Foram três rodadas desde a sua fundação, em 2023, todas lideradas pela Urca Angels. Na primeira, em dezembro daquele ano, a Mercado de Recebíveis foi avaliada em R$ 70 milhões. Já em novembro de 2024, a cifra saltou para R$ 110 milhões. E, no fim de junho deste ano, para R$ 200 milhões.
Menos de dois meses depois, a fintech está acrescentando novos dígitos a esse saldo, ao anunciar um aporte – de valor não revelado – da gestora americana Headline, liderada no Brasil por Romero Rodrigues.
O investimento marca o 16º cheque do fundo Headline 3, que captou um total de R$ 916 milhões, em parceria com a XP Asset. E com a nova injeção de recursos, a startup de antecipação de recebíveis eleva o seu valuation para R$ 300 milhões, mais de quatro vezes desde a sua primeira captação.
“Esse aporte não foi por dinheiro. Acabamos de fazer uma rodada”, diz Henrique Echenique, cofundador e CEO da Mercado de Recebíveis, ao NeoFeed. “Nós interagimos desde o início com a Headline, que é uma ‘placa’ muito reconhecida no mercado e vai nos ajudar a dar os próximos passos.”
Rodrigues, por sua vez, conta que o “namoro” vem de mais tempo, desde a Marvin, fintech cofundada por Echenique. Ele deixou a empresa no início de 2023, levando parte do time para a nova empreitada. Na época, a Headline estava finalizando a captação do seu terceiro fundo.
“Desde então, ficamos muito próximos”, afirma o sócio da Headline. “E quando começamos a perceber a tração da Mercado de Recebíveis, entendemos que, se não fosse agora, não entraríamos mais. Esse cavalo passaria galopando.”
Duas mudanças regulatórias recentes promovidas pelo Banco Central (BC) marcam o caminho traçado pela fintech. A primeira, de 2021, trouxe novas regras para os recebíveis de cartão de crédito. Entre elas, a possibilidade de negociá-los com qualquer instituição financeira disposta a fornecer crédito.
Em uma proposta semelhante, o segundo movimento, de agosto de 2023 e previsto para entrar em vigor no início de 2026, envolve o registro obrigatório de duplicatas escriturais – que comprovam um crédito a partir de vendas a prazo. A soma dessas duas frentes resulta num mercado gigantesco.
“O mercado de cartão de crédito movimenta entre R$ 3 trilhões e R$ 4 trilhões por ano, e, as duplicatas, mais de R$ 15 trilhões”, diz Echenique. “A nossa tese principal é a duplicata. Aqui, estamos falando de um mercado potencial, em dois ou três anos, quando essa regra estiver mais madura, de R$ 50 trilhões.”

Com uma bagagem de mais de 25 anos no mercado financeiro, que inclui passagens pelo Itaú, Itaú BBA e CERC (Central de Recebíveis), Echenique participou ativamente dos grupos de trabalho do BC nas duas resoluções. E esse currículo também pesou para que a Headline decidisse fazer o aporte na fintech.
“Existem muitas startups com boas ideias, mas o conhecimento aqui é complexo e o ambiente é muito técnico”, diz Gabriel Alves, sócio da gestora. “E em todas as interações que nós tivemos, não houve uma única pergunta que o Henrique não tinha a resposta na ponta da língua.”
O feijão com arroz e a cereja do bolo
O modelo da fintech se traduz em três ofertas. A primeira é a antecipação pura de recebíveis de cartão de crédito, ou segundo Echenique, o “arroz com feijão” desse portfólio. Ele diz que a startup busca “defender” esses ativos no balcão mais amplo de interessados possibilitado pelas novas regras.
“Hoje, a precificação desse recebível se baseia no risco do estabelecimento e não da credenciadora da maquininha que ele tem”, diz. “Se você é uma padaria e tem um recebível da Cielo, a antecipação tem que ser mais barata, pois quem deve é a Cielo, um player triple A.”
Uma segunda linha é o crédito fumaça - as operações com base em projeções de recebíveis futuros. A cereja do bolo desse menu, porém, é o cartão de crédito corporativo lançado em abril, em parceria com a Visa. Ele permite que as empresas usem seu volume de recebíveis como limite de crédito.
Se um varejo tem, por exemplo, R$ 1 mil para receber daqui a 30 dias por uma venda feita maquininha, esse valor se torna o limite do seu cartão. A fintech não cobra por esse serviço. Como emissora, a startup é remunerada pela Visa.
“Com o cartão, quem nos acessava a cada duas, três semanas, passou a usar nossos serviços várias vezes ao dia”, diz. Hoje, 80% dos clientes da fintech já têm o produto. “O cartão também trouxe uma demanda muito maior pela antecipação e pelo crédito. E é, de fato, o carro-chefe da nossa estratégia.”
Enquanto se prepara para replicar o modelo no mercado de duplicatas – a empresa já tem provas de conceito nessa esfera, a Mercado de Recebíveis revela alguns números gerados, até aqui, com essa tese, dentro de um formato que inclui ainda um take rate do volume transacionado (TPV) em sua plataforma.
Em 2024, ano em colocou, de fato, suas ofertas na rua, a companhia registrou um TPV de mais de R$ 100 milhões. “Em 2025, já superamos a cifra de 2024 algumas vezes e nossa meta é fechar o ano com R$ 1 bilhão ‘alto’ de TPV”, afirma Echenique.
De olho em ampliar esses números e em abocanhar uma fatia relevante de um mercado potencial de trilhões, a Mercado de Recebíveis já definiu como vai usar os recursos do aporte da Headline.
Além de dobrar sua equipe, formada hoje por 13 profissionais, e de investir em melhorias nos produtos, a expansão da oferta para os clientes dos seus clientes é um dos focos. Assim como acelerar a estruturação de um FIDC próprio – hoje, boa parte das operações é financiada por parceiros.
“Essa operação do cartão exige uma capacidade de colateral relevante. Então, vamos usar uma parte do dinheiro para alavancar o nosso potencial de crédito para os clientes”, diz Echenique. “E estamos prontos para operar essa combinação também nas duplicatas. Falta apenas a canetada final do BC.”