O relógio marcava 11:56h quando o caminhão da transportadora de mudança estacionou na frente do sobrado, no número 1.581 da avenida Indianópolis, no bairro do Planalto Paulista, na Zona Sul de São Paulo. Ali, até aquele exato momento, funcionava a sede da inTaxi Media, uma empresa de mídia out-of-home voltada para táxis.

Ryan Marques, o fundador da startup, interrompeu a ligação com o NeoFeed e avisou. “O caminhão chegou. Este é o último dia da empresa. Agora é fechar as portas e passar a corrente”, disse, num misto de tristeza por ver o sonho se encerrar e alívio por terminar o que não estava funcionando.

Num mundo tomado por investimentos milionários, rodadas e mais rodadas de séries A, B, C, D, E, seed money, founders, valuations e outros termos em inglês usados exaustivamente no badalado – e glamouroso – mundo das startups, nem todas se tornam unicórnio. E é raro encontrar um empreendedor que compartilhe as experiências do fracasso.

Sobre sucesso, todos falam. Sobre a queda, poucos tem a humildade e a coragem de revelar. Marques não só conta a história da empresa que consumiu oito anos de sua vida como pretende compartilhar num livro que ainda está escrevendo e quer lançar nos Estados Unidos. “O nome ainda não está definido, mas seria algo na linha de ‘Lições aprendidas quebrando a minha empresa’”, diz ele.

Trata-se de uma história que começou nos Estados Unidos. Marques se formou em administração de empresas na Boston University e passou a trabalhar em Wall Street justamente em um dos piores momentos do setor, na crise financeira de 2008. Por três anos atuou como trader de derivativos de crédito no Deustche Bank e depois trabalhou por mais dois anos no BNP Paribas.

“Depois de 2008, o governo americano olhou para os bancos como os vilões da grande crise e colocou uma série de limites de risco. Para o que eu fazia, isso se tornou um pouco insustentável”, diz Marques. E prossegue. “Só podíamos tomar um décimo do risco que era tomado entre 2004 e 2008, só que os gestores pediam os mesmos resultados dos anos anteriores. Vi que ia ficar muito sufocado e resolvi sair.”

Ele tinha a ideia de empreender e, ao frequentemente pegar táxi em Manhattan, percebeu nas telinhas instaladas nos carros, com conteúdo e publicidade, uma oportunidade para o mercado brasileiro. “Era 2012, o Brasil estava voando e voltei para São Paulo nessa onda de que tudo o que era aberto aqui daria certo”, diz o empreendedor.

Com um estudo de mercado em mãos, comprou a passagem, raspou os US$ 75 mil que havia economizado e começou o negócio desenvolvendo um software e buscando o hardware perfeito. Só que, em quatro meses, o dinheiro acabou antes mesmo de a empresa começar a operar.

Marques tentou captar dinheiro com investidores anjo. Não conseguiu. A saída foi apelar para a ajuda da família. Seu pai, empresário do ramo de combustíveis, entrou com um aporte de R$ 500 mil. E o jovem empreendedor passou um ano aperfeiçoando o produto que colocaria na rua. Na hora de pôr no ar, o País já estava em crise.

Era o Brasil de 2014 e, no primeiro ano de atuação, a inTaxi Media contava com 250 telas instaladas em táxis. O modelo de negócios era basicamente venda de publicidade. Marques instalava os tablets da Samsung nos carros com uma programação de 70% de conteúdo de parceiros e 30% de publicidade.

A empresa ganhava com a publicidade e os taxistas, que não ganhavam nada, precisavam ser convencidos de que se tratava de um serviço a mais para os passageiros. Mas não era fácil. Por isso, na maioria dos casos, a inTaxi Media, dava um novo taxímetro, que custava R$ 800,00, para os motoristas. Era o preço para instalar a central nos carros.

A inTaxi Media chegou a ter 1 mil telas instaladas em táxis espalhados por São Paulo

Além disso, a central de mídia era conectada aos taxímetros. Ela ligava quando o taxímetro começava a rodar. Na época, a empresa contava com três funcionários e o faturamento atingiu módicos R$ 20 mil. No ano seguinte, em 2015, com o modelo mais comprovado e uma audiência mensal de 200 mil pessoas a receita bateu em R$ 350 mil.

