Brasília - O governo federal está em conversas avançadas com o setor privado para desenvolver um plano para atrair investimentos em data center no Brasil, de acordo com Uallace Moreira Lima, secretário de Desenvolvimento Industrial, Inovação, Comércio e Serviços do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC).

“O Brasil tem um potencial muito grande em data centers por causa da sua matriz energética, que é limpa. Mas uma preocupação é que o investimento em data center não se dê apenas pelo uso da fonte energética e da exportação de serviço”, afirma Lima, em entrevista ao NeoFeed.

O potencial de investimentos nessa área, segundo Lima, citando dados do Ministério da Fazenda, é de R$ 2 trilhões no período de 10 anos.

O número pode soar exagerado. Mas, nesta conta, estão incluídos os investimentos que são necessários para a compra de equipamentos, a construção civil para erguer os data centers e até a energia que vai ser consumida. Além disso, isso vai gerar serviços agregados, como inteligência artificial e até cidades inteligentes.

“Se você não se preocupa com o efeito da cadeia produtiva em que essa instalação de data center gera demanda por máquinas e equipamentos, a gente abandona uma grande janela de oportunidade”, afirma Lima. “O Brasil está no centro para ser atrativo para esses investimentos.”

Os especialistas são unânimes em afirmar que o Brasil pode ser tornar a próxima fronteira em data centers – uma área dominada por Estados Unidos e China.

Um estudo da consultoria imobiliária CBRE mostra que o mercado latino-americano de data centers inicia 2025 com 877 megawatts (MW) de estoque total. E a expectativa é de que a região termine 2025 com mais 340 MW.

Desses 340 MW de crescimento previstos para este ano, o levantamento projeta que 220 MW virão do Brasil, que atualmente possui um estoque total de 595 MW instalados, sendo o principal parque da região, que conta com grandes centros no Chile, na Colômbia e no México.

Antes mesmo de um projeto do governo, o setor privado tem se movimentado e anunciado investimentos bilionários na construção de projetos na área de data center.

Empresas como Equinix, Scala Data Centers, Elea Data Centers, Tecto e Takoda, entre muitas outras, tem planos agressivos que são públicos para aumentar a oferta de data centers no Brasil.

Nesta entrevista, que você lê a seguir, Lima fala também sobre como estão as negociações com o governo dos Estados Unidos na questão das tarifas do governo Trump e dá sua visão do que o Brasil precisa fazer para avançar em inovação.

Uallace Moreira Lima, secretário de Desenvolvimento Industrial, Inovação, Comércio e Serviços do MDIC
Uallace Moreira Lima, secretário de Desenvolvimento Industrial, Inovação, Comércio e Serviços do MDIC

Leia a seguir os principais trechos:

O programa Nova Indústria Brasil tem pouco mais de um ano. Qual é o balanço que o Ministério faz em relação a esse programa?
O balanço é muito positivo. Com o lançamento da Nova Indústria Brasil, baseado em cadeias produtivas vinculadas a seis grandes missões, foram adotadas várias medidas de política industrial.

Por exemplo?
Posso citar algumas delas: o regime especial da indústria química; a depreciação acelerada que é um programa de estímulo ao investimento produtivo na renovação de máquinas e equipamentos; o programa de mobilidade verde inovação, que estimula novas rotas tecnológicas para descarbonização no setor de mobilidade, em particular no setor automotivo, para carros pesados e leves. Esses são alguns exemplos.

E quais os resultados?
O setor automotivo, por exemplo, com o Mover, anunciou um ciclo de investimento de R$ 130 bilhões. As medidas de defesa comercial fizeram com que o setor de aço anunciasse uma perspectiva de investimento de R$ 100 bilhões. O setor de construção civil, baseado na retomada, cresceu 4,3% no ano passado e anunciou uma perspectiva de investimento de quase R$ 1 trilhão. A indústria puxou o crescimento econômico do PIB para 3,4%. Inclusive cresceu mais do que o PIB. E é uma base de comparação positiva com 2023. Esses resultados não caem no céu. Eles estão acontecendo porque têm um arcabouço de política industrial vinculados a outras políticas públicas que geraram um crescimento econômico em 2024 puxado pela indústria.

Quais as próximas ações?
Agora, uma das questões que estamos discutindo junto com o Ministério da Fazenda, com a Casa Civil, com o BNDES, com o MCTI (Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação) e com o MGI (Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos), é uma política para o desenvolvimento de data centers no Brasil. Esse é um plano que o vice-presidente [Geraldo Alckmin] tem liderado junto com os outros ministros para que o Brasil tenha uma política de atração de investimento de data center.

O que seria esse plano?
O Brasil tem um potencial muito grande em data centers por causa da sua matriz energética, que é limpa. Mas uma preocupação é que o investimento em data center não se dê apenas pelo uso da fonte energética e da exportação de serviço. Mas que uma parte desses investimentos sejam internalizados aqui, comprando máquinas e equipamentos de tecnologia da informação. E, ao mesmo tempo, que uma parte do serviço gerado, como inteligência artificial, seja ofertado para o mercado interno. Isso está sendo discutido internamente. Temos uma expectativa de que até o meio do ano esse programa seja lançado.

