Passados dez dias da operação da Polícia Federal (PF) que resultou na prisão do banqueiro Daniel Vorcaro e na liquidação extrajudicial, por parte do Banco Central (BC), do Banco Master, a atenção do mercado começa a se voltar para as empresas em que o grupo tem participação acionária e que serão incluídas na listagem dos ativos para pagamento de dívidas.
Quem entra nessa lista é a farmacêutica Biomm, companhia listada na B3 desde 2014. O principal acionista da companhia é o Cartago Fundo de Investimento, que hoje tem 25,86% de participação e que integra oficialmente o conjunto das empresas de Vorcaro.
De acordo com o documento "Gerenciamento de Risco – Pilar 3", produzido pela instituição financeira ao qual NeoFeed teve acesso, o texto mostra que “o conglomerado prudencial Master (instituição líder Banco Master) está exposto aos riscos de crédito, mercado, liquidez e operacional.”
Nessa lista aparecem 39 empresas e fundos de investimentos. O Fundo Cartago é um deles. Como a Biomm tem hoje um valor de mercado próximo a R$ 1 bilhão, isso significa que a participação na empresa do grupo liderado pelo banco Master representa R$ 250 milhões - isso em condições “saudáveis” de mercado.
O especialista em gestão de risco Salvatore Milanese, fundador da Pantalica Partners e que atuou nos processos de liquidação dos bancos BVA (2013), Santos (em 2005) e Bamerindus (em 1998), não tem dúvida de que a participação do Master na Biomm terá que ser vendida para amortizar parte do débito, ainda em apuração pelo BC.
“Na prática, hoje a Biomm tem como acionista a massa falida do Banco Master. E sua participação terá que ser vendida. Será uma forma de garantir parte do pagamento dos credores do Banco Master”, diz Milanese, ao NeoFeed. “Imagino que hoje os demais acionistas da Biomm estejam minimamente preocupados.”
Inicialmente, a constatação é de que os passivos do Banco Master seriam de, pelo menos, R$ 56 bilhões. Desse volume, cerca de R$ 41 bilhões foram identificados pelo Fundo Garantidor de Créditos (FGC) de 1,6 milhão de investidores que adquiriram Certificados de Depósitos Bancários (CDBs).
Dessa forma, o liquidante do Master – o executivo Eduardo Félix Biachini, indicado pelo BC – terá de buscar, entre os ativos, a diferença bilionária para pagar esse rombo. É aí que entra a parte do fundo da empresa de Vorcaro na Biomm.
Lideranças do mercado farmacêutico consultadas pelo NeoFeed acreditam que, a partir da decisão da venda da fatia do Fundo Cartago da farmacêutica, a tendência é que outro fundo fique com a participação na Biomm.
“Pouco provável que outra farmacêutica faça alguma oferta pelos 25%, sem que tenha, na prática, o controle da empresa. A Biomm é um ativo muito importante no País, mas só chamaria atenção de outra empresa se fosse vendida integralmente, o que não deve acontecer”, diz uma fonte importante do setor.
Esse processo, no entanto, que irá culminar com a saída do Fundo Cartago da sociedade da Biomm, deve demorar pelo menos um ano, ao contrário do pagamento de credores listados pelo FGC, que deve ocorrer em até 40 dias.
Não há clareza sobre quais são as outras empresas que tenham investimentos diretos ou indiretos do Master ou do próprio Vorcaro. Segundo Milanese, o balanço do Master ignora essa informação, mas dá pistas de que essa atuação é representativa.
No demonstrativo de resultado de 2024, o banco informa que lucrou R$ 1 bilhão. E, deste total, R$ 474 milhões vieram “de resultado de participações em coligadas e controladas, impulsionado pelas aquisições realizadas no período”. Só que o documento não diz quais são essas empresas.
“O que surpreende é que o lucro não veio da atividade ordinária do banco, que é o spread entre juros de empréstimos e de captações, mas de coligadas e participadas, e de outras receitas. Isso não é comum em bancos robustos”, afirma Milanese.
Timing na troca de comando
Em meio à turbulência provocada pelo escândalo financeiro do Banco Master, a Biomm anunciou, na segunda-feira, 24 de novembro, a renúncia do CEO Heraldo Marchezini, no comando da empresa há 12 anos. Ele será substituído, a partir de 1º de janeiro de 2026, pelo executivo Guilherme Maradei.
O NeoFeed apurou que a decisão pela saída já vinha sendo pensada pelo executivo, que completa 60 anos em 2026, há pelo menos dois anos. E que, no último ano, ele chegou a informar parte do conselho de administração que iniciaria seu processo de saída.
A mudança teria a ver com a vontade do CEO de se tornar um consultor externo, por conta de sua experiência acumulada ao longo dos anos. Segundo a empresa, ele seguirá como um sênior advisor, mas sem ser um funcionário.