“Naquele ano, a operação se pagou. Mas percebemos que ou buscávamos uma captação para escalar o negócio ou teríamos de fechar”, afirma o ex-empresário. Foi aí que apareceu o CVentures, um fundo de venture capital de Florianópolis, e aportou R$ 3,5 milhões no negócio. Com o dinheiro, a inTaxi Media ampliou o alcance e instalou mais telas nos carros, chegando a 1,2 mil pontos instalados.

O alcance da mídia já chegava a 750 mil pessoas. Mas o empresário sentia dificuldade em vender pacotes de publicidade por conta da falta de experiência no mercado. Afinal, ele vinha do setor financeiro e nunca tinha trabalhado com comunicação. “Contratamos alguns profissionais do setor para vender, mas não tínhamos verba para contratar um grande nome”, diz Marques.

Além disso, uma coisa é um profissional chegar em uma agência de publicidade com a chancela de trabalhar, por exemplo, numa Rede Globo. Outra coisa é, por mais experiência que tenha, conseguir vender uma mídia nova e, ainda por cima, desconhecida.

Apesar das dificuldades, Marques conseguiu fazer com que a inTaxi Media faturasse R$ 1,5 milhão em 2018. A previsão para 2019 era ter uma receita de R$ 3 milhões. No dia 15 de janeiro do ano passado, entretanto, recebeu um balde de água fria. Um grande anunciante cancelou o contrato que garantiria o ano.

Mesmo assim, Marques seguiu em frente e conseguiu faturar R$ 1 milhão no primeiro semestre. Animado, reformou a sede e aumentou o time de 12 para 17 funcionários. Porém, o segundo semestre foi terrível e entraram apenas R$ 250 mil. Com caixa para mais 90 dias, decidiu parar por ali.

“Chamei o fundo e conversamos sobre o encerramento da empresa, para fechar e conseguir pagar todos os funcionários”, afirma Marques. Antes, tentou vender a companhia, chegou a conversar com uma concorrente e estava quase tudo certo para a venda, mas o negócio foi cancelado por conta da pandemia. No início do ano, a Covid-19 martelou o último prego no caixão da inTaxi Media.

A mortalidade entre as startups é mais comum do que se imagina. De acordo com a Abstartups, somente uma em cada quatro startups sobrevive aos primeiros cinco anos de vida. Mas, afinal, o que leva a essa alta mortalidade?

“A primeira causa é que elas são criadas para resolver problemas que não existem”, diz Renato Mendes, professor de empreendedorismo e marketing digital no Insper, autor do livro Mude ou Morra e colunista do NeoFeed.

Outros pontos levantados por Mendes como as causas mortis das startups são a questão de funding para operar e a falta de expertise dos fundadores no mercado que se propõem a desbravar. “Tem que ter experiência para entrar no jogo”, diz ele.

Indagado sobre os principais erros na trajetória, Marques não esconde as deficiências. Primeiro, diz ele, não entendia muito do setor de publicidade. Segundo, gastou muito tempo – e dinheiro – desenvolvendo o software e o sistema perfeitos. “Poderia ter o dobro de telas na rua. Supervalorizei essa parte e o ganha pão era ganhar audiência. No fim das contas, é o que o cara de mídia quer saber.”

Foram quase oito anos trabalhando para pagar as contas, sem praticamente salário e dividendos. “Digamos que foi um MBA bem caro.” Arrependimento da trajetória? Ele diz que não se arrepende de ter tentado, mas sim de ter insistido no negócio por tanto tempo. E, agora, com as portas fechadas deixa uma dica para quem está começando.

“Se for para montar um negócio, que seja relevante, que os clientes não consigam viver sem o seu produto”, diz ele. E aproveita para fazer um mea culpa e uma crítica ao universo de startups e venture capital. “Você vai nesses summits de inovação e vê uma quantidade enorme de pessoas dizendo que serão o próximo unicórnio”, afirma.

“Tem muita empresa que não para de pé e continua captando e gastando milhões. Muitos dizem que vão replicar o modelo da Uber, mas esquecem que a Uber não dá lucro”, diz o empreendedor. Se voltar a montar uma startup, afirma Marques, ela terá de dar lucro desde o primeiro ano.

Os oito anos empregados na criação e no dia a dia da inTaxi Media não voltam mais. Marques diz ter aprendido com os erros e acertos. “Depois de tomar tantos socos no estômago, a sensação de fechar a empresa é, de certa forma, refrescante”, diz.

Por enquanto, ele ajudará o pai na administração da empresa da família e usará, no mínimo, os próximos seis meses como reflexão. Mas é hora de encerrar a conversa. O caminhão com os móveis do escritório está sendo carregado e já vai partir.

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