A chegada da chinesa Keeta ao mercado brasileiro está redesenhando dois mapas: o do delivery e o dos coworkings em São Paulo. A empresa, principal concorrente do iFood na Ásia, optou por uma estratégia inusitada para sua operação no Brasil.
Em vez de alugar escritórios tradicionais, espalhou suas equipes por diversos espaços de coworking pela cidade, com contratos de curta duração para testar a localização e a distribuição da equipe. O maior deles, de cerca de 1 mil metros quadrados (m²) de ocupação, será na unidade da WeWork na rua Girassol, na Vila Madalena.
Esse apetite pelo Brasil – traduzido no volume do time local – não ficou restrito, porém, ao WeWork. A Keeta também reservou espaço para um dos principais rivais da empresa americana: a britânica IWG, que difundiu esse modelo e que, no Brasil, atua com as marcas Regus, Spaces e HQ.
Conforme apurou o NeoFeed, a companhia chinesa alugou um andar inteiro – um espaço de 850 m² – da unidade da Regus no edifício Almagah, localizado no Tatuapé, bairro da zona leste de São Paulo.
"Quando os chineses querem se estabelecer para concorrer com alguma operação aqui no Brasil ou na América Latina, eles vêm agressivos", diz Mariana Hanania, gerente de pesquisa e inteligência de mercado da Newmark.
A estratégia é semelhante à de outra chinesa, a 99. Controlada pela Didi Chuxing, que recentemente lançou a 99Food no País, a companhia está instalada na Paulista, ocupando quase todo o espaço da WeWork no edifício Comolatti, com cerca de 6,5 mil m². E, segundo apurou o NeoFeed, o grupo está em expansão para novos espaços - ainda em negociação - na Consolação.
O episódio na Vila Madalena, que inicialmente gerou controvérsia nas redes sociais sobre a "expulsão" de usuários pela WeWork, na verdade revela a força da demanda corporativa. Multinacionais, como a Keeta e a 99, usam coworkings como porta de entrada estratégica no País para estabelecer rapidamente suas sedes.
A aparente contradição entre o encolhimento da WeWork e o crescimento do setor ilustra a maturação do mercado brasileiro. A empresa americana, que chegou a ser avaliada em US$ 47 bilhões em 2019, quando viu seu IPO fracassar. E, desde então, enfrenta dificuldades globais.
Segundo dados da Newmark, o Brasil saltou de 238 espaços de coworking em 2015 para 3.886 no ano passado. O crescimento é de mais de 1.500% em menos de uma década.
São Paulo lidera em termos globais. São mais de 500 unidades ativas, número que a posiciona como a cidade com a maior concentração de coworkings do mundo.
O contexto internacional ajuda a entender a dimensão do fenômeno brasileiro. Globalmente, o mercado de coworking deve crescer 15,7% ao ano até 2030, quando deve atingir US$ 40,5 bilhões em faturamento total. A América do Norte ainda domina com 34,6% do mercado global, mas a América Latina, liderada pelo Brasil, ganha relevância crescente.
O modelo brasileiro se diferencia por algumas características peculiares. Enquanto 70,3% dos coworkings nacionais operam em edifícios comerciais tradicionais, 29,7% funcionam em casas comerciais adaptadas – uma flexibilidade que permite maior capilaridade territorial.
No segundo trimestre de 2025, a ocupação total dos coworkings em edifícios comerciais paulistanos caiu 3% em relação ao trimestre anterior, atingindo 241 mil m² – equivalente a 1,3% da área locável total da cidade. A queda foi atribuída ao volume devolvido pela WeWork e outros dois operadores menores.
"A WeWork reduziu bastante, sim, sua ocupação. Se a gente for pegar esse mesmo relatório de alguns anos atrás, ela chegou a bater os 200 mil metros ocupados no passado. Mas ela ainda continua sendo, de longe, o maior ocupante desse segmento", diz Hanania, referindo-se ao mercado da capital paulista.
"Mas a WeWork teve uma boa estratégia aqui no Brasil. Renegociaram bastante com proprietários e chegaram a um denominador comum com o qual estão conseguindo seguir com a operação", complementa.
