Em setembro, a Neon captou R$ 1,6 bilhão em uma rodada liderada pela General Atlantic. Entre os destinos do cheque bilionário, a fintech elegeu, na época, a ampliação da oferta de crédito pessoal e o lançamento de produtos. Dois meses depois, a companhia começa a concretizar esse plano.

A Neon anuncia nesta quinta-feira, 19 de novembro, a compra da Consiga+, startup de crédito consignado privado. Com o acordo, que depende da aprovação do Banco Central (BC) e cujo valor não foi revelado, a empresa marca sua entrada no segmento de empréstimos com parcelas deduzidas diretamente da folha de pagamento.

“Há uma oportunidade enorme no consignado, que é um crédito mais barato, mas ainda muito concentrado no cliente de renda mais alta”, diz Jean Sigrist, presidente da Neon, ao NeoFeed. “O foco da Consiga+, assim como da Neon, são as classes C e D. Temos sinergias importantes para capturar.”

As conversas tiveram início em fevereiro, quando a Neon viu na startup uma oportunidade de encurtar a estreia nesse mercado. Fundada em 2018, a Consiga+ oferece crédito atrelado ao salário com juros que variam de 1,5% a 5%, em parcelas de 3 a 60 meses.

Em seu modelo, a startup trabalha com empresas de todos os setores, incluindo os de maior rotatividade, como os call centers. Ao mesmo tempo, os empréstimos podem ser acessados por qualquer funcionário dessas companhias, incluindo quem estiver negativado.

Todo o processo para tomar os recursos é feito via aplicativo. Já a análise de risco passa por variáveis como o índice de rotatividade da companhia e o tempo de casa do funcionário, além do cruzamento dessas informações com dados pessoais do profissional.

Com uma carteira de cerca de R$ 150 milhões e uma base potencial de 430 mil funcionários, a Consiga+ tem no portfólio mais de 80 empresas. Entre elas, a rede de farmácias Pague Menos; a Prosegur, de segurança; e a NeoBPO, de serviços e call center.

“Nós vínhamos em uma expansão gradual, com parcimônia nos investimentos”, diz Victor Loyola, sócio da Consiga+. “Com a Neon, nós ganhamos musculatura para acelerar os planos. E a bagagem do nosso time também pode ajudar a empresa a expandir suas outras ofertas de crédito.”

Esse currículo dos fundadores da startup na área de crédito foi outro fator decisivo na transação. Assim como Loyola, ex-Serasa Experian, seus sócios, Leandro Molina e Alexandre Oliveira, têm passagens por HSBC e Citibank.

A Consiga+ oferece crédito atrelado ao salário com juros que variam de 1,5% a 5%, em parcelas de 3 a 60 meses

Com a aquisição, que também envolveu troca de ações, o trio passa a deter participação na Neon e segue à frente da Consiga+. Nesse arranjo, o fundo Osher se desfez da sua fatia de 50% na startup, que irá operar como uma unidade independente dentro do banco digital.

“O conhecimento que eles têm de crédito é algo único”, afirma Rafael Matos, head de M&A da Neon, que chama a atenção para outro aspecto. “Nós fizemos pesquisas com as empresas atendidas pela companhia e o nível de satisfação é bem elevado.”

À espera do sinal verde

As duas empresas já avaliam os próximos passos enquanto aguardam aprovação do BC. Além do crédito consignado, a ideia é acelerar o desenvolvimento de produtos no entorno dessa modalidade.

Os planos envolvem o lançamento de um cartão de crédito consignado. Algumas ofertas que que vinham sendo testadas pela Consiga+ também vão ganhar velocidade. É o caso de um marketplace, pelo qual a startup financia a compra de produtos como celulares.

Outro exemplo é o empréstimo consignado para profissionais com renda recorrente, mas que não têm, necessariamente, carteira assinada. Motoristas de aplicativos e consultoras de cosméticos são algumas das categorias nesse perfil.

