A cidade americana de Omaha é a maior do Nebraska, com 500 mil habitantes. Anualmente, sempre no início de maio, ela fica tomada por milhares de turistas e se transforma na Woodstock capitalista. Toda essa movimentação ocorre para a conferência da Berkshire Hathaway, a empresa de Warren Buffett e Charles Munger.

No final dos anos 1970, não mais de 20 pessoas ouviam o que Buffett e Munger tinham a dizer sobre seus investimentos. Hoje, mais de 20 mil circulam pelo evento - há quem calcule o dobro. Da Cherry Coke (bebida oficial da conferência por ser a favorita de Buffett) a empresas de capital fechado que são investidas da Berkshire, a conferência é um grande balcão de negócios. Há relatos de que alguns desses exibidores faturam bastante somente com esses dias em Omaha.

"O que vale mesmo é beber na fonte da sabedoria de dois senhores com mais de 90 anos, seja pela filosofia de vida ou pela percepção sobre o universo dos investimentos", diz William Castro Alves, estrategista-chefe da avenue, que acompanhou in loco a conferência e a assembleia de acionistas da Berkshire Hathaway.

O evento é um "grande esquenta" para a assembleia de acionistas da Berkshire, que apresentou um resultado bastante consistente. O lucro operacional cresceu 12,6%, na comparação anual, para US$ 8,065 bilhões. O resultado foi puxado, especialmente, pelo ramo de seguros.

O lucro do segmento foi de US$ 911 milhões, ou 445% acima dos US$ 167 milhões do ano anterior. A seguradora de automóveis Geico, que voltou à lucratividade após seis trimestres de perdas, reportou US$ 703 milhões em ganhos.

Buffett chamou a atenção para um ponto: a diferença entre desempenho do setor de seguros, menos cíclico e menos dependente do momento econômico, e os outros segmentos. Segundo ele, o clima é diferente do de 2022, com volumes e estoques mais altos e a maioria dos negócios performando pior do que no ano passado, com exceção dos seguros.

Com a recente turbulência bancária, é importante entender o que eles vêm do cenário do setor. A Berkshire investe uma porcentagem relevante do capital no setor financeiro, seja nas empresas de cartão de crédito ou em bancos.

Buffett fala que, se o Silicon Valley Bank (SVB) não tivesse sido salvo, os efeitos seriam catastróficos para a economia americana e para o mundo. Poderia ter gerado uma corrida bancária e um problema muito maior.

"O salvamento dos bancos foi algo inevitável, mas ele foi muito duro ao criticar e analisar o sistema bancário atual. Buffett falou que tudo o que aconteceu mandou uma mensagem muito pobre para o sistema como um todo. Os incentivos à regulação bancária são muito confusos. E citou o exemplo da Freddie Mac e da Fannie Mae, em 2008: havia 150 pessoas regulando que não conseguiram fazer direito", conta Castro Alves.

Para Buffett, os responsáveis não são punidos, os CEOs não são prejudicados quando um banco quebra. Eles ganham milhões durante a operação do banco, mas não são punidos ou prejudicados. Segundo ele, os bancos deveriam agir como engenheiros evitando problemas e não gerando.

A economia americana, segundo Buffett

Embora Buffett e Munger costumeiramente não falam sobre a situação econômica, porque não investem pensando no curto prazo, desta vez eles passaram uma importante percepção sobre a desaceleração da economia americana.

"Sim, a economia americana está mais devagar, mas Buffett não abandonou a frase 'never bet against america'. Ele justifica dizendo que os EUA detêm 25% do PIB global, têm acesso a dois oceanos e aos recursos naturais, além de bons vizinhos, como México e Canadá", relata o estrategista-chefe da Avenue.

O momento turbulento e as poucas opções de negócios levaram a Berkshire a aumentar a sua posição de caixa para US$ 130,616 bilhões, um aumento de 2% sobre os US$ 128 bilhões registrados no quarto trimestre de 2022. E o conglomerado também anunciou ter recomprado um total de US$ 4,4 bilhões em ações no primeiro trimestre, um aumento em relação ao mesmo período do ano passado.

Mesmo assim, Buffett mais uma vez defendeu o Jerome Powell, presidente do Fed, o banco central americano, assim como fez no ano passado, quando falou das amarras provocadas pela pandemia da Covid-19.

Para ele, ninguém entende melhor a situação atual da economia que Powell. Porém, o presidente do Fed não controla a política fiscal. Então, enquanto o governo continuar gastando, o juro continuará subindo. Para Buffett, é preciso refinar a política americana.

"Mas ele não deixou de fazer uma crítica e dar uma leve alfinetada na questão do sistema político. Segundo ele, o sistema partidário americano se assemelha a um tribalismo, e isso não funciona. O sistema político é um problema e não está funcionando como deveria", conta Castro Alves.

China e EUA deveriam se entender

Chamou a atenção dos presentes a quantidade de chineses circulando pela conferência. Nos corredores havia muita gente falando mandarim. No ano passado, a China ainda estava com a política de covid zero e não havia chineses, ao contrário deste ano.

Tanto Buffett como Munger foram emblemáticos em dizer que tudo o que separa China e EUA é uma estupidez. Os dois países têm muito potencial numa cooperação mútua. O que eles conseguiriam em termos de desenvolvimento para a sociedade como um todo se ambas cooperassem, mas os líderes dos dois lados precisam criar mecanismos de cooperação.

Buffett fala que existe competição em alguns setores. Mas que é importante que China e EUA entendam que hoje existem armas mais poderosas que podem afetar a humanidade. Para ele, deveria ter um caminho de entendimento, deixando de lado as posturas mais agressivas.

Qual investidor teme a inteligência artificial?

Com todo o crescimento da inteligência artificial (IA), a plateia queria o que os sócios da Berkshire pensam sobre o tema. Munger foi muito mais ácido na resposta, dizendo que a inteligência tradicional funciona muito bem. Mas ele ponderou ao destacar a área de robótica. Em visita à China, por exemplo, muitos robôs operam melhor que humanos nas fábricas, algo que deve continuar a acontecer e evoluir.

"Buffet falou muito claramente que não há nada que possa substituir o cérebro. A IA pode mudar muita coisa no mundo, mas não vai conseguir mudar como o homem se comporta, ou seja, a natureza humana. Para quem investe e tem o receito de como isso pode afetar o mundo dos investimentos, o que importa para o investidor de valor é que outras pessoas 'vão continuar fazendo algumas idiotices no mercado' e vão gerar boas assimetrias de valor, de preço, para poder aproveitar", diz o estrategista-chefe da Avenue.

No seu Twitter, Bruce Barbosa, sócio-fundador da Nord Research, escreveu como Buffett dividiu o dia da assembleia da Berkshire com a coroação do rei Charles III, no Reino Unido.

"Temos um rei Charles bem aqui", disse Buffett ao apontar para Charlie Munger.