Brasília - Daqui a pouco mais de 70 dias, a cidade de Belém será a anfitriã da 30ª edição da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas. Enquanto a região da Amazônia se prepara para receber a delegação de quase 200 países na COP30, o Brasil vê o Pacto pela Transformação Ecológica se esfacelar.

Anunciado há pouco mais de um ano, na tarde de quarta-feira, 21 de agosto de 2024, o Pacto pela Transformação Ecológica reuniu os presidentes do Executivo, do Legislativo e do Judiciário no Palácio do Planalto.

Luís Roberto Barroso, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), foi o idealizador da criação de um Comitê Interinstitucional de Gestão, com quatro representantes de cada um dos Poderes, para superar o negacionismo e os eventos climáticos extremos que "são decorrência da ação humana, da queima de combustíveis fósseis, globalmente, e, internamente, do desmatamento e da atividade agropecuária”.

A expectativa era a de que o grupo se reunisse pelo menos uma vez a cada seis meses. Mas, depois do anúncio, não houve qualquer encontro e nenhum desses representantes graduados se reuniu para chancelar as iniciativas do pacto.

Em 13 de agosto deste ano, fracassou mais uma tentativa de reunir os representantes dos três Poderes para colocar em prática o documento inicial que estabelecia ações contra impactos das mudanças climáticas, como queimadas em biomas e as enchentes no Rio Grande do Sul em 2024.

A (falta de) ação é um exemplo do puro suco de Brasil: depois de um determinado evento trágico, como foi a tragédia no Sul do País, as autoridade promovem um ato, que, do nada e depois de um tempo, acaba esquecido na prateleira da burocracia de Brasília, cada vez mais envolvida com crises internas, como o aumento do IOF, e externas, a exemplo do tarifaço e as ações de Donald Trump.

“Em meio à quantidade de crises abertas em Brasília semanalmente, o comitê foi sendo esquecido, sem que ninguém desse muita importância ao tema, que acabou ficando para trás”, disse ao NeoFeed um ocupante do alto escalão da Esplanada.

A última reunião foi cancelada a pedido dos senadores, pois a Esplanada estava mobilizada com o lançamento de medidas do plano de contingência contra o tarifaço de Trump. Em setembro haverá uma nova tentativa de encontro entre os integrantes dos Três Poderes. Mas, nesse ritmo, o grupo corre o risco de chegar à COP30, em novembro, sem ter se reunido ao menos uma vez.

O fator Marina

A ausência de reuniões das autoridades do comitê é um balde de água fria. O grupo deveria servir para fortalecer o papel do Ministério do Meio Ambiente e da própria ministra Mariana Silva, criando uma unidade nas ações da própria pasta.

Nesse ínterim, Marina Silva precisou enfrentar um Congresso raivoso ao ser convidada para falar sobre a criação de Unidades de Conservação (UCs) na costa Norte do País. Em 27 de maio, a ministra foi confrontada e desrespeitada por senadores enquanto tentava deixar claro que as UCs não iriam interferir na discussão sobre o petróleo naquela região.

Em julho, o Congresso aprovou o Projeto de Lei do Licenciamento Ambiental, que passou a ser chamado de PL da Devastação, tamanha foi a flexibilização nas regras de licenciamento ambiental, com redução das obrigações e aprovação automática de projetos sem análise técnica.

Pacto pela Transformação Ecológica 2024
Lançado há um ano com pompas e circunstâncias por Lula, Barroso e parlamentares, o comitê da Transformação Ecológica se perdeu em meio ao vendaval político e econômico

Antes desses dois episódios, o Congresso se comprometeu a trabalhar no Pacto pela Transformação Ecológica com os outros dois Poderes. Os representantes do Legislativo que integram o comitê são os senadores Eduardo Gomes (PL-TO) e Daniela Ribeiro (PP-PB) e os deputados Aliel Machado (PV-PR) e Nilto Tatto (PT-SP).

O Comitê Interinstitucional é formado, no caso do Executivo, pelos ministros Fernando Haddad (Fazenda), Marina Silva (Meio Ambiente), Rui Costa (Casa Civil) e Jorge Messias (AGU). No Judiciário, os integrantes são Luís Roberto Barroso (presidente do STF), Edson Fachin (vice do STF), Herman Benjamin (presidente do STJ) e Mauro Marques (STJ).