"É algo que está em estágio bem avançado (o plano de data centers). Estamos dialogando com todo o setor privado e temos uma expectativa positiva"

Em que estágio está essa discussão?
Isso está sendo bem maturado, bem discutido. É algo que está em estágio bem avançado. Estamos dialogando com todo o setor privado e temos uma expectativa positiva.

Como está o Brasil hoje nessa área?
O Brasil está hoje entre os 10 maiores países com maior número de data center. É óbvio que comparado com os Estados Unidos, que é o primeiro, e a China, é um número pequeno ainda.

Qual é o investimento nisso?
O investimento predominante é em Graphics Processing Unit (GPU), máquinas e equipamentos. Outra parte é construção. Mas o data center em si gera pouco emprego. Nos Estados Unidos, fomos olhar e, em média, gera 166 empregos diretos por data center. Se você não se preocupa com o efeito da cadeia produtiva em que essa instalação de data center gera demanda por máquinas e equipamentos, a gente abandona uma grande janela de oportunidade. O Brasil está no centro para ser atrativo para esses investimentos.

Por quê?
Esses data centers precisam de fonte de energia, principalmente renovável, por causa do mercado de carbono e pela questão de transição energética. O Brasil tem essa atratividade porque 90% da nossa matriz energética é limpa. Na medida em que você atrair esses investimentos, a demanda por energia vai aumentar. Então, o investimento na estrutura energética vai ter que aumentar. Tem um efeito que a gente chama de spillover. Você tem o investimento do data center para questões como inteligência artificial, de computação em nuvem, de smart factories, cidades inteligentes. Tudo depende de data centers. Eles são fundamentais. Tanto é que nossa balança comercial é deficitária nesse setor porque várias empresas no Brasil contratam serviços fora.

O que fazer?
Precisa trazer essas empresas, internalizar esses serviços, mas ao mesmo tempo fazer com que essas empresas, para aquilo que a gente tenha produção no Brasil, gere uma demanda nacional. De GPU, por exemplo, a gente não tem. Então, vamos importar. Precisamos gerar incentivos para que a tarifa de importação seja reduzida a zero para que o capex se reduza e torne o Brasil atrativo. Mas para aquilo que temos produção nacional, é importante que parte dessa compra seja feita aqui. Aí, ele se instala e desenvolve essa cadeira produtiva. A política tem uma perspectiva estruturante e não apenas na instalação do data center por si só.

Você quer chegar a quantos data centers?
Não temos essa estimativa. Mas existe uma estimativa do Ministério da Fazenda que, em 10 anos, pode chegar a R$ 2 trilhões de investimentos em data centers no Brasil. Hoje, temos 163 data centers no Brasil, sendo que 56 deles estão em São Paulo; 21, no Rio de Janeiro; 10, em Porto Alegre; 10 em Fortaleza; 14 em João Pessoa. Esses são os locais com maior número de data centers.

Como seria esse programa?
A nossa ideia é ter um programa que estimule os pequenos e médios, mas também grandes data centers. O BNDES lançou no ano passado, dentro da Nova Indústria Brasil, uma linha de crédito para data center de R$ 2 bilhões. A Microsoft precisa? Não vão ser eles que vão pegar esse crédito, mas precisamos também ter linhas de crédito para desenvolver o pequeno e o médio investidor para ter data center locais.

Em relação à questão tarifária com o governo dos Estados Unidos, o quanto isso está preocupando o governo federal?
Vou reproduzir o que o vice-presidente e ministro Geraldo Alckmin fala. A medida dos Estados Unidos, especificamente o aço, não é uma medida contra o Brasil, é uma medida contra o mundo inteiro. Como disse o vice-presidente, o Brasil não é um problema para os Estados Unidos, porque os Estados Unidos têm superávit comercial, tanto na balança de comércio como na de serviços. O Trump fala que é uma política de internalização das cadeias produtivas. Ele está muito preocupado com a questão do déficit da balança comercial com outros países. Nesse caso específico do Brasil, como diz o vice-presidente, o problema não é o Brasil.

"Dos 10 principais produtos que importamos dos Estados Unidos, oito tem tarifa zero de importação. A taxa média efetiva da nossa relação com os Estados Unidos é de 2,73%"

Mas em que estágio estão as conversas do Brasil com os Estados Unidos?
O vice-presidente está coordenando o diálogo com os Estados Unidos. E ele mostrou para o governo norte-americano que dos 10 principais produtos que importamos dos Estados Unidos, oito tem tarifa zero de importação. A taxa média efetiva da nossa relação com os Estados Unidos é de 2,73%. E 73% das nossas importações dos Estados Unidos têm tarifa zero. Do ponto de vista da relação comercial, o Brasil tem uma relação muito aberta com os Estados Unidos. Muito aberta e muito favorável aos Estados Unidos. E é isso que o vice-presidente tem ressaltado.

