O A.C. Camargo é referência no tratamento contra o câncer no País. Em mais de 70 anos, a instituição filantrópica atendeu milhares de pacientes da rede pública e privada. Agora, toda essa bagagem de protocolos e tratamentos será empacotada em produtos e oferecida a terceiros.
O plano do A.C. Camargo, que no ano passado teve faturamento de R$ 1,75 bilhão, uma alta de 14,4% em relação a 2022, é conseguir aumentar sua fonte de receita através das verticais de ensino e pesquisa, além de oferecer serviços para hospitais e clínicas.
Atualmente, o atendimento médico responde por mais de 90% da receita anual do A.C. Camargo. Em três anos, a ideia é que essa diversificação de receita saia do patamar atual de 6% para 14%. E a instituição deixe de ser totalmente dependente das operadoras de saúde.
“A assistência médica é a área que nos sustenta, mas ela vem sendo desafiada por conta dos custos da saúde”, afirma Victor Piana, médico patologista, doutor em oncologia e diretor-geral do A.C. Camargo, ao NeoFeed. “Ela [a assistência médica] é a principal fonte de recursos do A.C. Camargo, mas daqui para frente acreditamos que vamos ter que encontrar um mosaico mais equilibrado de receita.”
No ensino, o A.C. Camargo está investindo para ampliar o alcance do que chama de “Universidade do Câncer”, sua iniciativa na parte de educação. Ainda que não tenha pretensões de ter uma graduação, a instituição está aportando R$ 45 milhões em um novo prédio, em São Paulo, voltado para a parte de ensino técnico e capacitação de médicos.
“A expectativa é de que o câncer dobre de frequência em 30, 40 anos, e isso vai exigir muito mais gente especializada para cuidar dessas pessoas”, afirma Piana.
A instituição desenvolveu um portfólio de cursos voltados à capacitação de profissionais da saúde para tratar e lidar com pacientes com câncer, com cursos técnicos, especialização, pós-graduação e mestrado. No caso de graduação, a ideia é oferecer conteúdo de oncologia para as universidades, inspirados nos moldes dos sistemas de ensino como Etapa e Objetivo.
Uma das primeiras iniciativas foi firmada no ano passado, quando o A.C. Camargo fechou uma parceria com a Cogna para lançar cursos de capacitação em oncologia. Na parte Lato Sensu, são oferecidos os cursos de nutrição oncológica, na modalidade presencial, e enfermagem oncológica na modalidade EAD.
A instituição também está trabalhando com o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) para criar um conteúdo para capacitar 400 mil agentes de saúde que sãos funcionários das Unidades Básicas de Saúde (UBS). E está estendendo esse trabalho às empresas, para que possam saber lidar com um funcionário no momento em que ele é diagnosticado e após o seu tratamento.
Na parte de pesquisa, o A.C. Camargo quer ampliar as parcerias com a indústria farmacêutica, em que testa novos medicamentos e tratamentos em suas dependências, pelos quais é remunerado.
A pesquisa clínica vem gerando uma receita de R$ 30 milhões por ano e representa a décima fonte pagadora do A.C. Camargo, considerando as operadoras de saúde, como SulAmérica e Bradesco Saúde. Já o ensino ainda está caminhando, com a receita anual com cursos na casa de R$ 2 milhões a R$ 3 milhões por ano.
O plano do A.C Camargo envolve ainda a venda de seu conhecimento e expertise em oncologia para outros hospitais e clínicas. A ideia é oferecer diversos tipos de produtos e serviços para outras instituições, desde prover os protocolos médicos e apoio na gestão da área até ir para a linha de frente, assumindo a operação do serviço de oncologia.
Esse último caso ocorreu apenas no hospital infantil Sabará, em São Paulo. Por ser raro, o câncer pediátrico é de difícil diagnóstico e a maioria dos hospitais não está preparada para oferecer tratamento, por serem generalistas. Neste caso, o A.C. Camargo estabeleceu equipes dentro do Sabará, realizando a parte clínica no hospital e realizando procedimentos como radioterapia e transplante de medula óssea no A.C. Camargo.
“Ao saber que o hospital Sabará tem estrutura e uma equipe do A.C. Camargo, os pediatras têm encaminhado casos para o hospital, porque sabem que a criança terá tudo aquilo que precisa”, conta Piana.
Ele cita ainda o caso de uma clínica de oncologia no interior de São Paulo, chamada Clínica COE, de um ex-aluno do A.C. Camargo, para aumentar a oferta de tratamentos e conseguir competir com hospitais da região.
“O A.C. Camargo apoia com questões de backoffice, mas também na parte clínica, com exames que essas clínicas não oferecem. Os pacientes podem vir aqui para fazer os exames”, diz.
Autossustentável
A decisão de ampliar as outras áreas faz parte do histórico recente do AC Camargo de buscar sua sustentabilidade financeira. Ela também está alinhada ao posicionamento de "câncer center", adotado em 2013, que implica que a instituição não apenas realiza tratamento oncológico, tendo atuação em frentes como prevenção, ensino e pesquisa.
Segundo Piana, desde o início dos anos 2000, a instituição “se desafiou” a não depender de doações, depois de ter passado por “um desafio” de sustentabilidade em 1997, com risco de fechar as portas, justamente por conta do aumento do avanço da medicina oncológica, que gerou custos elevados.
“A gente tinha 600 pessoas captando doações, mas ficou insuficiente”, afirma. “A oncologia se transformou demais, deixando de ser uma especialidade com um cirurgião bem treinado, se incrementando em equipamentos, máquinas, e como fazíamos alto volume de procedimentos, para continuar nesse ritmo, a gente precisava ter muitos recursos.”
Uma das decisões foi ampliar o atendimento para a rede privada, para que gerasse os recursos para sustentar as operações. Isso ocorreu pouco antes do forte aumento do número de pessoas com planos de saúde, que passou de 30 milhões de usuários em 2004 para 50 milhões em 2014, de acordo com Piana.
A situação permitiu a A.C. Camargo ter superávits anuais, com os recursos gerados com o atendimento ao setor privado sendo totalmente reinvestidos na instituição, não apenas na parte clínica, sem depender de doações.
Mas a atividade core, que sustenta a fundação, é intensiva em capital e a medicina oncológica vem avançando, trazendo consigo custos bastante elevados, exigindo um volume maior de investimentos. Além disso, o setor de saúde passa por dificuldades, com falta de crescimento desde 2014, fazendo com que as operadoras passem a transferir aos prestadores de serviços os custos de atendimento.
“Tudo aquilo que a gente financiava com o superávit operacional, o ensino, a pesquisa, a inovação, a responsabilidade social, tem que ser readequado e repensado”, diz Piana. “Por isso, estamos fazendo adaptações.”