Poucas empresas representaram a euforia do setor de venture capital nos anos de 2020 e 2021 como a Facily, uma startup de social commerce que vende produtos com descontos para grupos voltada principalmente para pessoas das classes C e D.

Fundada em 2018 por Diego Dzodan, Vitor Zaninotto e Luciano Freitas, a startup captou US$ 502 milhões de investidores globais como Tiger Global, Prosus, Founders Fund, Quona Capital, Alter Global, Luxor Capital, além das gestoras brasileiras Canary, Bossanova Investimentos e Monashees.

No fim de 2021, quando levantou US$ 135 milhões na extensão da rodada de série D, tornou-se um unicórnio e foi avaliada em US$ 1,1 bilhão. Entre janeiro e outubro de 2021, o número de usuários na plataforma saltou de algumas centenas de consumidores para 7,1 milhões – no auge, chegou a 15 milhões.

Esse crescimento exponencial e desorganizado cobrou o seu preço. Em 2021, a startup foi a recordista em reclamações do Procon com mais de 150 mil queixas, o que se repetiu no ano seguinte (26 mil queixas). Quando a maré do venture capital virou, no começo de 2022, a Facily ficou em uma encruzilhada e esteve muito perto de fechar as portas.

Nas últimas semanas, o NeoFeed falou com investidores e pessoas próximas da operação da Facily para entender o atual estágio da startup. O cenário é de um unicórnio que encolheu bastante para tentar sobreviver.

O GMV, por exemplo, caiu 90% – antes do último aporte, ele estava na casa dos R$ 30 milhões mensais, segundo uma fonte. O número de funcionários saiu dos mais 1.000 para cerca os atuais 200. O NeoFeed apurou que a queima de caixa foi reduzida, mas saiu de US$ 30 milhões por mês para aproximadamente US$ 2,5 milhões por mês. Hoje, a Facily atua só em São Paulo – antes, estava presente vários estados.

“É um negócio muito difícil de evoluir. É uma companhia zumbi”, diz um importante gestor de um fundo de venture capital. “É provável que vá virar write-off.

Em entrevista ao NeoFeed, o CEO e fundador da Facily, Diego Dzodan, não quis comentar esses dados, alegando se tratar de questões competitivas. Mas admitiu que a startup esteve perto de fechar.

“Quando você projeta um crescimento baseado em acesso a capital e isso não acontece, você gasta mais dinheiro do que tem”, diz Dzodan. “Se a Facily não tivesse ajustado as despesas, dinheiro em caixa não teria sido o suficiente.”

> Leia a entrevista de Diego Dzodan, fundador e CEO da Facily, ao NeoFeed

Agora, a Facily tenta um recomeço. Apesar de não ter feito mais nenhuma rodada de captação, pelo menos um investidor com quem o NeoFeed conversou já se antecipou e marcou o investimento feito em 80% abaixo do round em que entrou.

Um dos erros que a Facily cometeu, apontados pelas fontes, foi ter começado a vender diretamente, deixando de fazer a intermediação entre as empresas e o consumidor final.

“Deixou de ser um negócio de tecnologia para ser muito mais um negócio de logística”, diz uma fonte. “O pior é que apresentava margem bruta negativa. Ou seja, pagavam mais caro do que vendiam.” E, nessa época, o GMV crescia 40% ao mês. “Queimava caixa para apresentar um crescimento insustentável.”

Uma pessoa familiarizada com a operação afirma que esse plano agressivo só faria sentido se a empresa levantasse mais capital. “Seria preciso captar entre US$ 500 milhões e US$ 1 bilhão para que o negócio funcionasse”, diz essa fonte.

A logística é um capítulo a parte. Em seu auge, em uma tentativa de dar conta da demanda crescente do negócio, a Facily firmou acordos com operadores logísticos de grande escala. Na época, alguns consumidores afirmavam que as entregas levavam semanas para serem realizadas.

“Toda vez que você precisa fazer um contrato emergencial com uma operadora logística, você paga o preço emergencial”, diz Mauro Schlüter, professor de logística da Universidade Presbiteriana Mackenzie. "Quando você não tem tempo para negociar, fica ainda mais caro."

Fontes relatam que, anteriormente, cada pacote custava cerca de R$ 15 para a startup. Por conta disso, a logística foi incorporada dentro da companhia, ainda que utilizando caminhões de terceiros. Agora, segundo a Facily, o custo de cada pacote entregue caiu mais de 90%.

A Facily não foi a única que teve problemas. No Brasil, a peruana Favo e a colombiana Muni Tienda também tentaram vingar seus negócios em modelos semelhantes e falharam. A primeira deixou o país em junho do ano passado. Já a segunda encerrou toda a sua operação em novembro, ante a impossibilidade de levantar mais capital.

Ao ser questionado sobre os motivos que o levam a acreditar num destino diferente para a Facily, Dzodan cita, além da captação bastante superior ao de seus dois ex-concorrentes (que juntas levantaram cerca de US$ 50 milhões, segundo o Crunchbase), o modelo voltado para consumidores de classes mais baixas e também o tamanho da operação.

Sobre o fato de que alguns investidores da Facily consideram que a empresa está à deriva, Dzodan afirma que a startup hoje tem uma lista muito grande de investidores e que fica impossível para que ele opine caso a caso.

"O que posso falar é que os investidores que estão mais próximos, que fazem parte do board, nos dão apoio incondicional”, diz o fundador da Facily

Segundo o empreendedor, a posição de caixa atual da Facily é saudável. Dzodan diz também que a startup planeja atingir o breakeven neste ano, que novas cidades estão sendo abertas no estado de São Paulo e que o negócio já possui margens positivas de vendas, voltando a crescer 30% o GMV.

Fontes relataram ao NeoFeed que a companhia tem entre um ano e dois anos de runway (o tempo que falta para o capital acabar). Mas que isso se deve ao encolhimento do negócio.

Para quem conviveu com o CEO, que liderou operações de Facebook e SAP na América Latina, há a impressão de que o executivo dificilmente vai se contentar em ter uma operação mais enxuta. “Ele é um sonhador e quer criar uma empresa que possa valer centenas de bilhões de dólares”, disse uma fonte.

Esse é um sonho que parece longe de acontecer. E, segundo as fontes com quem o NeoFeed conversou, dificilmente, irá se realizar. Ao menos, com a Facily.

E os estragos do que aconteceu com a startup podem ir além dela mesma. "Foi muito ruim. A Facily trouxe muitos fundos internacionais de growth para investir nela. E, com o resultado que apresenta, muitos fundos vão deixar de olhar para o Brasil. É muito ruim para o ecossistema brasileiro", desabafou um investidor.