Na última quarta-feira, a fintech Solfácil captou R$ 160 milhões, em rodada liderada pelo fundo americano QED Investors. O aporte foi divulgado exatamente uma semana depois da aquisição da plataforma mineira de investimentos Monetus pelo Santander, por um valor não revelado.
Um dia antes do acordo fechado pelo banco espanhol, o Valor Capital anunciou um aporte de R$ 20 milhões na Franq Openbank, fintech que conecta clientes e bancários autônomos. Já o Mercado Bitcoin, plataforma de negociação de criptomoedas, prepara um IPO no qual busca um valuation de, no mínimo, R$ 10 bilhões.
A evolução do ecossistema brasileiro de startups, com diferentes portes de investimento e alternativas de liquidez, poderia ser o único elo entre essas empresas. Outro componente, porém, une essas quatro operações: o fato de todas terem o Distrito, hub de inovação, como um de seus investidores.
O hub não é um player de venture capital e nem se equipara ao apetite de muitos desses atores. Mas vem mostrando um olhar apurado para garimpar investimentos cirúrgicos e certeiros. E construindo, sem alarde, um portfólio de fazer inveja a muitos fundos, com potencial de capitalizar saídas polpudas no futuro.
“Todos esses investimentos são feitos com base em dados e algoritmos”, afirma Gustavo Araújo, cofundador e CEO do Distrito, ao NeoFeed. “Para nós, é muito mais importante exercitar e validar essa inteligência do que ter ‘produtos’ no mercado de venture capital.”
Cofundador do hub, Gustavo Gierun complementa: “Nossas teses têm se comprovado tanto nas saídas e quanto nas rodadas subsequentes das startups que investimos.”
Um dos exemplos dessa abordagem foi o aporte no Neon. O Distrito fez o investimento em 2014, quando o banco digital ainda dava os seus primeiros passos e a onda das fintechs estava apenas começando. Três anos depois, o hub saiu da empresa, que já captou um total de US$ 420 milhões.
A mesma orientação foi aplicada nos investimentos na Monetus, em 2017. E também em 2019, com os aportes no Mercado Bitcoin, na Solfácil e na MEI Fácil. Essa última startup, dona de uma plataforma de serviços para microempreendedores individuais, foi comprada pouco tempo depois, justamente pelo Neon.
Atualmente, o Distrito conta com um portfólio de 27 startups. O leque envolve ainda martechs como Alana e RankMyApp, e fintechs como Blue365, Ali Crédito e Super Sim.
Os cheques variam entre R$ 300 mil e R$ 2 milhões e, no total, o Distrito já investiu mais de R$ 30 milhões em startups. Essa equação inclui investimentos tanto do hub como de seus sócios, como pessoas físicas, além das cifras aportadas por fundos parceiros em cada uma das rodadas.
Em parceria com fundos de venture capital, o Distrito já investiu mais de R$ 30 milhões em startups
Com uma média de 5 a 6 investimentos anuais, um ritmo que vem sendo mantido desde 2016, período no qual o mercado como um todo não estava aquecido, o Distrito costuma priorizar os acordos nos estágios de pré-seed até pré-série A. Além das fintechs, retail techs e martechs, os segmentos de healthtechs e de educação estão agora entre as prioridades do hub.
Todos os investimentos são viabilizados por meio de uma estrutura de club deal. O Distrito constitui uma Sociedade de Propósito Específico para cada aporte e os integrantes da rodada são sócios do veículo em questão.
“Nunca investimos sozinhos. Estamos conectados a mais de 100 fundos de venture capital”, observa Araújo. A lista extensa inclui nomes como Monashees, Valor Capital, Yellow Ventures, Canary e Norte Ventures. “Estamos sempre trocando dados e fortalecendo nossos algoritmos.”
Nesse desenho, o caminho mais comum é a oportunidade bater à porta do Distrito. Seja por meio de um fundo de venture capital ou pela própria startup. A partir desse contato, e mesmo nos casos nos quais o hub identifica um bom negócio em potencial, a decisão sobre o investimento segue o mesmo roteiro.
