Com resultados consistentes e um 2024 com recordes em faturamento, a Vulcabras não é motivo de preocupação para o CEO da companhia, Pedro Bartelle. No ano passado, a dona das marcas Olympikus, Mizuno e Under Armour alcançou receita bruta de R$ 3,5 bilhões, alta de 9,2% sobre o ano anterior.

O que preocupa mesmo Bartelle é o que acontece na Ásia (e em Brasília). Para ele, o setor calçadista brasileiro precisa ser melhor protegido pelo governo federal. Há, na avaliação do CEO, uma competição desleal em relação a produtos produzidos especialmente na China, Vietnã e Indonésia. E o Brasil não adota mecanismos suficientes para frear, principalmente, a entrada de tênis esportivos.

“Concorremos com a Ásia que tem custos muitos baixos. É preciso tomar cuidado com isso. Qualquer empresa brasileira que sofra essa competição internacional desleal precisa ter contrapartidas. Precisa aumentar tarifas de importação”, diz Bartelle, em entrevista ao NeoFeed. “Nós não temos condições igualitárias de competição. Nunca tivemos.”

Ainda assim, segundo ele, o Brasil consegue um nível de produtividade muito significativo. Só não é maior porque o material produzido na Ásia tem subsídios e custos de mão de obra muito menores. “Eles pagam um salário 25% menor do que o nosso. E 40% do custo direto de um calçado vem da mão de obra”, explica o empresário.

Segundo ele, há uma cobrança de 35% para entrada dos itens esportivos no Brasil, mas que não assusta as empresas que produzem nos países asiáticos. Prova disso é que, segundo o CEO da Vulcabras, 50% dos tênis esportivos de alta performance, ainda que para atletas amadores, são produzidos na Ásia, o que tira receita de quem produz no País.

Essa conta pela falta de ação, no entanto, ele não coloca apenas nas costas da gestão de Luiz Inácio Lula de Silva. É um problema de várias administrações, que viraram as costas para proteger seu parque industrial calçadista, que é o maior produtor mundial.

“Em 2010 foi aplicada uma tarifa antidumping contra os produtos chineses. Só que ela nunca funcionou, porque eles passaram a mandar os produtos via Vietnã e Indonésia, que também têm subsídios. A questão então é a Ásia. É muito difícil competir contra custos de mão de obra inferiores”, afirma Bartelle.

Essa disparidade é facilmente entendida quando se observa as regras da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Segundo ele, o Brasil respeita 100 convenções trabalhistas. E a Ásia, 30. “Respeitar as convenções, o que é correto, gera custos. Isso envolve investimentos e muitas ações”, diz. “A gente compete de forma igual porque a gente consegue produzir rápido, que é o que eles não fazem.”

Bartelle, que também é conselheiro da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados), afirmou que, recentemente, representantes do setor estiveram com o vice-presidente e ministro da Indústria e Comércio, Geraldo Alckmin, para encontrar uma saída contra essa avenida desigual. “Fomos lá defender o nosso setor. Somos o quinto maior empregador da indústria de transformação no Brasil.”

“Os Estados Unidos não produzem um par de tênis e tem tarifa de importação. Nem no Canadá. Os países se protegem mesmo não tendo indústria. E nós aqui precisamos observar isso”, completa.

Além da falta de atenção com os riscos que vem de fora, na avaliação de Bartelle, o governo também tem contribuído para aumentar os custos de produção, com a renoneração gradual da folha de pagamento. O setor calçadista estava entre os 17 setores que tinham benefício da desoneração da folha de pagamento.

“A oneração da folha é algo que veio para prejudicar. Não veio contrapartida e o setor passou a ter mais um custo neste ano. Vivemos um momento de incertezas, sem regras claras. Estamos muito bem, apesar dessas questões. E continuamos investindo, contratando e comprando máquinas.”

Trimestres vencedores

Com investimentos, os resultados estão chegando trimestre a trimestre, mesmo sem a previsibilidade das ações do governo federal, como diz o CEO da companhia. A empresa fechou 2024 com um lucro bruto de R$ 1,28 bilhão, alta de 8,7% sobre 2023.

O e-commerce da empresa alcançou receita de R$ 433,7 milhões, e hoje já representa 14,2% do faturamento da companhia. Por outro lado, a empresa também ampliou o número de lojas físicas da Under Armour, passando de quatro para seis, em uma rede que vende 80% de vestuário e 20% de calçados.

No geral da empresa, os tênis representam 85% das vendas, com 21 milhões de pares comercializados em 2024 nas três marcas. A linha Corre, da Olympikus, é hoje o modelo mais usado por corredores de rua no Brasil, segundo dados do aplicativo Strava.

A empresa realizou recentemente uma pesquisa nacional que mostrou que há 42 milhões de praticantes de caminhada e 13 milhões de corredores, o que mostra um universo potencial de 65 milhões de pessoas que usam tênis esportivos.

O resultado ainda mais expressivo do quarto trimestre de 2024, em que a companhia registrou uma receita bruta de R$ 1,05 bilhão (alta de 14,7%), dá pistas sobre o caminho de crescimento para este ano. É o 18º trimestre seguido em que a empresa registra crescimento.

“Temos crescido em volume de produtos, que não atuávamos. Tivemos o melhor ano de nossa história. Nosso crescimento do quarto trimestre foi maior do que do próprio ano, o que mostra esta tendência positiva de crescimento. Isso ocorre independentemente desse cenário econômico, que não tem ajudado”, diz Bartelle.

Nos últimos 12 meses, as ações da Vulcabras na B3 tiveram queda de 6,19%. O programa de recompra de ações da companhia está aberto. O valor de mercado da companhia é de R$ 4,5 bilhões.