Quando comandava as finanças do Flamengo, Claudio Pracownik, um experiente executivo do mercado, com passagens na Brasil Plural e na Genial, sentiu na pele as dificuldades que os clubes enfrentam. “Um grande problema é o fluxo de caixa ao longo do ano”, diz ele. “Os clubes passam por vários momentos de escassez.”
Sócio do BTG Pactual na empresa Win The Game, voltada a aproximar os segmentos de esporte e de entretenimento ao mercado de capitais, ele enxergou uma oportunidade nesse problema. Junto com o Grupo Multiplica, que conta com R$ 5,3 bilhões sob gestão, ele criou um Fundo de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC) para antecipação de recebíveis de clubes de futebol.
O Fidc, anunciado com exclusividade ao NeoFeed, deve iniciar com R$ 50 milhões captados, mas o objetivo é bater R$ 300 milhões. Os recursos serão destinados para qualquer clube do Brasil, seja da série A, B, C ou D. O plano é antecipar recebíveis provenientes de vendas de jogadores para clubes do exterior.
“Mas o fundo, por sua natureza jurídica, poderá fazer antecipação de outros recebíveis como royalties, patrocínios, entre outros”, diz Pracownik, CEO da Win The Game. E prossegue adiantando mais uma novidade ao NeoFeed. “Estamos estruturando um outro fundo focado em antecipação de recebíveis de bilheteria.”
As conversas entre a Win The Game e o Grupo Multiplica para a criação do Fidc começaram em setembro do ano passado. A Win The Game fará a ponte com os clubes e a Multiplica administrará o produto. “Queríamos estar com o produto pronto antes de fechar a janela de contratações internacionais”, afirma Pracownik.
Não é um terreno novo para a Multiplica. Mickael Paolucci, fundador e diretor comercial da companhia, revela que a gestora já fez operações teste com alguns clubes para sentir “o gramado”. Ele não revela quais, mas o NeoFeed apurou que a Multiplica antecipou o dinheiro da venda do jogador Matheus Fernandes, do Palmeiras.
O clube alviverde recebeu antecipadamente da Multiplica e a gestora foi paga diretamente pelo Barcelona – um negócio de 4 milhões de euros. Outros clubes como Atlético Mineiro, Ceará e Ponte Preta também fizeram negócios com eles. Estima-se no mercado que a Multiplica já antecipou cerca de 60 milhões de euros em vendas de jogadores e 100% recebido. Não é algo trivial.
Os clubes brasileiros são altamente endividados. Um estudo do consultor Amir Somoggi, da Sports Value, mostra que os 30 maiores clubes brasileiros estão afundados em dívidas de R$ 12 bilhões. “A situação dos clubes brasileiros é dramática”, diz Somoggi.
Frequentemente, credores acionam a Justiça para receber pagamento bloqueando o dinheiro das vendas de jogadores. Para evitar que isso ocorra, diz Pracownik, existem instrumentos jurídicos e a Win The Game e a Multiplica se cercaram com o aconselhamento do escritório Bichara & Motta Advogados.
“O nosso DNA é crédito, a gente vive e respira isso”, diz Eduardo Barbosa, fundador e diretor financeiro da Multiplica. “A gente faz toda a análise, olhamos a situação fiscal, tributária. Com isso, temos o termômetro da operação que podemos fazer.”
A gestora tem fundos que antecipam recebíveis para empresa, consignado privado, de importação e exportação. “Como a gente já tinha produto de exportação de agro, com essa ferramenta, percebemos uma oportunidade”, diz Paolucci, da Multiplica.
Com os clubes machucados pela pandemia, a gestora notou que o País não é só um celeiro de agro, mas também de jogadores de futebol. “Por que não fazer uma operação como se fosse uma antecipação de venda de soja para uma Dreyfus?”, indaga Paolucci, comparando com uma transação do agronegócio. “Dar um dinheiro para um clube nacional e receber o dinheiro de um clube triple A do exterior.”
Para clube que tomar o crédito, haverá uma taxa que vai variar de acordo com o risco que ele representa. Pode flutuar de 8% a 20% ao ano. O Fidc, por sua vez, será distribuído para investidores qualificados, aqueles que têm mais de R$ 1 milhão em investimento, e deve entregar CDI mais 3% ou CDI mais 5%, dependendo da cota. A Multiplica vai aportar 30% do capital do fundo e o restante será dividido entre os cotistas.
Essa iniciativa vem a reboque de um movimento de profissionalização dos clubes brasileiros. “Os clubes ainda não têm uma área 24 horas voltadas para o negócio”, diz Pracownik. Com a criação da Sociedade Anônima do Futebol (SAF), a tendência é a de que os clubes se tornem mais profissionais nesse aspecto.
Recentemente, a XP intermediou a venda de cerca de 90% da SAF do Cruzeiro para Ronaldo Fenômeno, por R$ 400 milhões, e o controle da SAF do Botafogo para o empresário americano John Textor, um dos proprietários do time inglês Crystal Palace, por R$ 100 milhões.
No fim de fevereiro, o Vasco da Gama assinou um memorando com a intenção de vender 70% da SAF para a empresa americana 777 Partners, a mesma que comprou o time italiano Genoa e o espanhol Sevilla, por R$ 700 milhões.
Apesar de ter mandatos para vendas de SAFs, Pracownik diz que seu objetivo não é vender clubes de futebol. “Somos bankers do mercado desportivo e de entretenimento. O nosso papel é suprir as necessidades financeiras, de marketing, de governança e compliance de todos os entes desportivos e do mercado de entretenimento”, diz ele.
O empresário explica que hoje tem muitos mandatos para transformar os departamentos de marketing dos clubes. “Tem uma quantidade enorme de receitas a serem capturadas pelos clubes que não são resgatadas. Você encontra jogadores de futebol ganhando dinheiro nas redes sociais e os clubes zero”, diz.
“Os clubes não têm data lake, não têm nem os dados de quem compra seus tokens.” Por que ele diz isso? “Antes de virar uma SAF os clubes precisam se organizar e, assim, conseguir atingir um grande valuation.”