As startups passam pelo crivo do time do Distrito. Esse processo envolve as mais variadas análises e cruzamentos de dados. Um dos algoritmos, por exemplo, prevê quando uma empresa vai captar um novo aporte, levando-se em conta variáveis como sua queima de caixa e as rodadas que já recebeu.
A varredura detalhada também passa pela análise de padrões que ampliam a chance de uma startup ser bem-sucedida. Entre eles, ter a entrada de um fundo estrangeiro em uma rodada específica ou empreendedores com um determinado histórico acadêmico e profissional.
“A soma do nosso time com os algoritmos traz um poder enorme de acuracidade”, diz Araújo sobre o processo, que envolve ainda questões como a tração do negócio e as referências de clientes e fornecedores. Quem consegue passar por esse filtro, porém, ressalta os benefícios dessa associação.
“O principal ponto é que eles vinham com sugestões e questionamentos, mas sempre nos deram liberdade e autonomia para tomar a decisão final”, diz Daniel Calonge, cofundador e CEO da Monetus. “Normalmente, os investidores interferem muito e já vi muita startup quebrar por conta disso.”
Calonge destaca ainda as portas abertas pelo Distrito. “Eles reuniram um grupo de investidores muito bom, com CEO de banco, executivo da B3 e muitas pessoas do mercado”, conta. “E nos apresentaram para a CVM e para diversos players com os quais fizemos parceria.”
Fundador do Neon, Pedro Conrade segue na mesma linha. “O Distrito foi muito importante no começo do Neon. Foi o investidor mais ativo e que mais contribuiu para a evolução da empresa até a Série A”, diz. “Eles indicam outros investidores, bons profissionais para contratação, vão além dos protocolos.”
Unicórnios à vista?
A chancela de empreendedores e as movimentações recentes de seu portfólio abrem caminho para projeções ambiciosas da dupla à frente do Distrito. “Do modo como tudo está caminhando, entendo que, dentro de um a dois anos, vamos ter pelo menos três unicórnios no nosso portfólio”, diz Araújo.
Ao que tudo indica, o Mercado Bitcoin é o mais próximo de alcançar esse status. “Eles têm atraído todos os investidores, dos que buscam empresa de capital aberto aos que focam no mercado privado”, afirma Gierun. “E têm espaço para seguirem no caminho que acharem mais interessante.”
Para Marcelo Nakagawa, professor do Insper, esse caso ilustra bem a estratégia do hub. “O Distrito fala com todos os elos dessa cadeia”, diz. “Além de mapearem as boas oportunidades e conectá-las a esse ecossistema, eles já têm os caminhos traçados para as suas saídas no futuro.”
Nakagawa também destaca a postura do Distrito e de seus sócios. “Eles são um pouco mais low profile e muito bons de bastidores”, observa. “Não são de ficar alardeando cada movimento. E o que importa, de verdade, são os resultados. Eles falam por si só.”
Boa parte desses resultados é ancorada em um arsenal de dados que começou a ser construído há cinco anos, quando o mercado era carente de informações. Araújo e Gierun se conheceram nesse período, ao investirem na EasyQasa, marketplace de serviços domésticos adquirido pela rede Limpeza com Zelo, em 2020.
“Como não havia informações, nós estudávamos o mercado americano e referências como o Pitchbook, CB Insights e Crunchbase”, diz Gierun. “Mas já tínhamos o conceito de ecossistema em mente e começamos a cadastrar startup, buscando todo tipo de fontes.”
Com a iniciativa, o Distrito, que já existia desde 2014 e se resumia, até então, a um grupo de investidores, ganhou um novo direcionamento. Tanto que a dupla considera que a fundação do hub, de fato, se deu no início de 2018, quando a operação passou a incluir outras frentes de atuação.
Hoje, além dos investimentos, o leque inclui desde programas de inovação e parcerias com 65 grandes empresas, e de residência com 700 startups. O principal pilar, porém, é a Distrito Dataminer, plataforma com um panorama detalhado de 15,6 mil startups do País e que permeia todas as outras iniciativas.