Porém, essa redução foi parcialmente compensada pelo crescimento de players estabelecidos como Vip Offices (+30%), Regus (+23%), Spaces (+10%) e Hubsy Coworking (+50%), demonstrando que o mercado está se redistribuindo entre operadores mais eficientes.
Dono de duas dessas quatro marcas, o grupo IWG, avaliado em £ 2,3 bilhões (cerca de R$ 16,4 bilhões), representa um contraponto à turbulência da WeWork. "Eles são os precursores do mercado e também estão em expansão. No último trimestre, cresceram na região da Chucri Zaidan", diz Hanania.
Crescimento “fora do óbvio”
O avanço da IWG não está restrito às principais regiões de São Paulo. O grupo tem 92 unidades no Brasil, das quais 40 foram abertas neste ano – contra 14 em 2024. A previsão é fechar 2025 com 120 coworkings, entre contratos assinados e pontos em operação. Para 2026, o plano é ainda mais ambicioso.

“Nossa meta interna é dobrar de tamanho no Brasil”, diz Tiago Alves, CEO da IWG no País. “A projeção é chegar em dezembro de 2026 com 240 pontos, entre unidades em operação, em obras e contratos assinados. Estamos em crescimento acelerado e esse mercado está vivendo o seu melhor momento."
Esse cenário teve início na pandemia, que realçou os benefícios desse formato. “A pandemia ensinou o mercado corporativo que é muito caro quebrar o contrato de aluguel”, diz ele. “Estamos com mais de 90% de ocupação e operando com o dobro da demanda de 2024.”
O CEO da IWG também ressalta que essa procura não se limita a multinacionais desembarcando no País. Cada vez mais, a demanda tem sido impulsionada por médias e, principalmente, grandes empresas. Com nomes como Petrobras, a IWG tem 48 mil clientes no Brasil, sendo que 60% estão nesses segmentos.
Ao mesmo tempo, a expansão do grupo vai muito além do mercado paulistano. Ela tem sido guiada pelo que Alves classifica como o “crescimento fora do óbvio”, ou seja, à parte do eixo formado pela capital paulista, Rio de Janeiro (RJ) e Brasília (DF). E essa tese se divide em três vertentes.
A primeira envolve cidades com mais de 350 mil habitantes. Esse radar inclui praças como o interior de São Paulo e as regiões Sul e Nordeste. “Temos um target de cerca de 130 cidades para iniciarmos operações”, diz Alves.
A IWG tem usado as marcas Regus e HQ, seu formato mais acessível, para fincar os pés nesses novos CEPs, inclusive com variações e modelos “Express” dessas bandeiras. Já a marca Spaces, que envolve espaços acima de dois mil metros quadrados, é reservada para mercados já mais maduros.
Sob essa orientação e com o plano de fechar 2025 com cerca de 110 unidades em operação, a empresa já tem aberturas programadas para cumprir essa meta em cidades como Socorro, Assis e Marília (SP); Cascavel (PR); São João de Meriti (RJ); e Águas Claras (DF).
Até o fim do ano, esse calendário também inclui a ampliação da presença ou mesmo a estreia em outras capitais. Esse é o caso de Belém, cidade escolhida para marcar a entrada da IWG na região Norte, aproveitando o gancho de uma outra agenda – a realização da COP30, no mês de novembro.
O grupo chegou à capital paraense com duas unidades, inauguradas neste mês e que somam mais de 300 metros quadrados, com a marca Regus. Com a mesma bandeira, um terceiro coworking será aberto na cidade até o fim de 2025.
A chegada em Belém ilustra um segundo modelo de expansão. Nesse formato, chamado de “roll-in”, o grupo assume a operação de outros coworkings, cujos proprietários permanecem como sócios dos ativos. Na capital do Pará, as duas primeiras unidades foram fruto de uma parceria com a Fratelli Office.
