Há dois anos, o empresário Pércio de Souza, fundador da Estáter, butique de investimentos especializada em fusões, aquisições e reestruturação de empresas, assumiu a hercúlea tarefa de arrumar as contas do banco Indusval, que estava com um enorme buraco de patrimônio por conta de sucessivos prejuízos.
Com a missão dada pelo empresário do setor sucroalcooleiro Roberto de Rezende Barbosa, que acabou se tornando o maior acionista do banco, injetando mais de R$ 400 milhões na operação, Souza ajudou a instituição a mudar completamente de cara e de foco.
O controle acionário foi redesenhado com a saída de Jair Ribeiro e a diluição de Luiz Mazagão e Manoel Felix Cintra; o capital foi fechado; o nome foi alterado para Voiter; o executivo Fernando Fegyveres, ex-Itaú BBA, foi contratado para ser o CEO da instituição financeira; e uma holding foi criada de modo a separar as operações entre legado (onde está o grande passivo), o novo banco e o SmartBank, o banco digital do Voiter.
Depois de passar os últimos tempos arrumando a casa, agora chegou a hora, como diz o próprio Pércio de Souza, de mudar o banco digital. E o principal passo para isso está sendo dado hoje.
A partir de agora, o SmartBank passará a se chamar LetsBank. Mais: acaba de comprar a fintech IOUU, que é especializada em empréstimos peer-to-peer para empresas. A aquisição envolve 100% da fintech, por um valor não revelado, parte em dinheiro e parte em ações do banco.
Nesse processo, investidores-anjo e fundos de venture capital como Domo, Devas e Indicator, estão zerando suas participações na IOUU. O fundador da fintech, Bruno Sayão, ficou com uma fatia de 6% do LetsBank.
“Desde dezembro, estamos virando o banco de ponta-cabeça. Agora é buscar resultado”, diz Souza ao NeoFeed. O banco consumiu mais de R$ 100 milhões desenvolvendo vários produtos ao mesmo tempo, com a meta de começar a ganhar tração em 2022. “Nesse formato, ele consumiria cerca de R$ 200 milhões”, afirma Souza. Só no ano passado, por exemplo, o prejuízo foi de R$ 40 milhões.
“Desde dezembro, estamos virando o banco de ponta-cabeça. Agora é buscar resultado”, diz Pércio de Souza, da Estáter
Diante disso, o empresário acabou mexendo nas estruturas do banco digital, renovou o management e mudou o foco da instituição financeira, acelerando alguns produtos para a geração de clientes e desligando outros que, na visão dos executivos, não faziam mais sentido. Os negócios de adquirência e câmbio, por exemplo, foram encerrados.
“Do fim do ano passado para cá, mudamos a estratégia para crescer com rentabilidade”, diz ao NeoFeed, Marcelo Bella, ex-executivo do C6 Bank que assumiu o cargo de CEO do LetsBank. Nesse processo, o LetsBank vai focar suas atenções no disputado mercado de pequenas e médias empresas (PMEs).
“Vamos explorar o B2B2PMEs”, afirma Souza. O que seria isso? Na prática, é fechar parcerias com as grandes companhias que atendem as pequenas e médias empresas. Por meio das grandes, o objetivo é cortar caminho e chegar nas PMEs.
O banco já conta com uma base pronta de produtos para atender a esse público, como conta-corrente, DOC, TED, cartão, Pix, boleto. O motor de crédito, que vem junto com a IOUU, é a cereja do bolo. “Entendemos que a PME tem que ter esse transacional básico, mas precisa de crédito”, diz Bella.
Souza explica que a meta do Letsbank, cuja logomarca ainda está em fase de estudo, não é buscar margem, mas, sim, volume. Mesclar a inteligência de dados da IOUU com a expertise do banco em premissas básicas de concessão de crédito.
“Vamos usar o conhecimento de dados e fluxo que as empresas grandes têm com os seus clientes para fazer um motor de crédito mais assertivo. Com isso, esperamos diminuir as fraudes, as perdas e, consequentemente, dar um crédito mais barato”, explica Souza.
Essa integração da conta com o crédito deve entrar no ar em junho ou julho
Essa integração da conta com o crédito deve entrar no ar em junho ou julho. E o banco vai se concentrar em aumentar a quantidade de parcerias que trazem as PMEs para dentro da operação. Atualmente, são cinco parceiras ligadas a mais de 200 mil PMEs. São companhias como a Orange, Samsung, Paketá, Beautiful e Omie.
Para cada parceiro há um tipo de desenho. Alguns usam toda a experiência bancária, numa espécie de conta white label, e para outros desenvolve produtos específicos. A Omie, por exemplo, oferece aos seus clientes uma conta com a sua cara, mas os produtos que rodam são do banco.