Nos últimos dois anos, ele concluiu um mestrado em gestão de mudança no Insead Business School, na França. Em janeiro de 2026, ele fará outro curso de cultura organizacional, em Londres.
O processo de escolha do sucessor levou cerca de seis meses. A decisão final partiu de uma lista tríplice de executivos com atuação no setor. Marchezini participou do processo de escolha. Até o fim de dezembro, ele fará a transição do cargo para Maradei.
Nos bastidores da empresa, a conclusão era de que não havia razão para adiar o anúncio da saída, que já estava dada, por causa do episódio envolvendo o Banco Master. Um possível adiamento poderia ser visto como um reconhecimento de que a notícia poderia afetar o andamento da empresa.
“O mercado sabia que o Heraldo se preparava para deixar a Biomm. E que o processo de escolha do sucessor estava em curso. De fato, o momento do anúncio talvez possa não ter sido o mais adequado, mas essa mudança já estava definida”, diz uma fonte com ligação entre as empresas do setor.
Dessa forma, a partir de janeiro, Marchezini também deixa de representar a Biomm na diretoria do Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos (Sindusfarma).
Não está prevista qualquer outra mudança nem na diretoria executiva nem no conselho de administração. O colegiado segue sendo liderado pelo médico Cláudio Lottenberg. O presidente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Márcio Pochmann, é outro integrante do conselho da Biomm.
Operação sem pausa
Na parte operacional, os executivos têm buscado garantir a blindagem dos negócios da companhia, mesmo com a possível mudança de um acionista relevante. E a empresa segue com os planos de expansão .
No início de novembro, duas semanas antes do escândalo vir à tona, a empresa divulgou comunicado, da celebração de contrato de R$ 131 milhões com o Ministério da Saúde para o fornecimento de insulina glargina (análoga à humana), destinada a pacientes de diabetes tipo 1 e 2.
O valor corresponde ao fornecimento do produto até o fim do ano. Uma nova compra será feita em 2026. A empresa lidera o mercado de insulina glargina no Brasil, com 39% de market share, segundo dados do IQVIA. O restante da fatia pertence à Eli Lilly (32%) e Sanofi (29%).
A Biomm foi uma das primeiras farmacêuticas brasileiras a anunciar, ainda em 2024, que passaria a comercializar a versão similar do Ozempic, caneta emagrecedora que tem a semaglutida como princípio ativo. Até março de 2026, a exclusividade no Brasil é da dinamarquesa Novo Nordisk, detentora da patente.
Inicialmente, a caneta emagrecedora será comercializada no País a partir de parceria com a farmacêutica indiana Biocon. O plano futuro é de nacionalizar a produção do medicamento.
A empresa também irá entrar no mercado da liraglutida, que hoje já tem a primeira caneta no País, produzida pela EMS. Neste caso, o contrato de licenciamento da Biomm é com a farmacêutica chinesa Kexing.
Esses dois negócios – contratos públicos e entrada no mercado de análogos ao GLP-1 – devem fazer com que a empresa finalmente alcance o breakeven em 2026. Até aqui, ela ainda não apresentou lucro.
No terceiro trimestre, a Biomm reportou receita líquida de R$ 35,8 milhões, alta de 11% sobre a mesma base do ano anterior. O prejuízo foi de R$ 10,6 milhões, uma melhora de 35% sobre o resultado negativo do terceiro trimestre de 2024 (prejuízo de R$ 16,3 milhões).
No acumulado de 2025, as ações da Biomm na B3 registram queda de 29,4%. Em 12 meses, a desvalorização alcança 14,5%. Em abril deste ano, o market cap da empresa era de R$ 1,24 bilhão, quase R$ 300 milhões a menos do que vale atualmente (R$ 982 milhões).
Além do Fundo Cartago, constam como sócios da Biomm o BTG/LAB FIA (9,62%); Grupo Walfrido, do fundador Walfrido Mares Guia, ex-ministro do Turismo (8,01%); Cedro Participações (8%); TMG/IBR (7,25%); BNDES (5,12%); Grupo Ítalo (5,1%) e outros, que somam 31,04%.
Em nota ao NeoFeed, a Biomm informou que “nunca houve qualquer interferência por parte dos acionistas” e que “um eventual movimento de retirada de qualquer dos acionistas não impacta a condução do negócio”.
Sobre a saída de Marchezini, a empresa ainda disse que a mudança foi “um processo natural, planejado e estudado há mais de dois anos pelo conselho de administração”. “A seleção resultou na escolha de um novo CEO qualificado para a posição, seguindo todos os critérios pré-estabelecidos pelo conselho e incluiu um período de transição do CEO atual para o novo.”
O NeoFeed procurou o Banco Central para entender os próximos passos do processo de liquidação do Banco Master e da contabilização dos ativos, incluindo a Biomm, mas não obteve resposta.