Para esses sócios, uma das vantagens na mesa é serem plugados no ecossistema de vendas da IWG. Já para o grupo britânico, o modelo permite expandir sua base mais rapidamente e com menos recursos, dado que, em geral, essas operações exigem poucas adaptações para serem convertidas.
“No modelo tradicional, nosso investimento médio varia de R$ 2 milhões a R$ 4 milhões, e as obras levam entre três e cinco meses”, diz Alves. “Aqui, o investimento é marginal e conseguimos, em alguns casos, virar essa operação em 30 dias.”
Mesmo em seus mercados mais “óbvios”, a IWG está buscando não se restringir ao crescimento orgânico – fruto da alta demanda – em áreas tradicionais, como as regiões da Faria Lima e da avenida Paulista, em São Paulo.
Nesse caso, o grupo não se limita mais a ocupar os andares dos prédios comerciais. Uma das novas apostas são as fachadas ativas de edifícios, aproveitando-se do fato de que muitas delas ficaram vazias após a pandemia. E aqui, a agilidade para iniciar as operações também dá o tom.
Nesse formato, há projetos em bairros como Barra Funda e também dentro do eixo principal. É o caso do Hub Pinheiros, da Spaces, que inclui a ocupação de andares e da fachada ativa. A unidade foi aberta há um mês, com 79,6% da sua área total de 1.352 metros quadrados pré-locada.
Em uma última frente, o roll-in também está sendo aplicado para a expansão a bairros menos conhecidos por esse perfil comercial. Um exemplo recente foi a abertura de uma unidade de 1,5 mil metros quadrados da bandeira Spaces no Itaim Paulista, na zona leste de São Paulo.
“Essa é uma prova do potencial desse mercado. Em 2019, no pré-pandemia, nós nunca discutiríamos entrar no Itaim Paulista”, diz Alves. “E agora, temos conversas com vários investidores para a zona leste, que virou a menina dos olhos desse mercado.”
Paulista ainda domina, mas a diversidade cresce
A análise detalhada dos edifícios comerciais paulistanos revela um mercado em transformação. A região da Paulista permanece como epicentro absoluto, concentrando 61 mil m² de área ocupada por coworkings distribuídos em 21 edifícios – o dobro da segunda colocada, Vila Olímpia, que possui 34 mil m² em 17 torres, segundo estudo da Newmark.
"A Paulista tem não só a maior concentração de coworkings como a maior variedade. Eles são bem atraídos pela facilidade de transporte público, integração de metrô, ônibus. É uma localização fantástica para esse tipo de segmento", diz Hanania.
A diversidade de players na região vai muito além da dupla WeWork-Regus, incluindo desde operadores consolidados como Spaces, Vip Office e Livance até newcomers especializados como Eureka Coworking e VBA Coworking.
A Vila Olímpia, segunda em área ocupada, se beneficia de um ímã corporativo particular: o Cubo Itaú, incubadora de tecnologia do banco que funciona como coworking especializado - um modelo replicado pelo Bradesco com o Habitat, na Consolação.
A região abriga desde o gigantesco Cubo até operações boutique como Reflow Coworking & Offices, passando por redes estabelecidas como Place2Work e BRWorking.
A região de Berrini, terceira em área ocupada com 22 mil m², exemplifica a diversificação e variedade do mercado atual ao reunir 10 edifícios com oito operadores diferentes. Já áreas emergentes como Chácara Santo Antônio (2,8 mil m² em quatro edifícios) mostram como o coworking está se espalhando para regiões antes negligenciadas pelo mercado corporativo tradicional.
A geografia dos preços dos edifícios classe AAA, AA e A em São Paulo revela a hierarquia do mercado imobiliário premium. Faria Lima lidera com R$ 279,54 o m² por mês, seguida por Itaim (R$ 277,80) e JK (R$ 163,65).
O contraste aparece quando se compara com regiões periféricas. Enquanto o metro quadrado na Faria Lima custa quase R$ 280, na Chácara Santo Antônio o valor cai para R$ 80,51 – uma diferença de 247%. Essa disparidade explica parcialmente a migração de coworkings para regiões mais acessíveis, especialmente após a pandemia.