma rentabilidade adicional e atrair mais pessoas para os nossos shoppings, trazendo ao consumidor e lojista oportunidades de capturar valor nesse ecossistema, o entorno dos nossos shoppings.
Como a Allos está sentindo o momento econômico? O setor de shoppings passou por altos e baixos desde a pandemia.
Temos conseguido subir aluguéis de uma forma gradual sem ter um custo de ocupação aumentando junto. Desde a pandemia, estamos com vendas superiores ao que tínhamos em 2019. O resultado da companhia combinada já bateu R$ 2 bilhões de receita olhando os últimos 12 meses até junho, estimativa que a gente tinha para o fim deste ano quando fizemos a proposta de fusão. O varejo no Brasil tem crescido abaixo da inflação, mas temos crescido acima de 5%, 8% nos últimos trimestres. Em termos de rentabilidade, temos tido um vento a favor, que são as sinergias da integração, que começaram a mostrar resultados no primeiro semestre. Para este fim de ano, estamos otimistas em relação à abertura de lojas e esperamos um Natal forte, apesar dos segmentos de varejo que estão sofrendo.
Em relação ao cronograma de captura de sinergias com a integração com a BRMalls, ele consegue ser cumprido?
Temos conseguido cumprir sim. Neste ano, pelo menos, vamos entregar as sinergias estimadas e estamos bem otimistas com o ano que vem, que é o que conseguimos enxergar a olho nu.
Considerando que a Allos é a maior operadora de shopping centers da América Latina, existe interesse de ir a outros países?
Não está nos planos. Não descartamos, mas o Brasil ainda é um mercado muito fragmentado. Estimamos que a nossa posição no mercado, em termos de vendas, está entre 12% e 14% de market share. No Oriente Médio, norte da África, mercados que olhamos com mais detalhe, por serem similares ao nosso mercado, vemos market shares de 40%, 50%. Mas o importante é sermos relevante naqueles mercados em que estamos.