“Não, você não imagina.”
Assim, o empresário gaúcho Fernando Goldsztein reage sempre que alguém, até em um gesto de solidariedade, diz imaginar como ele se sente em relação ao câncer do filho. “Não é uma resposta muito simpática”, reconhece, em conversa com o NeoFeed. Mas ele tem razão. Essa dor e essa angústia são inimagináveis. Só as conhece quem as vive — ou viveu.
Fernando, porém, nunca se deixou abater. Fez do medo de perder Frederico ação. Em 2021, ele fundou a Meduloblastoma Initiative (MBI), uma organização internacional de apoio às pesquisas daquele que é um dos tumores cerebrais mais comuns na infância. “Só vou parar quando a cura for encontrada”, avisa.
A determinação paterna vai além da esperança. Em menos de 30 meses, a MBI conseguiu o aval da FDA, a rigorosa agência regulatória americana, para a realização de dois ensaios clínicos focados em abordagens inéditas para o tratamento da recidiva do meduloblastoma — os primeiros do gênero em seres humanos.
Com a aprovação em tempo recorde, os testes devem começar nas próximas semanas. Um deles é uma imunoterapia: as células de defesa dos paciente são “programadas” para atacar as células cancerosas, enquanto um medicamento desativa as proteções químicas do tumor.
A outra linha de pesquisa investiga a criação de uma vacina capaz de fortalecer o sistema imunológico dos doentes contra o reaparecimento do meduloblastoma.
Em um ano e meio, Fernando espera a aprovação de mais três ensaios clínicos.
Ao custo de cerca de US$ 1 milhão, cada um, cabe à MBI o financiamento das pesquisas. E isso só é possível graças a uma intensa campanha de arrecadação de fundos, deflagrada por Fernando, no lançamento do iniciativa.
O primeiro aporte, de US$ 3 milhões, veio da família Goldsztein. Desde então, a organização já levantou US$ 10,3 milhões. And counting...
Entre os cerca de 50 doadores estão, por exemplo, a Joseph Safra Foundation; e os empresários Antônio Luiz Seabra, fundador da Natura; Carlos Jereissati, do grupo Iguatemi; e Nelson Sirotsky, presidente da Maromar Investimentos e publisher do grupo RBS.
Sinergia e rapidez
Sob a liderança do americano Roger Packer, do National Children’s Hospital, em Washington, médico de Frederico e um dos maiores especialistas do mundo em meduloblastoma, a MBI compreende um consórcio de 14 instituições de pesquisa — 11 nos Estados Unidos, duas no Canadá e uma na Alemanha. Em breve, uma 15ª deve entrar no grupo, um centro de estudos de Israel.
“Os pesquisadores trabalham de forma sinérgica, sem duplicidade de ação. Não existem silos, eles vão trocando informações online”, explica Fernando. “Cada instituição fazendo a sua parte no quebra-cabeça.”
Recentemente, por exemplo, uma pesquisadora canadense conseguiu desenvolver algumas células tumorais em laboratório. Imediatamente amostras foram enviadas para os demais estudiosos. Essa cooperação tem se revelado imprescindível para a celeridade dos estudos.
Com 25 mil novos casos por ano, apesar de ser um dos tumores cerebrais mais comum entre as crianças, estatisticamente, o meduloblastoma é considerado raro. Por isso, não é uma prioridade para quem investe em pesquisa.
Para se ter ideia, o tratamento padrão foi estabelecido na década de 1980. Os pacientes são submetidos a uma cirurgia para a remoção do tumor e, em seguida, passam por sessões pesadas de radio e quimioterapia. Muitas crianças levam para o resto de suas vidas sequelas dos procedimentos — como comprometimento cognitivo, perda da audição, problemas de memória e infertilidade, entre outros. E, pior: em um terço dos casos, a doença recidiva.
Foi assim com Frederico. Os primeiros sintomas surgiram em 2015, quando o menino tinha 9 anos. Nas imagens de uma ressonância magnética, encontraram a causa para as dores de cabeça, os vômitos e a visão dupla. Em 7 de setembro, veio a confirmação do diagnóstico. O pior dia da vida de Fernando e Bárbara.
Frederico foi operado em Porto Alegre e enfrentou o duro tratamento pós-cirúrgico. Em 2016, a família se mudou para os Estados Unidos e o menino começou a ser acompanhado pelo doutor Packer. De volta ao Brasil, no entanto, três anos depois, o câncer voltou. Não havia mais nada a fazer, disseram aos pais do garoto.
Ninguém esmoreceu. A família voltou aos Estados Unidos. Lá, Frederico participou de dois ensaios clínicos, com terapias experimentais. Nessa época, Fernando teve a ideia da MBI.
Mais três anos, em 2022, outra recidiva e uma nova operação. Hoje, Frederico tem 18 anos e não tem a doença. “Mas, se o câncer voltar, quero que meu filho tenha tratamento assim como também todas as crianças que estão na mesma situação mundo afora”, diz o pai.
"Mundos inteiros"
Fernando vem da construção civil. Em 2010, a empresa da família, a Goldsztein Participações, foi comprada pela Cyrela — de cujo conselho de administração ele faz parte desde então. A partir daquele 7 de setembro, no entanto, o foco do empresário passou a ser a luta contra o meduloblastoma.
Ele virou uma espécie de porta-voz de, pelo menos, 50 famílias ao redor do mundo — Brasil, Estados Unidos, Europa, Israel e Irã, por enquanto.... O modelo inovador de pesquisas médicas da MBI começa a ser replicado, inclusive, em outras áreas da oncologia.
O empresário foi convidado a integrar o conselho da fundação do National Children’s Hospital — “Sou o único não americano”, conta.
Em abril, ele e Packer tiveram a oportunidade de falar sobre os objetivos da causa em um evento na embaixada brasileira em Washington.
No mês anterior, também na capital americana, a história do projeto foi apresentada ao Conselho Permanente da Organização dos Estados Americanos (OEA).
O empresário, ele próprio, foi vítima de um tumor ósseo, diagnosticado no início dos anos 2000.
"Obviamente, a notícia de que você tem câncer é sempre dura, mas nada, nada se compara à descoberta de que seu filho tem câncer", lembra. "O câncer deveria ser proibido em crianças."
O vídeo de apresentação da MBI se encerra com uma frase do Tamuld, o livro sagrado dos judeus: “Quem salva uma vida salva o mundo inteiro”. É esse o propósito de Fernando. O pai de Frederico quer salvar muitos "mundos inteiros".