Brasília - Uma audiência do presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, no Senado foi adiada por 21 dias por dois motivos: o encontro cairia em 1º de abril e o economista participaria de uma solenidade na Câmara em homenagem à autarquia.
“Não pegaria bem trazer o homem para falar sobre juros, ajuste fiscal e tarifas no Dia da Mentira”, disse ao NeoFeed um assessor parlamentar que organiza a agenda da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), uma das mais importantes do Senado.
Assim, um Galípolo cada vez mais à vontade no trato com os políticos apareceu no Senado na manhã desta terça-feira, 22 de abril. Foi saudado por políticos do governo e da oposição e conseguiu reforçar o papel do BC, mesmo com as críticas dos políticos à taxa de juros.
O presidente do Banco Central estava ali para falar sobre as perspectivas da política monetária, algo previsto no próprio Regimento Interno do Senado. Voltará em pelo menos mais duas oportunidades neste ano: em julho e em outubro.
Logo no início da apresentação, Galípolo fez uma analogia para explicar a missão do Banco Central. “Quando a festa está ficando muito aquecida e o pessoal está subindo em cima da mesa, você tira a bebida da festa”, disse ele para riso dos senadores.
E prosseguiu: “Mas também quando o pessoal está querendo ir embora, você fala: ‘Fica, está chegando mais bebida, fiquem tranquilos, vai ter música, podem continuar na festa’. Então, você tem esse papel meio chato de ser o cara que está sempre na contramão”, continuou.
Segundo o presidente do BC, “quando todo mundo está contente que a economia está dinâmica, você é o sujeito que está preocupado com a pressão em preços e vice-versa”. Galípolo percebeu a necessidade de uma comunicação clara. E joga o jogo.
Na apresentação no Congresso, o presidente do BC apresentou os pilares da agenda de trabalho do BC. Entre a “ampliação da população a crédito de menor custo”, “normalização da política monetária” e “estabilidade financeira”, está também a “comunicação”.
A crítica aos juros
Galípolo foi preparado para o embate sobre os juros, pois sabia que iria levar bordoadas do governo e da oposição. O próprio PT, apesar de baixar o tom sobre o tema no governo e no Congresso, levou para a audiência questões sobre a alta dos juros.
Os senadores Vanderlan Cardoso (PSD-GO) e Cid Gomes (PSB-CE) foram os mais enérgicos. “Eu venho do setor da indústria que está padecendo muito, como o de serviço, do comércio e do agro. Eles têm sofrido bastante com essas taxas de juros”, disse Cardoso.
Gomes disse que há uma minoria que ganha com os juros. “Dão margem de lucratividade de 10%. Qual é a atividade econômica nesse país que dá, com segurança, uma remuneração de 10%? Talvez vender cocaína, mas com muito mais risco. Isso é uma mamata.”
Com uma tranquilidade quase professoral, Galípolo disse que o Brasil tem juros mais altos porque há bloqueios que impedem que as altas taxas tenham o efeito desejado de controlar a inflação. “Talvez existam alguns canais entupidos de política monetária, o que acaba demandando doses do remédio mais elevadas”, afirmou.
O principal aliado de Galípolo na audiência foi o presidente da CAE, Renan Calheiros (MDB-AL). Quando o senador Rogério Marinho (PL-RN) fez as mais duras críticas ao governo federal - relacionadas ao ajuste fiscal -, o emedebista mudou o formato dos blocos das perguntas.
Antes de Marinho falar, cada bloco era formado por três senadores. Com as críticas mais duras do ex-ministro de Bolsonaro, Renan incluiu mais parlamentares, o que abriu espaço para o líder do PT Rogério Carvalho (AL) rebater o senador do PL, deixando Galípolo ainda mais confortável para se desviar da polarização instalada no plenário da CAE.
Renan tem dito a aliados que será um defensor do governo na CAE - principalmente do ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Mas na manhã desta terça-feira talvez nem precisasse ser tão cuidadoso. Galípolo cada vez mais tem aprendido a aquecer e esfriar “festas”, seja na política monetária, seja na política partidária.