O empresário Michael Klein segue uma rotina toda manhã. Primeiro, ele leva seus dois filhos gêmeos de seis anos para a escola. Volta para casa e se prepara para outra tarefa. Dessa vez, ir com suas duas filhas gêmeas, de três anos, ao pré-maternal.

Só depois dessa “missão” que ele começa a cuidar de seus negócios, que vão de aviação, passando pelo mercado imobiliário e, agora de novo, o varejo.

De volta à Via Varejo, dona das marcas Casas Bahia e Ponto Frio, ele acredita que encontrou a receita para a companhia recuperar o antigo brilho. A fórmula para dar um passo rumo ao futuro é voltar ao passado, mas com as tecnologias digitais.

“Queremos recuperar a história da Casas Bahia, mas com o uso de tecnologias digitais”, disse Klein, que preside o conselho de administração da Via Varejo, em sua primeira entrevista depois que voltou ao comando da empresa fundada por seu pai Samuel. “Os antigos gestores não deram prioridade para isso.”

A estratégia é trazer de volta ao foco o velho carnê, que foi a base do crescimento da companhia no passado. Só que adaptado aos tempos digitais. No centro dessa tática está o aplicativo Banqi, lançado pela companhia em junho deste ano, pouco antes de Klein voltar ao comando da Via Varejo.

O Banqi é uma espécie de banco digital, que oferece conta corrente, pagamentos de boletos e contas, transferências e pagamento com QR Code. Segundo Klein, a Via Varejo conta com 30 milhões de CPFs em sua base de dados. A ideia é, pouco a pouco, fazer com que esses clientes voltem a comprar na Via Varejo.

Questionado por que não fazer o parcelamento via cartão de crédito, como é comum nos dias de hoje, Klein citou dois fatores para apostar no crediário digital.

O primeiro deles é o fato de que uma parcela muito grande dos clientes não tem conta corrente em bancos, muito menos cartão de crédito. “Outro dia, estive numa loja e vi um funcionário de uma grande empresa descontando seu cheque salário na boca do caixa da loja.”

Além de fornecer crédito para esse consumidor, a objetivo é oferecer também um cartão de crédito pré-pago para que possa ser usado no pagamento das parcelas.

O outro motivo para o retorno do crediário em sua versão digital é mais estratégico. Ao ter seu próprio carnê, a Via Varejo passa a contar com todos os dados do consumidor. Pelo cartão de crédito, as informações ficavam com a administradora.

Com base nesses dados, a Via Varejo pode oferecer produtos aos consumidores. “Se ele comprou uma geladeira”, citou como exemplo Klein, “eu saberei quando está na hora de trocar por uma mais moderna.”

Atualmente, a Via Varejo tem uma carteira de crédito de R$ 2 bilhões. Klein espera conseguir montar uma nova carteira de R$ 500 milhões, com base nessa modalidade digital, em, pelo menos, seis meses.

Quando atingir esse valor, a companhia varejista deve buscar autorização do Banco Central para operar como uma fintech. Questionado se quer virar uma fintech, Klein disse: “Somos uma empresa de varejo, mas que quer usar todas as ferramentas bancárias que estão a nossa disposição.” E concluiu, usando um neologismo. “Eu gosto de ‘varejar’.”

No esforço de transformação digital da Via Varejo, que ficou para trás de concorrentes como a Magazine Luiza e que assistiu passivamente à chegada da Amazon ao Brasil, os principais executivos da empresa estão em uma visita à China nesta semana.

O presidente da companhia, Roberto Fulcherberguer, e o vice-presidente comercial e de operações, Abel Ornelas, estão visitando as operações dos gigantes chineses Alibaba e a Tencent.

Os executivos estão fazendo uma imersão nas tecnologias de meios de pagamento chinesas, um dos mercados mais avançados do mundo nessa área. O Alibaba, por exemplo, é dono do Alipay. A Tencent tem o WeChat, o WhasApp chinês, que é usado para tudo, até para substituir o dinheiro.

A Via Varejo tem ainda planos de investir em um marketplace, ao exemplo do que faz os rivais Magazine Luiza e Amazon. Mas o objetivo não é vender produtos eletroeletrônicos de terceiros, só artigos complementares.

Extra.com

Ao voltar ao comando da Via Varejo, Klein ganhou também a marca Extra.com. E ficou numa situação estranha. O Grupo Pão de Açúcar, antigo dono, opera as lojas físicas. Ele, a online.

Mas Klein admitiu que está conversando com o Pão de Açúcar para vender a operação online aos antigos controladores.

Klein admitiu que está conversando com o Pão de Açúcar para vender a operação online aos antigos controladores

"O Extra.com é uma marca da Via Varejo. Nós vendemos e entregamos as mercadorias compradas pelo site”, afirmou Klein. “Estamos fazendo um relatório para ver quanto vale o negócio com uma consultoria e ver se vendemos."

Aposta online

O grupo Pão de Açúcar vendeu sua fatia de aproximadamente 36% na Via Varejo por R$ 2,3 bilhões em junho deste ano. O empresário Michael Klein em conjunto com uma série de investidores foram os compradores.

Hoje, a família Klein tem aproximadamente 28% da Via Varejo. O segundo maior acionista é a XP, com 8%. Os demais investidores têm menos de 2%.

Com o negócio, Klein retomou o controle da empresa. Em 2009, ele vendeu a Casas Bahia para o grupo Pão de Açúcar. A Via Varejo surgiu logo depois, unindo a Casas Bahia e o Ponto Frio.

Durante a gestão do grupo Pão de Açúcar, que é controlado pelo francês Casino, a operação de eletroeletrônicos foi perdendo espaço.

Para se ter uma ideia, o Magazine Luiza era uma pequena operação varejista em 2009. Hoje, seu valor de mercado é quase de seis vezes superior ao da Via Varejo.

O Magazine Luiza, por exemplo, vale R$ 55,6 bilhões. A Via Varejo, cuja ações  acumulam alta de 70,2% em 2019, R$ 9,6 bilhões.

Um dos motivos para essa diferença de valor é que o Magazine Luiza investiu pesado numa estratégia online integrada as suas lojas físicas. A Via Varejo, ao contrário, pouco fez nessa área.

No primeiro semestre, as vendas da Via Varejo somaram R$ 12,3 bilhões, uma queda de 5,4% em comparação ao mesmo período do ano passado.

Agora, Klein corre para recuperar o tempo perdido. E a receita para voltar aos bons tempos está naquilo que deu certo no passado.

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