“Esse é um mercado de cerca de 12 milhões de pessoas”, diz Loyola sobre o formato que já está em testes há dois meses, junto a uma base potencial de 5 mil CPFs. O projeto-piloto envolve uma empresa, de nome não revelado, que processa as folhas de pagamento de companhias de tecnologia.

Os sócios da Consiga+: Victor Loyola (à esq.), Leandro Molina e Alexandre Oliveira

Ao incorporar esses modelos, a Neon se posiciona em um mercado que ainda movimenta cifras mais modestas quando se considera o estoque total de crédito consignado no País, de R$ 413 bilhões, em setembro, segundo o BC. Desse montante, apenas R$ 24,1 bilhões vieram do consignado privado.

Nos últimos 12 meses, porém, a modalidade cresceu 7,8% e vem atraindo mais competidores. Muitos deles, capitalizados como a Neon. É o caso da Creditas, que estreou no segmento em 2019, com a aquisição da Creditoo e, desde então, tem reforçado sua atuação nesse espaço.

A concorrência inclui ainda nomes como o Banco Pan e Meu Tudo. Dona de um marketplace de crédito consignado, a startup recebeu um aporte de R$ 12 milhões da gestora Domo Invest, em maio. Outra novata é a Facio, que captou US$ 5 milhões nesta semana, junto a fundos como o Monashees e ONEVC.

Além desses rivais, a perspectiva é de que o segmento passe a ter mais foco dos grandes bancos, que nunca deram tanto peso ao consignado privado pelo fato de o produto ser menos rentável que outras ofertas de suas carteiras.

“Com o Open Banking e o provável cenário de margens mais apertadas, os bancos devem dar mais atenção às linhas que, apesar do spread mais baixo, são mais seguras”, diz Fabricio Winter, sócio da consultoria Boanerges & Cia. “No lugar de mais margem, o nome do jogo será cada vez mais volume.”

Lucro à vista?

A busca por mais volumes é outro racional na compra da Consiga+. Com o objetivo de atrair mais clientes e, ao mesmo tempo, ampliar a receita média por usuário, a Neon não vem medindo esforços para incorporar ofertas e incentivar as vendas cruzadas em seu portfólio.

“As aquisições são um pilar fundamental da estratégia”, diz Matos. Além do acesso a novos produtos, ele destaca empresas que possam trazer times e tecnologias diferenciadas, bem como licenças regulatórias, entre os eventuais alvos.

Em julho, sob essa orientação, a empresa comprou a corretora Magliano e entrou no disputado mercado de plataformas de investimentos. O acordo ainda depende, porém, de aprovação. Diferentemente da MEI Fácil, adquirida em setembro de 2019.

A partir da integração dessa operação, a Neon lançou em outubro uma conta digital voltada a microempreendedores individuais. Todos esses passos vêm surtindo efeito. Hoje, a fintech tem uma base de cerca de 10 milhões de contas, entre pessoas físicas e jurídicas.

O aumento da base e da recorrência vão ao encontro da busca da Neon por uma operação lucrativa. A fintech fechou o ano passado com um prejuízo de R$ 105,2 milhões, contra R$ 41,6 milhões, em 2018. Nesse intervalo, a receita evoluiu de R$ 4,9 milhões para R$ 23,9 milhões.

A Neon fechou o ano passado com um prejuízo de R$ 105,2 milhões, contra R$ 41,6 milhões, em 2018

“Nós aceleramos o passo para a lucratividade nesse ano”, diz Sigrist, que não revela, no entanto, os indicadores apurados no período. “Não há uma bala de prata. Estamos ganhando eficiência e escala, e isso cria uma inércia positiva no balanço.”

Guardadas as devidas proporções, a Consiga+ pode servir de inspiração também nessa frente. Com uma operação no azul desde o seu terceiro mês de operação, a startup fechou 2019 com um lucro de R$ 3,5 milhões e uma receita de R$ 23 milhões.

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