Um dos integrantes deveria ser designado como presidente do comitê para sistematizar os trabalhos, mas, sem reuniões, nem mesmo isso ocorreu, deixando o grupo ainda à deriva. Enquanto isso, o grupo técnico, formado por servidores dos Três Poderes, chegou a se reunir para sistematizar avanços nas pautas, mas sem a chancela das autoridades.

Entre as prioridades definidas pelo corpo técnico estão a adoção de medidas para utilização de biocombustíveis na matriz energética brasileira; o controle efetivo da cadeia do ouro e seus insumos para promover o rastreamento do mineral; conclusão de processos judiciais relacionados a conflitos fundiários e recursos ambientais, entre outros.

Um dos pontos é a regulamentação do mercado de carbono, aprovado pelo Congresso no ano passado e que já virou lei. A questão é que precisa detalhar aspectos como a criação de agência de controle.

O deputado Aliel Machado, que integra o comitê, foi o relator do mercado de carbono na Câmara, e tem ainda expectativa positiva em relação ao comitê.

“Esse comitê foi criado para encontrar alternativas rápidas que não signifiquem conflitos entre os Poderes, incluindo questões orçamentárias. Isso significa também negociações com outros países, com empresas. Podemos falar do próprio mercado de carbono e da implementação da infraestrutura para data centers”, disse Machado, ao NeoFeed.

Outras urgências

O NeoFeed enviou questionamentos para cada um dos integrantes do comitê. Segundo a Fazenda, a primeira reunião foi cancelada em razão de outras urgências que entraram na agenda das autoridades. “A exemplo do anúncio das medidas em resposta ao tarifaço, a reunião foi adiada”, confirmou a pasta, em nota.

Para o ministério, entretanto, “as medidas prioritárias previstas no Pacto têm sido amplamente impulsionadas e implementadas mediante articulações promovidas por representantes dos Três Poderes, ainda que não formalmente no âmbito do Comitê Interinstitucional.”

Segundo a Fazenda, os exemplos são os “projetos de Lei de regulamentação do marco legal do mercado de carbono, da produção de energia eólica offshore, da produção de hidrogênio de baixa emissão de carbono, dos combustíveis do futuro e da assinatura do Acordo de Cooperação Técnica para compartilhamento de dados dos cadastros públicos sobre imóveis rurais.”

Por fim, o ministério aponta que as medidas prioritárias são “plenamente aderentes à agenda da COP. Certamente os órgãos responsáveis pelas respectivas implementações apresentarão seus resultados. Avalia-se dedicar um espaço na COP para apresentação do Pacto - enquanto modelo singular no mundo de articulação entre os Três Poderes do Estado em torno da agenda ambiental e climática - além de um balanço das principais ações implementadas”.

A Casa Civil, por sua vez, elencou projetos aprovados como o Mercado de Carbono, os marcos legais do hidrogênio, da produção de energia eólica offshore, da produção de combustível de aviação sustentável, e ações de proteção territorial, de taxonomia sustentável, do cadastro ambiental rural e os programas de EcoInvest, do Cadastro Ambiental Rural e o aperfeiçoamento da divulgação de dados ambientais.

“Essas iniciativas demonstram a construção de uma agenda ambiental integrada e multidisciplinar entre os três Poderes, contemplando dimensões econômicas, sociais e ambientais”, diz a Casa Civil.

A nota segue destacando a “aceleração da interoperabilidade de sistemas públicos, a modernização de processos jurídicos ambientais, a atualização de dados (com queda nas taxas de desmatamento registradas pelo PRODES e pelo DETER), a desburocratização da governança judicial, a implementação de metas de sustentabilidade e descarbonização e o fortalecimento do monitoramento e da avaliação de políticas prioritárias”.

Segundo a pasta, a proposta do “Comitê Executivo, que será submetida ao Comitê Interinstitucional, é apresentar esses resultados na COP30, como exemplo concreto da cooperação entre os três Poderes na agenda global de enfrentamento às mudanças climáticas”.

Procurado pelo NeoFeed, o Judiciário não se manifestou.