Depois da revelação de “inconsistências contábeis” da ordem de R$ 20 bilhões na Americanas, que resultou na recuperação  judicial da empresa, um dos principais nomes do varejo nacional, a grande dúvida é como a situação pôde passar despercebida e quem são os principais culpados.

Na terça-feira, 28 de março, a audiência pública promovida pela Comissão de Assunto Econômicos (CAE) do Senado para tratar do tema focou sua atenção em duas frentes: o trabalho de auditoria realizado pela PwC e a responsabilidade dos acionistas de referência, Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Beto Sicupira.

Responsável por auditar o balanço da Americanas desde 2019, a PwC teve sua atuação duramente criticada pelos senadores. Também não caiu bem o fato de a empresa não ter enviado um representante à audiência pública – a companhia não era obrigada a comparecer à sessão.

Além da PWC, não compareceram o ex-CEO da Americanas, Miguel Gutierrez, e ex-diretores. Na primeira parte da audiência participaram o atual diretor-presidente, Leonardo Coelho Pereira, e o ex-CEO Sergio Rial, responsável pela revelação das “inconsistências contábeis”.

O senador Otto Alencar (PSD-BA), autor do requerimento para tratar do assunto e quem presidiu a audiência, foi bastante duro com a PwC, avaliando que a empresa foi conivente, senão envolvida, com uma possível fraude que poderia ter ocorrido na Americanas.

“A falta da PwC é um atestado de que ela errou com uma empresa tão importante, tendo responsabilidade pela crise de tantos acionistas”, disse. “Essa empresa não merece confiança de quem quer uma auditoria correta em suas empresas.”

O senador Omaz Aziz (PSD-AM) seguiu a mesma linha. Para ele, há sinais de que houve fraudes na Americanas e o caso aponta que a PwC tenha sido conivente com uma maquiagem das contas da empresa.

“Se maquiou as contas da Americanas e de outras empresas, a CVM tem que tomar providências. A PwC trabalha para governos de estado e não tenho provas sobre maquiagem, mas, na Americanas, temos indícios”, afirmou.

Os senadores questionaram o atual CEO da Americanas sobre a relação da empresa com a PwC nesse momento. Segundo Pereira, a empresa segue prestando trabalhos, mas conta com uma “auditoria sombra” feita pela Deloitte, que realiza a validação dos números. “Hoje, temos duas auditorias fazendo o trabalho”, afirmou.

Durante os questionamentos, Pereira disse que é preciso aguardar os resultados das investigações conduzidas pelo comitê independente para falar sobre fraude. “Por mais que uma primeira leitura indique fraude, eles (comitê) precisam terminar o trabalho”, afirmou.

Rial, por sua vez, disse que a PwC ficou “surpresa, para não dizer chocada” com a “inconsistência contábil”, tendo sido informada da descoberta do caso no dia 9 de janeiro.

Procurada pelo NeoFeed, a PwC informou, em nota, que por questões de confidencialidade e regras de sigilo profissional, não comentaria temas de clientes.

Acionistas de referência

Quem também ocupou a atenção dos senadores foi o trio de acionistas de referência da varejista, Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Beto Sicupira, que tem cerca de 30% do capital social da companhia. Houve cobrança sobre uma maior atuação no caso.

O senador Eduardo Braga (MDB-AM), por exemplo, disse que eles deveriam depositar em juízo o valor devido para pequenos credores. Já o senador Vanderlan Cardoso (PSD-GO) criticou a demora dos acionistas de referência em injetar recursos na companhia.

“Os acionistas majoritários, referência para brasileiros e empresários que investiram no mundo inteiro, não colocaram a mão no bolso no momento em que muito estão agonizando para aportar recursos na empresa”, afirmou.

O CEO da Americanas destacou que o trio segue comprometido com a companhia e citou a proposta de injeção de R$ 10 bilhões na empresa.

“De todas as conversas que tive com os acionistas de referência, o compromisso com o ativo é maior que qualquer coisa”, disse Pereira. “Em todos os momentos, eles se mostraram como o principal ator na construção de uma saída para a empresa.”

As ações da Americanas chegaram a operar em alta de 0,99%, a R$ 1,02, por volta de meio-dia, mas fechou o pregão da terça, 28, sem variação. Em 12 meses, o papel acumula queda de 96,8%, levando o valor de mercado para R$ 911,5 milhões.

Correção: Diferentemente do que foi publicado inicialmente, a 3G Capital, controlada pelos acionistas de referência da Americanas, não investe na rede varejista. Título e texto foram corrigidos com a informação correta.