“A nossa conta digital, como emissora de boletos, é o quarto maior banco emissor entre os nossos clientes”, diz ao NeoFeed, Marcelo Lombardo, o CEO e fundador da Omie, empresa de ERP com 60 mil clientes que movimentaram quase R$ 10 bilhões só em dezembro do ano passado.
Lombardo diz que, para a Omie, uma das principais vantagens do SmartBank é ter uma plataforma mais completa e, principalmente, licença bancária. “Com isso, eu posso conversar diretamente com a câmara de compensação, o que traz uma qualidade de serviço mais alta", diz ele. Além disso, a velocidade de informação é outro ponto levantado pelo empresário. “Hoje, quando o cliente paga o boleto, rapidamente fico sabendo dentro do software que foi pago.”
Apesar de já contar com cinco parcerias, o LetsBank ainda tem poucas contas abertas. É uma operação quase em estágio inicial no que diz respeito a quantidade de usuários. Mas o plano, agora que está praticamente se reinventando, é chegar a 60 mil contas até o fim do ano e a um total de 250 mil correntistas em 2022.
O plano é chegar a 60 mil contas até o fim do ano e a um total de 250 mil correntistas em 2022
Não é, definitivamente, uma tarefa simples. O mercado de PMEs virou o novo “Eldorado” dos bancos digitais e fintechs. Bancos como Inter, BS2, C6, Original, Nubank e BTG intensificaram a atuação nesse nicho de mercado. Fintechs como Cora, Linker e Conta Simples também têm se movimentado e recebido aportes milionários para escalar.
Eles estão de olho em um segmento que não para de crescer. De acordo com a Serasa, foram abertas 3,3 milhões empresas em 2020, um salto de 8,7% em comparação a 2019 e o maior número desde 2011, quando os números passaram a ser compilados. Dados da EY apontam que as PMEs movimentam 27% do PIB.
Outro ponto que tem movimentado o setor bancário voltado às PMEs é a normativa 4734, do Banco Central, que vai mexer com o mercado de recebíveis de cartões de crédito. A partir de junho, um amplo balcão virtual de recebíveis será criado permitindo que os bancos e fintechs compitam pelo fluxo financeiro.
Quem oferecer as melhores condições aos empresários levará os recebíveis. E não é pouca coisa que está em jogo. A Associação Brasileira de Empresas de Cartões e Serviços (Abecs) estima que serão movimentados R$ 2,3 trilhões em 2021. Uma grande parte disso será usada como garantia ou base para a concessão de crédito.
E, mesmo com todos esses prognósticos, nem todos têm se saído bem nesse mercado de PMEs. O Neon, um gigante com 11 milhões de clientes e que já recebeu mais de R$ 2 bilhões em aportes, anunciou na semana passada que vai encerrar essa modalidade. O motivo é que as contas PJ representavam apenas 1% do total de segmento de pessoa jurídica, onde os Microempreendedores Individuais (MEIs) são maioria.
“Todos os bancos querem explorar esse segmento, todos dizem que têm o melhor produto, mas não é isso o que faz um cliente ser fiel”, diz um executivo que atuou em um dos maiores bancos do País. “O que faz a operação dar lucro e o cliente ter fidelidade é o crédito”, diz ele, ressaltando que os grandes bancos atendem mal e continuam com os clientes porque têm maior capacidade de crédito.
Com a chegada da IOUU, o LetsBank pretende acelerar esse processo e a IOUU, em contrapartida, resolver seu problema de funding. Desde que foi fundada, em 2018, a fintech, que conecta o tomador ao fornecedor de crédito, teve mais de 50 mil de solicitações de PMEs e, só no ano passado, foram requisitados R$ 2 bilhões.
O LetsBank é, agora, quem vai fornecer o crédito para os clientes da plataforma. “A gente não tinha funding para suportar a demanda, agora estamos resolvendo isso”, diz Sayão, da IOUU, ao NeoFeed. Neste ano, o LetsBank deve emprestar R$ 250 milhões. “O mais importante, neste momento, é conseguir montar a experiência, integrar o parceiro e ser assertivo. No ano que vem, esse número será bem maior”, diz Bella.
Pércio de Souza, da Estáter, sabe que o sucesso dessa operação também será crucial para fazer valer o acordo costurado com Barbosa, o maior acionista do Voiter, quando aceitou o desafio de reestruturar a instituição financeira de atacado.
Caso Souza consiga em sete anos, a partir de 2019, deixar o Voiter, que anotou um prejuízo de R$ 231,1 milhões em 2020, "tinindo" e devolver o dinheiro que foi injetado por Barbosa, a Estáter ficará com 51% do grupo.