Quem anda de bicicleta sabe que, quando se para de pedalar, o tombo é inevitável. Nos últimos anos, uma série de startups de mobilidade urbana surgiu com planos agressivos de expansão e altamente financiadas por fundos de venture capital.
Empresas como a americana Lime e a latino-americana Grow (fusão da mexicana Grin com a brasileira Yellow) mudaram a paisagem das grandes cidades, como São Paulo e Rio de Janeiro, com suas bicicletas e patinetes elétricos compartilhados.
Mas, desde o início deste ano, essas duas startups estão tirando o pé (ou o dedo) do acelerador. A Lime, por exemplo, encerrou suas operações no Brasil. A Grow anunciou na quarta-feira, 22 de janeiro, que iria reduzir sua operação e sair de 14 cidades, ficando apenas em São Paulo, Rio de Janeiro e Curitiba.
Não bastasse isso, a Grow também afirmou que temporariamente iria interromper o serviço de compartilhamento de bicicletas em todas as cidades “para um processo de checagem e verificação das condições de operação e segurança”, segundo comunicado da startup.
Enquanto isso, existe uma empresa que está na contramão dessa crise do setor de bikes e patinetes compartilhados. É a brasileira Tembici, fundada em 2009 pelos empreendedores Tomás Martins e Maurício Villar, que ficou conhecida por conta das bicicletas laranjas em um projeto patrocinado pelo Itaú.
“Estamos na contramão e apostando na qualidade do produto”, disse Martins, que é o CEO da Tembici, em entrevista ao NeoFeed. “E temos planos bem ambiciosos.”
O empreendedor não deu detalhes sobre o projeto de expansão da Tembici, que tem entre os seus investidores a Joá Investimentos, do apresentador de tevê Luciano Huck, cotado a ser candidato à presidente em 2022. Mas o NeoFeed apurou que a empresa deve chegar a novas cidades e vai investir em bicicletas elétricas.
Hoje, a Tembici está em São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador, Recife, Porto Alegre, Belém, Manaus e Vila Velha (ES). No ano passado, a empresa também começou seu projeto de internacionalização por Buenos Aires, na Argentina, e Santiago, no Chile.
Em 2019, foram 22 milhões de viagens, mais de 80 mil por dia, com as 16 mil bicicletas da Tembici, que são produzidas em uma fábrica própria em Extrema (MG). Foi um crescimento, segundo a empresa, de 106% no número de viagens.
A Tembici tem um modelo de negócio diferente de suas rivais. Ao contrário da Grow, por exemplo, as bikes da empresa precisam ser retiradas e devolvidas em estações. O consumidor paga por pacotes diários, mensais ou anuais e pode usar as bicicletas de forma ilimitada, mas em etapas de uma hora cada. Se passar disso, paga um valor adicional dependendo do tempo extra.
Uma fonte importante de receita da Tembici é a presença de patrocinadores nos projetos. O Itaú é o principal deles. Mas a companhia também conta com outras empresas, como o banco Banestes, os planos de saúde Hapvida e Unimed e a bandeira de cartão de crédito Mastercard. “É uma forma benéfica de ligar a marca a um projeto da cidade”, diz Martins.
No ano passado, a Tembici fez testes em São Paulo com bicicletas elétricas. E, segundo Martins, foi um sucesso. As viagens com este tipo de bike são duas a três vezes mais frequentes do que as realizadas com as tradicionais.
A companhia também testou patinetes elétricos em um projeto com a Petrobras, no Rio de Janeiro. Mas não avançou o com o projeto. Uma das razões, de acordo com Martins, era o custo, pouco acessível ao usuário. “Não conseguimos endereçar uma solução de escala e resolvemos não prosseguir com o investimento”, afirma o CEO da Tembici.
Embora não revele dados, Martins diz que a operação é sustentável financeiramente e afirma que concorrentes sempre são bem-vindos. “Nunca estivemos sozinhos”, diz ele, que acredita que mais empresas ajudam a divulgar as bicicletas e patinetes como um modal viável nas grandes cidades.
Crise no setor
O negócio de bikes e patinetes compartilhados nunca foi fácil. Quem não se lembra de imagens de milhares de bicicletas abandonadas e empilhadas na China, em 2018, onde várias empresas faliram?
Mesmo assim, os fundos de venture capital apoiaram diversas iniciativas ao redor do mundo. A Grow foi uma delas. Criada em janeiro de 2019, a companhia recebeu US$ 150 milhões logo após a fusão. O investimento contou com a participação de fundos como Monashees, 500 Startups, DCM, GGV Capital e Base10 Partners.
A brasileira Yellow, cujos fundadores eram o ex-presidente da Caloi, Eduardo Musa, e os empreendedores Ariel Lambrecht e Renato Freitas, fundadores da 99, o primeiro unicórnio brasileiro, também havia sido altamente financiada. No total, havia recebido US$ 72 milhões antes da fusão.
Mas tudo deu errado para a Grow. Segundo uma reportagem do jornal O Estado de S. Paulo, a companhia não conseguiu US$ 150 milhões que estavam sendo negociados com o Softbank em uma nova rodada de investimentos. E teve que mudar seus planos.
Visões diferentes sobre o futuro da empresa também pesaram para os desentendimentos entre os sócios. Musa e Freitas deixaram a sociedade. Lambrecht não está mais na empresa e é apenas acionista.
“Planejar essa reestruturação nos colocou diante de decisões difíceis, porém necessárias para aperfeiçoar a oferta de nossos serviços e consolidar a nossa atuação na América Latina”, disse Jonathan Lewy, CEO da Grow, por meio de uma nota. “O mercado da micromobilidade é fundamental para revolucionar a forma como as pessoas se locomovem nas cidades e continuamos acreditando que esse mercado tem espaço para crescer na região.”
Antes da Grow, a Lime já havia decidido sair do Brasil, seis meses depois de iniciar sua operação no mercado local. Em um comunicado, a companhia afirmou que a decisão era parte da estratégia global para alcançar a sustentabilidade financeira. No Brasil, ela operava em São Paulo e no Rio de Janeiro. A decisão afetava também 12 cidades ao redor do mundo, sendo sete delas na América Latina.
A Tembici agora tem uma janela de oportunidades para pedalar praticamente sozinha – pelo menos por algum tempo. Só não pode parar. Se não, o tombo será inevitável.