Como reflexo de um momento pouco favorável, o Softbank tem chamado a atenção, entre outras questões, pela dança das cadeiras em seu alto escalão, com uma série de mudanças no topo da sua gestão desde o início de 2022.
Agora, essa movimentação está alcançando o “número dois” na operação do banco japonês. Braço direito de Masayoshi Son, fundador e CEO do grupo, o indiano Rajeev Misra está deixando o posto de CEO do Vision Fund, o braço de investimentos em empresas de tecnologia da companhia.
A informação foi divulgada pelo The Wall Street Journal, que teve acesso a um memorando interno do Softbank. Segundo o documento, assinado por Son, Misra seguirá como presidente-executivo do Softbank Investment Advisers, braço que cuida de boa parte dos investimentos privados da companhia.
No memorando, Son também ressalta que planeja assumir um papel de liderança mais direto na gestão no Vision Fund, veículo por meio do qual o Softbank se notabilizou por assinar um pacote de cheques polpudos destinados a empresas de tecnologia ao redor do globo.
“Fomos pioneiros em uma nova abordagem de investimento, fizemos parceria com mais de 450 empresas e ajudamos a abrir o capital de mais de 40 companhias em todo o mundo. Nada disso teria sido possível sem a parceria, imaginação e talento de Rajeev”, disse Son, no documento.
Son informou no comunicado que Misra estava se afastando do grupo para “construir e administrar um novo fundo de investimento externo em diversos ativos” e que teria um mandato mais amplo que os dois veículos do Vision Fund.
Em entrevista ao jornal britânico Financial Times, Misra disse que o novo fundo em questão será lançado com um volume de US$ 6 bilhões e será apoiado pelos fundos estatais Mubadala e ADQ, dos Emirados Árabes, além do Royal Group, outro fundo de investimentos do país.
Discursos à parte, o fato é que o anúncio marca o auge de uma verdadeira diáspora na operação. A lista de executivos que deixaram o grupo em 2022 inclui nomes como Katsunori Sago, executivo-chefe de estratégia; Akshay Naheta, executivo sênior de investimentos; Deep Nishar, senior mananing partner; e Ronald Fischer, um antigo aliado de Son, que deixou o board da companhia recentemente.
Esse cenário também teve seus episódios na América Latina. No fim de janeiro desse ano, Marcelo Claure, um dos homens de confiança de Son e responsável por trazer um fundo específico para a região, deixou o comando dessa operação.
Já em abril, Paulo Passoni e Shu Nyatta, dois managing partners do fundo do Softbank para a América Latina, também deixaram suas posições. Os dois vão criar uma nova gestora quando terminar o período de non-compete de um ano.
Uma das razões por trás dessa alta rotatividade seriam as tentativas desses executivos, no decorrer dos anos, de moderar o estilo impulsivo de Son no que diz respeito aos investimentos. Essa movimentação intensa no alto escalão, por sua vez, reduz as vozes contrárias ao fundador do Softbank.
Além dessa questão, as trocas constantes têm como pano de fundo um contexto nada animador para o Softbank, reconhecido pelo próprio Son no memorando. “Enfrentamos um ambiente econômico difícil e em rápida evolução. Estou cheio de motivação, cheio de confiança e cheio de sonhos”, destacou ele, no documento.
Se Son está “cheio de sonhos”, a realidade à frente do grupo traz uma série de desafios e turbulências. Entre outros ingredientes, o Softbank vem sofrendo duras perdas com a forte queda nas ações de empresas ligadas à tecnologia.
Esse contexto é reforçado pela ofensiva das autoridades e reguladores chinesas contra empresas de tecnologia no país. Entre elas, o Alibaba, em que o fundo do Softbank detém uma fatia de aproximadamente 25%.
Nessa trilha, o grupo reportou um prejuízo líquido recorde de 1,7 trilhão de ienes (US$ 13,3 bilhões) em seu ano fiscal encerrado em 31 de março. Já o Vision Fund fechou o exercício com uma perda de 2,6 trilhões de ienes (US$ 20,4 bilhões), revertendo o lucro de 4 trilhões de ienes, um ano antes.
Sob esse panorama, o Softbank adotou medidas como a redução dos salários de seus principais executivos. Esse corte nos vencimentos foi precedido pela recomendação de Son para que o Vision Fund desacelerasse seus investimentos diante da volatilidade dos mercados.
Histórico controverso
O relacionamento de Misra com Masayoshi Son teve início em 2006, quando o executivo ajudou a levantar recursos da ordem de US$ 16 bilhões para que o Softbank fechasse a aquisição de uma operadora de telefonia.
Após cumprir uma trajetória de mais de 20 anos em Wall Street, com passagens por bancos como Deutsche Bank, Merril Lynch e UBS, Misra chegou de fato ao Softbank em 2014. Na época, ele assumiu como head de finanças. Em 2017, passou a liderar o Vision Fund a partir do lançamento da iniciativa.
Com US$ 100 bilhões à disposição em seu primeiro veículo, Misra, à frente do Vision Fund, empilhou um volume substancial de investimentos em startups ao redor do mundo. A relação incluiu diversas empresas brasileiras e latino-americanas. Entre elas, unicórnios como Rappi, QuintoAndar, Kavak e Loft.
Entretanto, essa trajetória não foi marcada apenas por investimentos bem-sucedidos. Um dos pontos contrários envolveu a abertura de capital fracassada da WeWork, no segundo semestre de 2019. Na época, a startup de escritórios compartilhados era a grande estrela do portfólio do Softbank.
A empresa buscava uma avaliação de US$ 47 bilhões no IPO. Mas diversos problemas na operação vieram à tona, o que desencadeou a suspensão do processo e a queda vertiginosa no valuation da startup, além de diversos questionamentos sobre a estratégia de investimentos do grupo japonês.
A WeWork só concretizou sua abertura de capital, por meio de uma Special Purpose Acquisition Company (SPAC), em outubro de 2021, quando foi avaliada em US$ 8 bilhões. Listada na Bolsa de Nova York, a empresa vale atualmente US$ 3,9 bilhões.
Outras polêmicas e controvérsias marcaram a passagem de Misra pelo Softbank. Em 2020, por exemplo, o The Wall Street Journal revelou uma suposta trama construída pelo executivo, a partir de 2015, para sabotar dois executivos que ele julgava serem empecilhos à sua ascensão no grupo.
Os alvos eram Nikeshi Arora, que ocupou, entre outras posições, a presidência do Softbank, e Alok Sama, executivo com passagens na liderança da operação em Londres.
Com base em documentos e depoimentos de pessoas familiarizadas com a “estratégia” de Misra, o jornal americano publicou que o executivo teria contratado, por exemplo, uma empresa privada de inteligência para investigar Arora e Sama.
Como parte desse plano, Misra contratou, inclusive, uma agência de relações públicas para cavar espaço na mídia a partir da divulgação de qualquer descoberta constrangedora para a mídia. Fruto dessa trama ou não, o fato é que a dupla deixou o grupo. Arora, em 2016, e Sama, três anos depois.