No apagar das luzes de 2023, a última sexta-feira, 22 de dezembro, trouxe o desfecho para uma longa novela no mercado de saúde: a venda da Amil. Propriedade da americana United Health, o ativo vinha sendo, há tempos, alvo da cobiça de diversos grupos do setor.

Quem protagonizou o episódio final dessa trama, porém, foi José Seripieri Jr., que, entre outras passagens nesse mercado, ganhou fama ao fundar a Qualicorp. Na maior transação já realizada por uma pessoa física no País, o empresário arrematou a Amil em um acordo de R$ 11 bilhões.

Com o pagamento de R$ 2 bilhões e um passivo estimado em R$ 9 bilhões, o acordo abre caminho para um novo roteiro, repleto de desafios, na trajetória da Amil. E, na visão da XP, Seripieri, mais conhecido no setor como Junior, é o nome mais indicado para conduzir a necessária reviravolta da operação.

“Com base no sucesso de Junior no passado, com a Qualicorp, e no tamanho da aposta na compra da Amil, esperamos que ele faça um grande turnaround no negócio, impulsionado por um crescimento agressivo”, escrevem Rafael Barros e Raphael Elage, analistas da XP, em relatório divulgado hoje.

Eles observam que o crescimento agressivo foi justamente o principal fator de rentabilidade da Qualicorp. E também dos esforços liderados pelo empresário na QSaúde, operação comprada por Junior, em 2020, e vendida para a Alice, no início desse ano.

A dupla da XP ressalta, porém, de que o tempo será o maior inimigo do empresário nessa nova etapa, em função do alto nível de alavancagem dos termos acordados na aquisição. Nesse contexto, a expectativa é que ele busque retornos rapidamente para reduzir o peso da dívida incluída na operação.

“Não descartamos a possibilidade dele vender partes do negócio para acelerar o processo de desalavancagem. E isso também pode forçar a buscar ganhos de eficiência no curto prazo em todas as fontes possíveis, o que pode alternar a competição no mercado de planos de saúde”, dizem os analistas.

Nesse contexto, o relatório aponta que Junior precisará se atentar à recuperação das margens, o que abre a perspectiva para que ele não dê sequência a abordagem agressiva de precificação que vinha sendo adotada pela Amil, na contramão da política comercial mais racional em vigor no setor.

“Vemos a aquisição como um divisor de águas para todo o setor de saúde e, caso traga racionalidade ao cenário competitivo, a Hapvida poderá ser uma das beneficiadas”, destaca um outro trecho do relatório.

Os dois analistas também pontuam a complexidade envolvida no negócio. Terceira maior operadora de planos de saúde do Brasil, a Amil tem uma cobertura de 3,2 milhões de vidas e um modelo verticalizado, com 31 hospitais.

Apesar desse porte, a empresa vem perdendo participação desde 2015. Do market share de 9,1% detido há oito anos, a fatia atual da operadora é de 6,2%. Hoje, a Amil está atrás da Hapvida e do Bradesco, mas ainda se mantém à frente da SulAmérica, operação controlada pela Rede D’Or.

A XP observa que a estratégia recente de competir por preços mais acessíveis se explica justamente por esse modelo verticalizado e pela busca por ampliar o nível de utilização de seus hospitais e melhorar a rentabilidade do seu portfólio.

“No entanto, consideramos a estratégia arriscada, uma vez que ela pode tornar a carteira da empresa não rentável no médio prazo, à medida que a utilização cresce e os preços não”, afirmam os analistas.

Ao mesmo tempo, hoje, essa operação está concentrada majoritariamente na região Sudeste, que contabilizam aproximadamente 2,6 milhões de vidas do portfólio. Em particular, nos estados de São Paulo e do Rio de Janeiro.

Dentro desse mapa, a XP aponta que aproximadamente metade dos planos têm cobertura nacional, com o restante deles incluindo algum tipo de restrição de cobertura. É nessa última frente que a casa enxerga mais previsibilidade e oportunidades para melhorar os índices de sinistralidade.

Nesse ponto, o relatório frisa que os números da Amil nesse indicador vêm se deteriorando com o passar dos anos, com um índice atual de sinistralidade acima de 100%. O que, por sua vez, vem gerando perdas consecutivas. No acumulado de nove meses de 2023, o prejuízo ficou em R$ 1,37 bilhão.

“Por outro lado, o balanço da operadora não parece estressado e acreditamos que dará alguma margem de manobra para o comprador resolver os desafios com tempo suficiente”, acrescentam os analistas.