Quando Charles Aboulafia recebeu de seu avô e fundador da Trisoft, Charles Cohab, a missão de diversificar os negócios da família para o setor bancário, o primeiro passo foi viabilizar a oferta de contas globais para fintechs brasileiras.

Agora, Aboulafia, que é o CEO da Cainvest, banco formado a partir de uma série de aquisições do grupo Trifoti nas Ilhas Cayman, voltou a operação do grupo, cada vez mais, para o mercado de criptoativos — que vê como o futuro do sistema financeiro mundial.

A primeira aquisição da Cainvest foi a compra do banco internacional da SulAmérica, em 2010. Cinco anos depois, o grupo adquiriu da Blackstone o braço bancário da Intertrust nas Ilhas Cayman, passando a atender grandes instituições financeiras internacionais, como Itaú Unibanco, Société Générale e Mizuho. Ao todo, o Cainvest é responsável por 60% dos bancos sediados no arquipélago.

O negócio principal da Cainvest é ser um "banco dos bancos",  que oferece toda a infraestrutura, das aprovações regulatórias à manutenção operacional, para instituições com base nas Ilhas Cayman, onde está concentrada a maior parte de suas operações.

“Esse play internacional é o nosso principal negócio, o que dominamos. Mas, em termos de potencial, todos os olhos estão em criptomoedas”, diz Aboulafia, ao NeoFeed.

A relação da Cainvest com o mercado cripto começou em 2017, quando o grupo passou a dar mais atenção à tecnologia blockchain, por trás das criptomoedas. “Percebemos que era revolucionário do ponto de vista de financial service. Uma transferência via Swift pode demorar dois dias. Com blockchain, é em segundos.”

A virada de chave ocorreu em 2018, quando o banco passou a prover liquidez para corretoras de criptomoedas no Brasil por meio de um robô proprietário, que comprava e vendia ativos no mercado internacional conforme a demanda local.

“Até 2017, eram basicamente segregados todos os bookings de compra e venda de cripto no Brasil. Se não tivesse vendedor, não tinha como comprar — ou o preço seria muito acima do justo”, afirma ele.

Essa infraestrutura, hoje, está conectada a mais de 20 corretoras cripto da América Latina, incluindo as maiores do mercado. “Agora estamos pegando os bancos que estão entrando em cripto. Quanto mais liquidez você dá, maior é a demanda por essa liquidez”, comenta Aboulafia.

A Cainvest estima que suas operações sejam responsáveis prover 40% da liquidez do mercado institucional de criptomoedas no Brasil - só Bitcoin, Ethereum e Tether movimentaram R$ 54,6 bilhões no ano passado, segundo relatório da Receita Federal.

Charles Aboulafia, CEO da Cainvest

Diante da relevância que a operação de cripto ganhou no grupo, foi feito um spin-off, com aprovação dos acionistas, separando essa frente do restante do banco. “A linguagem, o modo de operação, era tudo diferente. Os funcionários eram 20 anos mais jovens do que os da estrutura tradicional. A idade média é 28 anos. Eu sou o mais velho do grupo.”

Embora seja a principal fornecedora de liquidez institucional em criptomoedas no Brasil, a Cainvest enxerga um horizonte muito maior nesse mercado. “Nós não estamos apenas atendendo a uma revolução, como foi com os bancos digitais. Estamos criando uma revolução, junto com nossos parceiros.”

Os planos incluem a tokenização de qualquer tipo de ativo — desde que exista demanda — como títulos públicos. “Se tiver mercado para isso, seja um bond tokenizado, seja um tesouro direto, eu vou fazer essa ponte, porque já tenho toda a técnica e infraestrutura. Claro que com parceiros. Eu tenho isso no meu pipeline, mas ele está no andar 1, no andar 2. Estou criando os fundamentos.”

Dentro dessa visão, o primeiro projeto de tokenização da Cainvest foi o BRL1, uma stablecoin lastreada no real e desenvolvida em parceria com Mercado Bitcoin, Bitso e Foxbit. Aboulafia conta que a ideia por trás da moeda era agilizar transações entre corretoras de cripto, criando um ecossistema próprio entre elas.

O potencial das stablecoins

No mundo, uma das principais aplicações das stablecoins tem sido no envio de remessas, pela maior agilidade e menor custo em relação aos bancos tradicionais. No corredor MéxicoEstados Unidos, que movimenta US$ 68 bilhões por ano, a Bitso afirma que, em 2024, 10% desse volume passou por sua plataforma por meio de stablecoins.

“Para mandar dinheiro de uma corretora para outra, normalmente é preciso transferir primeiro para um banco e só então para o destino final. Com o BRL1, esse intermediário deixa de existir, porque ele pode ser transferido diretamente. Isso é ganho de eficiência”, diz.

O mercado global de stablecoins soma hoje US$ 246 bilhões. Atreladas ao dólar, as duas maiores — Tether e USDC — respondem por US$ 210 bilhões desse total. Ainda que com fatias desiguais, a expectativa é de que esse mercado atinja US$ 2,8 trilhões até 2028, segundo a FXC Intelligence.

“O Tether e o USDC têm propostas distintas. Mas, de modo geral, esse será um mercado em que o vencedor leva tudo, e em que as campeãs de cada moeda vão coexistir. O mercado já está no caminho de negociar stablecoin contra stablecoin.” Para Aboulafia, é uma questão de tempo até que esses ativos ganhem maior adesão como meio de pagamento e troca.

“Um fornecedor de máquinas na Alemanha não vai aceitar USDC ou Eurocoin. Então ainda existe um trabalho de adesão na economia real. Mas, no bastidor, já está acontecendo.” Para ele, o momento é de posicionamento. “A gente fala para os bancos não fecharem os olhos, porque a evolução é alta. É o mesmo modelo da Netflix contra a Blockbuster.”