Aprovado pela Câmara dos Deputados no início de dezembro, o projeto de lei que pune o devedor contumaz será sancionado até o fim do ano pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A medida é vista como a principal oportunidade de sufocar, de fato, o lado econômico do crime organizado.

Para o deputado federal Júlio Lopes (PP-RJ), presidente da Frente Parlamentar pelo Brasil Competitivo, a sanção da medida irá assegurar a inviabilidade financeira de grupos que estão no topo da lista de sonegadores no País, como a Refinaria de Manguinhos (Refit).

“Ela terá muita dificuldade de sobrevivência, dado o tamanho da dívida que ela tem. Vai ser bastante difícil seguir operando”, diz Lopes, em entrevista ao NeoFeed.

"Aqueles que são devedores contumazes, em função do estoque de dívidas que administram, de uma forma geral as operações estarão inviabilizadas”, explica.

A empresa, alvo das operações Carbono Oculto e Poço de Lobato, da Polícia Federal, tem débitos que ultrapassam R$ 24 bilhões em tributos com os governos de São Paulo e Rio de Janeiro, além de impostos federais.

Antes da ação, a Refit era responsável pelo abastecimento de 10% do mercado de São Paulo e 20% do Rio de Janeiro. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) suspendeu as operações da companhia.

Dados do Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP) mostram que a empresa, enquanto estava operando, deixava de recolher R$ 15 milhões de impostos por dia, em São Paulo e no Rio de Janeiro.

Recentemente, o presidente da rede Ipiranga, Leonardo Linden, disse ao NeoFeed que a empresa poderia abrir 700 postos por ano, o dobro do atual volume de inaugurações, não fosse a presença expressiva do crime organizado no setor.

Para o parlamentar federal, no entanto, apesar do avanço que o projeto trará, é necessário avançar ainda mais. Uma das saídas, segundo ele, é implementar o Operador Nacional do Sistema de Combustíveis, projeto de sua autoria e que deve ser votado ainda em 2025.

O modelo é parecido ao do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) e garante o monitoramento, em tempo real, de toda a cadeia de combustíveis, identificando a qualidade e a quantidade do produto.

“Queremos verificar online como estão trabalhando as 130 mil bombas de combustíveis, nos 41 mil postos do Brasil", afirma Lopes.

Acompanhe, a seguir, os principais trechos da entrevista:

Júlio Lopes, presidente da Frente Parlamentar pelo Brasil Competitivo

Com a aprovação do projeto do devedor contumaz, como fica o caminho na prática para eliminar o crime organizado de setores importantes da economia?
Ele vai ser sancionado pelo presidente da República e regulamentado pelos órgãos do governo federal. Com essa implementação, vamos ter a erradicação de várias empresas que atuam nos mercados com o propósito deliberado de fraudar. E aí vamos ter uma limpeza grande, sobretudo no mercado de combustíveis, mas também no de cigarros e bebidas.

A fraude está ligada a produtos com altos impostos?
Todo lugar que tem um imposto muito alto, há uma oportunidade para esses sonegadores trabalharem com a fraude. Esses mercados serão os principais beneficiados. Não dá para competir em um setor que tem 30% ou 35% de tributação, e um paga imposto e outro não. Essa desconformidade competitiva precisa acabar. Eles vinham fraudando por opção.

Dá para dizer que essas irregularidades irão acabar no Brasil?
Não. A fraude não vai acabar, mas vai melhorar. Eles terão que inventar outra maneira para proceder. Mas a complacência com o devedor contumaz vai acabar. O crime de sonegação é como o líquido, vai ultrapassando camadas, até infiltrar completamente. Não vai acabar, mas haverá uma grande interrupção. E esses criminosos terão que se infiltrar em outro lugar. A medida vai impedir que esses criminosos abram novos CNPJs e sigam operando.

O projeto do devedor contumaz, quando entrar em vigor, vai significar o fim da Refit?
Não sei se o fim, mas é fato que ela terá muita dificuldade de sobrevivência, dado o tamanho da dívida que ela tem. Vai ser bastante difícil seguir operando. Aqueles que são devedores contumazes, em função do estoque de dívidas que administram, de uma forma geral as operações estarão inviabilizadas.

"Não sei se o fim, mas é fato que ela [Refit] terá muita dificuldade de sobrevivência, dado o tamanho da dívida que ela tem. Vai ser bastante difícil seguir operando"

Mas essas medidas vão enquadrar também os donos dessas empresas?
Sem dúvida. Quando há uma impossibilidade real de abrir novos CNPJs, é porque aquele CPF originário está impedido. O impedimento não é só do CNPJ, mas do CPF também. Eles não vão poder fazer novos negócios.

Quais devem ser os próximos passos para sufocar ainda mais os grandes sonegadores do Brasil?
Precisamos criar leis para controles digitais. Estou trabalhando para conseguir aprovar, ainda neste ano, um projeto de minha autoria que cria o Operador Nacional do Sistema de Combustíveis. Eu acredito que a fraude sempre acontecerá. Mas se você der um espaço de tempo menor para o fraudador, menor será a possibilidade de ele ter êxito. Quando há esse controle digital, há menos chance de fraude.

O modelo do Operador Nacional do Sistema de Combustíveis seria semelhante ao do Operador Nacional do Sistema Elétrico?
Exatamente. Hoje construímos um nível de consenso muito elevado entre os stakeholders da área de combustíveis. O projeto garante a digitalização de toda a cadeia de combustíveis, por meio de um painel, em tempo real, desde a importação, a fabricação e a distribuição. É possível verificar a qualidade e a quantidade dos produtos. Com isso, teremos uma auditoria permanente, diminuindo o intervalo de tempo para o sonegador.

Isso alteraria alguma atribuição da Agência Nacional do Petróleo?
Não mudaria nada. Meu projeto não substitui nenhuma atribuição da ANP. Ela segue com todas as suas responsabilidades. O que o Operador Nacional do Sistema de Combustíveis vai fazer é todo o monitoramento em tempo real de todo esse transporte.

Esse controle vai até a bomba de combustível?
Queremos verificar online como estão trabalhando as 130 mil bombas de combustíveis, nos 41 mil postos do Brasil, medindo a qualidade e a quantidade do que chega diretamente nos tanques dos veículos.

E por que esse controle não existia até hoje?
Porque interessou a muita gente não ter esse controle. Essas fraudes bilionárias beneficiaram muita gente. Mas agora estamos evoluindo. E vamos ter essa medida no Brasil.