Thomaz Srougi, fundador e presidente do conselho de administração da rede de clínicas dr.consulta, costuma dizer que a sua healthtech, fundada em 2011, navega em um oceano azul – por isso que seu logo é azul. Mais do que retórica, não deixa de ser verdade em um País onde mais de 160 milhões de pessoas não têm acesso a um plano de saúde.

Pois foi de olho nessa massa de gente que a dr.consulta, com 35 clínicas, sobretudo em São Paulo, nasceu. Com consultas de mais de 60 especialidades que custam, em média, R$ 110 acabou se tornando uma opção para a base da pirâmide social. Mas ainda faltava uma vertical para tornar a rede mais atrativa – tanto como negócio como serviço.

A companhia acaba de anunciar a aquisição de 27,5% da empresa de plano de saúde cuidar.me, startup fundada em 2020 e que começou a vender planos em junho deste ano. “Vamos agora pescar no próprio aquário”, diz Srougi, mencionando que pretende oferecer os planos para 4,5 milhões de usuários cadastrados. “Podemos crescer muito rápido de uma forma eficiente.”

O negócio, que ainda precisa da aprovação da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), cria uma empresa de saúde com o modelo semiverticalizado, diferente de outros grupos como Hapvida, Prevent Sênior, que têm tudo dentro da mesma plataforma. Na prática, os clientes vão usar os atendimentos primários e secundários da dr.consulta e os atendimentos mais complexos em uma rede de 20 hospitais como Hospital Alemão Oswaldo Cruz, Samaritano, Santa Joana, entre outros.

A rede vai vender planos a partir de R$ 169,00 no chamado Pop até R$ 999,00 no Max Apartamento. “Chegou a hora de dar esse passo, fechar o nosso ecossistema e oferecer o que as pessoas querem. O brasileiro quer plano de saúde”, diz Srougi. Para poder oferecer um plano acessível, o empreendedor afirma que a dr.consulta conta com um caminhão de dados.

Por ter uma rede de clínicas próprias, com mais de 1,4 mil profissionais de saúde, a empresa desenvolveu tecnologias proprietárias para mapear a saúde de seus pacientes e atuar de maneira preditiva, evitando mais gastos. “Começamos a armazenar 100 pontos de dados por paciente. Esse conhecimento virou eficiência e redução de custo”, diz Srougi.

Na ponta do lápis, isso significou, por exemplo, reduzir os gastos com exames desnecessários para que o médico dê um diagnóstico. Na saúde suplementar, os médicos costumam pedir entre cinco e dez exames. Na dr.consulta, com os dados do paciente, isso foi reduzido para, em média, dois exames.

A companhia, que nunca abriu seus números, o que sempre foi colocado no mercado como um indício de que o negócio não atingia o equilíbrio, resolveu revelar seus dados. “Desde o início, todos os anos, as margens vêm melhorando. No final de 2019, cruzamos para o território positivo e continua aumentando”, diz Srougi.

A rede vai fechar o ano com 900 mil pacientes atendidos, uma receita de R$ 315 milhões e uma margem ebitda de 10%

A rede vai fechar o ano com 900 mil pacientes atendidos, uma receita de R$ 315 milhões e uma margem ebitda de 10%. A ocupação de agenda médica deve fechar 2021 batendo em 93%. No ano passado, o faturamento foi de R$ 261 milhões e uma margem ebitda de 3%.

As conversas entre a dr.consulta e a cuidar.me começaram há cinco meses, quando o médico Marcus Vinícius Gimenes, um dos fundadores da cuidar.me estava em busca de um novo aporte. A empresa nasceu com seed money de R$ 3 milhões de amigos e familiares e precisava de um novo aporte para escalar.

“As duas empresas têm muita sinergia, complementaridade e cultura. Queremos trazer os fundadores para dentro da nossa operação”, diz Renato Velloso, CEO e acionista da dr.consulta. Em 18 meses, a dr.consulta pagará os 27,5% e poderá comprar a totalidade da cuidar.me. A ideia é que, lá na frente, aconteça uma troca de ações.

A cuidar.me tem, atualmente, 1 mil vidas seguradas. A meta é atingir 12 mil vidas no primeiro ano de operação. Gimenes, um dos fundadores da cuidar.me, é médico cirurgião cardíaco e atendeu no SUS, onde se deparou com a questão do acesso à saúde. Daí veio a ideia de criar a startup.

Com modelo digitalizado, a empresa focou em trazer acesso à medicina de alta complexidade. Costurou acordos com os hospitais com pacotes que permitem estipular tetos e custo do risco – o que faz com que os hospitais trabalhem com mais eficiência pelo sucesso do desfecho clínico.

A dr.consulta não é a única que tem trabalhado para abocanhar esse mercado de milhões de pessoas desassistidas por saúde privada e planos de saúde particulares. O Grupo Sabin, por exemplo, comprou recentemente a rede de clínicas Amparo, de olho na saúde primária. A Sami, também focada em atenção primária, recebeu nesta semana um aporte de R$ 110 milhões.

Há ainda QSaúde, Alice e outras operadoras digitais que também buscam popularizar o acesso à medicina. “A nossa vantagem é que temos os atendimentos primário e secundários completos, temos dados dos pacientes”, diz Velloso.

Srougi, por sua vez, complementa. “Além disso, tem uma grande diferença, dr.consulta nasceu há quase dez anos e já percorreu todo o caminho. A gente reduz custo e somos lucrativos. Agora estamos entrando no segmento de planos”, diz ele. “Os planos que estão surgindo agora ainda vão ter de aprender a serem eficientes, a coordenar saúde e alinhar incentivos médicos. Eles têm uma grande jornada pela frente.”