Michael Burry está de volta, mas não com uma nova grande aposta (pelo menos não de forma pública). Após encerrar o registro da Scion Asset Management, seu fundo de hedge nos Estados Unidos, ele ressurgiu com uma newsletter - paga - na plataforma Substack.

Burry é o investidor que ficou conhecido por antecipar o colapso das hipotecas subprime em 2008. Ele disse que deixou o mundo regulado dos hedge funds para se livrar das amarras de reportar movimentos, posições e fluxos de investimento.

O motivo é sua visão sobre a inteligência artificial. Nas últimas semanas, Burry vem sendo chamado de Cassandra, a figura mitológica grega condenada a enxergar o futuro sem ser ouvida.

A newsletter "Cassandra Unchained" é uma maneira de dividir com seus assinantes, detalhadamente, por que acredita que o mundo está, novamente, às portas de uma bolha histórica.

Em poucos dias, ele conquistou mais de 35 mil assinantes - ao custo mensal de US$ 37,9 ou US$ 379 por ano - para fazer análises diretas e mostrar sua convicção de que os mercados adoram repetir seus erros.

Agora, sem as obrigações e as amarras legais de um gestor, Burry pode conduzir sua análise com liberdade. O primeiro texto do Cassandra Unchained é uma declaração de princípios. Mas é o segundo texto da newsletter que o autor sobe o tom. Burry argumenta que o maior sinal de uma bolha nunca está na euforia, mas no excesso de oferta.

Déjà vu da bolha das pontocom

Segundo ele, o que está acontecendo hoje na infraestrutura de inteligência artificial, com data centers se multiplicando, cadeias de suprimentos correndo para produzir chips cada vez mais potentes, e empresas dispostas a queimar capital para não “ficar para trás”, um exemplo “cristalino de glutonaria do lado da oferta”.

Para Burry, o raciocínio do mercado parece familiar. O futuro será transformado pela IA que qualquer investimento atual se justificaria depois. Foi assim no fim dos anos 1990. E foi assim também no mercado imobiliário pré-2008.

Na sua leitura, a Nvidia desempenha hoje o papel que a Cisco teve no auge das pontocom: empresa indispensável, supervalorizada e apoiada numa cadeia de capex que pode não se sustentar.

Ele critica ainda práticas contábeis do setor, como a extensão da vida útil de hardware para manter margens aparentes, algo que poderia distorcer a percepção real de lucratividade.

Curiosamente, Burry não esconde o incômodo de assumir, mais uma vez, a posição de quem está disposto a estourar balões em uma sala cheia de gente eufórica.

Em um de seus textos, ele cita Charlie Munger: “Quem estoura muitos balões não costuma ser a pessoa mais popular da sala”.

Burry sabe que boa parte do mercado não quer ouvir sobre riscos em um momento de euforia tecnológica. Sabe que investidores institucionais preferem extrapolar margens, narrativas e modelos.

E sabe também que, historicamente, quando ele decidiu falar mais alto (em 2000 e 2007) os sinais estavam lá, mas poucos quiseram escutar.

Algo que precisa ficar claro é que Burry não diz que a IA é irrelevante, nem que a tecnologia não trará revoluções reais.

Seu alerta é sobre o mercado assumir que todo investimento será lucrativo, antes que a demanda tenha se provado capaz de absorver tamanha corrida por capacidade.

Se ele estiver certo, haverá um ajuste profundo nas empresas mais expostas ao ciclo de infraestrutura da IA, podendo se espalhar para startups, valorizações infladas e cadeias inteiras de semicondutores.

Por outro lado, se ele estiver errado, essa sua nova fase de Cassandra pode ser lembrada como mais um exemplo de como até os investidores brilhantes podem se perder em previsões contrárias num bull market prolongado.