Eram 2h30 da madrugada de sexta-feira, 29 de novembro, quando o executivo Roberto Fulcherberguer entrou gritando na sala de guerra lotada com mais de 100 pessoas de todas as áreas da Via Varejo, a gigante de eletroeletrônicos dona das marcas Casas Bahia e Ponto Frio.
A euforia fazia sentido. A Black Friday, a tradicional data de promoções que já se tornou tradicional no varejo brasileiro, estava a todo vapor desde a meia noite daquela sexta-feira. As primeiras horas são sempre as mais críticas, quando milhões de consumidores saem à caça das melhores ofertas.
“A certeza do mercado era de que a gente cairia”, afirmou ao NeoFeed Roberto Fulcherberguer, presidente da Via Varejo. “Mas ficamos 100% estáveis durante toda a Black Friday.”
A maratona de Fulcherberguer não terminou naquela madrugada. Durante todo o fim de semana, o executivo, que está a frente de uma das maiores reestruturações em curso em uma empresa de capital aberto no Brasil, não pregou o olho até as 4 horas da tarde do domingo, 1º de dezembro.
Nesse período, ele ficou acompanhando todos os detalhes da operação de guerra montada pela Via Varejo. Ora estava com a equipe comercial e de tecnologia. Em outras ocasiões, visitava as lojas físicas para acompanhar in loco o desempenho das vendas ou se deslocava até o centro de distribuição.
No fim daquela longa sexta-feira, a Via Varejo faturou R$ 1,1 bilhão em seus canais online e offline – 48% deste total pela operação de comércio eletrônico. Para se ter uma ideia, durante o terceiro trimestre, a varejista somou receita de R$ 6,5 bilhões. Em apenas 24 horas, a companhia obteve um desempenho equivalente a um sexto de todo um trimestre.
“A Black Friday é o período de maior stress do varejo”, afirmou Fulcherberguer. “Passar de maneira exitosa por ela significa que a gente deu a virada e que estamos preparados para escalar a venda do tamanho que quisermos.”
A data de 29 de novembro foi o dia D da Via Varejo. Mas a sua preparação levou meses. Para conseguir aguentar o tranco, a companhia teve de fazer mais de 100 melhorias na parte tecnológica, um calcanhar de Aquiles da Via Varejo.
Na Black Friday de 2018, a empresa sofreu com as instabilidades do site e perdeu muitas vendas. "Eles quase não venderam nada pelo site no ano passado", diz uma fonte.
Fulcherberguer diz que todas as vendas deste ano foram feitas com rentabilidade e dentro do planejado. Segundo o executivo, apenas em um caso, a companhia teve de rever o preço por conta de um concorrente ter uma oferta melhor. “Fizemos uma Black Friday dentro do planejado, o que dá um ganho de qualidade de margem”, afirma o executivo.
Segundo e-bit, a Black Friday 2019 movimentou R$ 3,2 bilhões, uma alta de 23,6%
Segundo dados da consultoria e-bit, que mede as vendas no varejo online, a Black Friday 2019 movimentou R$ 3,2 bilhões, uma alta de 23,6%. Só no canal de comércio eletrônico (os dados não incluem as lojas físicas), foram 5,4 milhões de pedidos. Quase 3 milhões de consumidores fizeram compras na data.
Ações em alta
O desempenho da Via Varejo na Black Friday afetou positivamente o desempenho de seus papéis. Eles se valorizavam 4,13% por volta das 15 horas, cotados a R$ 9,18, liderando o Ibovespa, principal índice da B3.
As ações estão numa escalada há oito dias consecutivos. Neste ano, sobem 116,5%. Desde 13 de novembro, quando a Via Varejo divulgou o resultado do terceiro trimestre de 2019, os papéis avançaram 36,4%.
Essa valorização aconteceu mesmo depois de a companhia apresentar um prejuízo de R$ 383 milhões, mais de quatro vezes superior ao mesmo período do ano passado.
Em relatório, o banco de investimento Credit Suisse deu o tom do mercado sobre o desempenho da Via Varejo. “Esqueça e perdoe”, escreveram os analistas, sinalizando confiança na reestruturação que está em curso na companhia que voltou a ter Michael Klein como principal acionista da empresa.
“A reestruturação está no caminho correto nos aspectos prioritários”, afirma Alberto Serrentino, sócio da consultoria Varese Retail. “Eles precisavam recuperar a autoestima, os fundamentos e ter uma clareza em relação à cultura e à visão do negócio.”
Apesar do voto de confiança do mercado, a companhia tem muito trabalho pela frente em seu processo de reestruturação. O seu banco digital, o BanQi, está apenas em 70 lojas. Ele será incorporado a todas as lojas, mas o cronograma ainda não está definido.
“Enquanto uma fintech gasta entre R$ 150 a R$ 250 para captar um cliente, eu não gasto nada, pois o consumidor já está no meu crediário”, afirma Fulcherberguer, ressaltando o potencial de expansão dessa linha de negócio.
Além disso, a companhia também vai focar no desempenho de seu marketplace – até agora, a prioridade foi melhorar o próprio site de comércio eletrônico.
As ações estão numa escalada há oito dias consecutivos. Neste ano, sobem 116,5%
Em outubro deste ano, Fulcherberguer esteve com alguns executivos em viagem pela China. Visitou diversas operações online por lá, entre elas o Alibaba, empresa fundada pelo Jack Ma, que vale US$ 527 bilhões.
“O Alibaba é um grande case”, diz Fulcherberguer. “A inteligência deles está na maneira de se relacionar com o consumidor e na forma que conseguiram integrar meio de pagamento e logística.”
Embora não dê detalhes, Fulcherberguer indica que o marketplace da Via Varejo vai evoluir, oferecendo uma série de serviços aos lojistas, desde logística passando por capacidade de armazenamento. “Vamos operar o 3P (marketplace) de ponta a ponta”, diz o executivo. E conclui. “Estamos de volta ao jogo.”
Falta combinar com a concorrência. De acordo com Serrentino, da Varese Retail, a companhia comandada por Fulcherberguer conta com um concorrente maduro e redondo, que se aproveitou da crise do varejo, em especial, da Via Varejo e da Máquina de Vendas.
“O Magazine Luiza ganhou muita participação de mercado e cresceu muito mais do que o mercado”, diz Serrentino. “O desafio da Via Varejo é conseguir fazer a empresa voltar a crescer e a recuperar a agressividade comercial.”
Se os resultados não vierem, o mercado não vai esquecer, nem perdoar.