Em junho de 2021, uma notícia chamou a atenção do empreendedor goiano Daniel Barbosa. A startup britânica Tractable, que desenvolve uma ferramenta de inteligência artificial para seguradoras fazerem orçamentos de carros acidentados a partir de uma foto, se tornou um unicórnio, como são chamadas as empresas avaliadas em US$ 1 bilhão.

Fundador da Cilia, uma empresa que tem um sistema que permite que seguradoras e oficinas façam um orçamento, Barbosa já trabalhava no desenvolvimento de uma ferramenta semelhante há quase três anos.

“Eu pensei: o que estou fazendo de errado. A empresa britânica faz 10% do que eu faço e já vale US$ 1 bilhão. Preciso sair de Goiânia”, diz Barbosa, ao NeoFeed. Quase 20 meses depois, a Cilia está dando seu primeiro passo para se tornar mais conhecida. Ao menos, entre os investidores.

A companhia acaba de levantar R$ 110 milhões em rodada liderada pela Cloud9 Capital, o fundo de Felipe Affonso, Noah Stern e Rafael Serson. O mercado livre está participando também da rodada.

Esse é o segundo investimento da Cloud9 Capital, que levantou R$ 370 milhões em seu primeiro fundo (o primeiro aporte, até hoje, não foi revelado, pois os empreendedores optaram pela não divulgação). “A Cilia é um negócio que cresce e gera caixa”, diz Affonso. “Mas ela tem diversas avenidas a explorar.”

A Cilia, que foi fundada por Barbosa, Mauro Guedes, Leonardo Lobo e Douglas Camargo, surgiu em 2012, em Goiânia, como um software na nuvem que permitia que seguradoras, oficinas e fornecedores de peças realizassem orçamento no setor automotivo de forma digital, sem a necessidade de um perito.

Por meio de inteligência artificial – ferramenta que começou a ser desenvolvida em 2018 –, o sistema da Cilia torna possível a avaliação de um sinistro e do orçamento exclusivamente por fotos, incluindo a precificação de danos externos e internos – exatamente o que a Tractable faz.

Mas a Cilia vai além. A empresa conta também com um banco de dados com mais de 18 milhões de peças cadastradas e mais de 60 mil modelos de veículos de todas as montadoras presentes no Brasil. Por dia, quase 10 mil batidas de veículos são registradas no sistema da Cilia

Os principais clientes são as seguradoras, como Allianz, Bradesco, Liberty e Tokio Marine, que pagam por orçamentos gerados, e as oficinas, que somam 5,5 mil e pagam pela licença da ferramenta. Empresas que gerenciam frotas, como Movida e Localiza, usam também o Cilio.

Com o dinheiro captado com a Cloud9, os planos de Barbosa são avançar em três frentes. A primeira é disseminar o uso de sua ferramenta de inteligência artificial. Esse projeto conta com o apoio do Centro de Excelência de Inteligência Artificial da Universidade Federal de Goiás.

De acordo com Barbosa, a Cilia conta com 18 mestres e doutores em sua equipe que ajudam no desenvolvimento da ferramenta. No começo, ele usou a base de dados de acidentes, registrados em sua plataforma. Hoje, isso não é mais necessário. Elementos sintéticos em 3D são utilizados. “E conseguimos ser mais precisos na análise de cada colisão.”

A segunda frente é a de usar sua extensa base de dados como um serviço de inteligência para compra e venda de autopeças. No ano passado, mais de 10 bilhões de peças estiveram presentes nos orçamentos realizados por oficinas e seguradoras. E a Cilia não ganhou um centavo nessas transações.

Barbosa diz que a ideia do novo serviço não é ser um marketplace. O plano é ajudar tanto seguradoras a comprar peças, como fornecedores planejarem melhor seus estoques por regiões. Atualmente, diz Barbosa, é possível determinar a demanda mensal de peças com base no histórico de acidentes por regiões através do Cilia.

O modelo de negócio está sendo definido, mas esse é um mercado gigante. De acordo com o Sindipeças, o mercado brasileiro de autopeças deve movimentar R$ 202,7 bilhões em 2023.

A terceira frente da Cilia é a dos serviços financeiros. Para realizar um serviço, a oficina precisa comprar peças. Mas só vai receber de clientes e seguradoras muito tempo depois. O plano é fornecer crédito para esse público através de parceiros de funding.

Apesar de atuar em um mercado gigante, há poucos competidores nessa área atuando no Brasil. A principal concorrente da Cilia é a americana Solera, empresa que está presente em 90 países, tem 235 mil clientes e 4,5 mil funcionários.

Fora do radar

Fundado em fevereiro de 2022, o Cloud9 Capital é fundo de growth que segue uma fórmula consagrada do mercado de venture capital: encontrar bons empreendedores, em mercados grandes e com modelos de negócios escaláveis.

O ingrediente diferente nessa estratégia é que a busca não se concentra no eixo Rio-São Paulo, onde a maioria dos fundos de venture capital faz a sua pescaria. A Cloud9 quer “pescar” fora do radar dos venture capital.

A ideia da Cloud9 Capital é montar um portfólio concentrado de 10 startups. Apesar de se classificar como agnóstica de setores, a preferência é por startups dos mercados de saúde, educação e consumo que admitem o modelo de negócios SaaS (software as a service).