Mas qual é a perspectiva?
Acredito que as coisas vão se desenvolver aos poucos para mostrar que o Brasil é muito mais um parceiro estratégico para os Estados Unidos do que qualquer outra coisa que esteja relacionada a um problema comercial.

Como você vê a aprovação no projeto no Senado que dá mais garantia à Camex (Câmara de Comércio Exterior) para eventuais sanções que o país possa de fato estabelecer?
O projeto está no estágio inicial. O vice-presidente vai conversar com a senadora (Tereza Cristina, do PP/MS, relatora do projeto que suspende concessões comerciais se um país ou bloco econômico adotar barreiras para prejudicar a competitividade brasileira) e vai dialogar com o Congresso. E as entidades industriais vão se posicionar. Foi um projeto que foi aprovado, vai possivelmente para plenária e, na medida possível aprimorado, para ser aprovado e sancionado. Isso ainda está muito no início.

A oposição no Brasil tem dito que pode fazer um movimento de diálogo por ter uma maior proximidade com Trump.
O que acompanho é o diálogo que o vice-presidente tem liderado. A oposição puxar para si a responsabilidade do diálogo é o papel que ela faz. É um direito dela. Estamos numa democracia. Todo mundo pode querer conversar. Isso é natural. Agora, do ponto de vista efetivo, quem eu vejo e vi concretamente abrindo o diálogo para que o Brasil possa negociar foi o nosso vice-presidente.

Deixa voltar a questão da indústria: o Brasil não tem um desafio de inovação?
Isso é fundamental. Daron Acemoglu [prêmio Nobel de Economia em 2024 e autor do livro Por que as Nações Fracassam] fala muito sobre isso. E trouxemos isso para nosso debate. Os países asiáticos, que tiveram sucesso na área de tecnologia, focaram em investimento em inovação. O investimento em P&D como proporção do PIB na Coreia do Sul é 4,3%. É o segundo maior do mundo, muito acima dos Estados Unidos, muito acima dos países europeus. A China, até quando eu estudei, estava 2,8%. O sistema de inovação da China é um negócio impressionante. O número de engenheiros que a China forma por 100 mil habitantes é extraordinário. A Coreia do Sul tem uma das maiores taxas de formação de engenheiros por 100 mil habitantes.

"Acredito que abdicamos por muitos anos de política de inovação e de política industrial"

Mas o que isso significa na prática?
Acredito que abdicamos por muitos anos de política de inovação e de política industrial. E quando eu falo de política industrial, de inovação, estou falando uma perspectiva estrutural, como política de estado. Quando falamos de política industrial de inovação, ela precisa ter continuidade por 20 anos, 30 anos para colher resultado.

Qual é o exemplo?
Veja o setor de semicondutores. O prazo de maturação de investimento no setor de semicondutores é de 20 anos, 25 anos. Se você não tem isso, você não espera resultado. A Samsung passou 15 anos tendo prejuízo tentando fabricar semicondutores. Em um país como o nosso, que olha com uma perspectiva negativa política industrial, no primeiro e segundo ano você vai dizer que tem que acabar com essa política, sem entender a lógica do processo de maturação do investimento em inovação. Sem entender um problema grave que temos, que é o enfraquecimento do sistema nacional de inovação em que as universidades muitas vezes não dialogam com o mundo produtivo. E que os institutos de pesquisa e tecnologia muitas vezes não dialogam com as demandas do setor produtivo. Isso é fundamental.

E como está o Brasil?
O Brasil precisa avançar muito. Nosso investimento em P&D como proporção do PIB é de 1,1%. Temos algumas leis de inovação fundamentais, como a lei de informática, que acabou de ser renovada e aprimorada. A lei de informática, por exemplo, é uma lei que foi criada nos anos 1980 com aprimoramento. Hoje, temos 495 empresas beneficiadas pela lei de informática fora da Zona Franca (de Manaus).

Mas o que está se fazendo para que as universidades dialoguem com o setor produtivo?
A Nova Indústria Brasil tem um grupo de trabalho especificamente tratando do sistema de inovação e da formação de mão de obra qualificada para o setor produtivo, dialogando com MEC, com CNPq e com Capes.

Já tem algum resultado?
Isso ainda está nas fases iniciais. Esse é um processo que a gente precisa avançar muito.

O dólar passou de R$ 6 e agora recuou. Até que ponto essa questão cambial atrapalha ou ajuda a indústria brasileira?
Sim, atrapalha. O câmbio impacta na inflação porque tem muitos insumos e componentes que importamos. No ano passado, as importações cresceram em torno de 14% comparado com 2023. Por quê? Porque o país cresceu. Quando você tem aumento da taxa de investimento, as importações aumentam muito. E isso é importante. Pode só falar assim: "a economia brasileira é fechada". Isso não passa de um argumento ideológico. Sabe por quê? No caso dos Estados Unidos, dos 10 principais produtos que nós importamos, oito tem tarifa zero porque temos muitos regimes especiais. Com isso, a tarifa efetiva no Brasil é de 4,9% na média. A nossa proteção comercial é muito baixa.