Poucas empresas tiveram um crescimento tão explosivo como a startup de social commerce Facily. Para o bem. E para o mal. Entre janeiro e outubro deste ano, o número de pedidos na plataforma saltou de algumas centenas para 7,1 milhões.

Ao mesmo tempo, as reclamações contra a empresa no Procon aumentaram de 56 para mais de 59 mil queixas. A maior parte se dava pela falta da entrega das compras ou por produtos estragados – principalmente frutas e legumes.

Nada disso, no entanto, parece ter tirado o apetite dos investidores. Nesta quinta-feira, 23 de dezembro, a Facily está se tornando o nono unicórnio brasileiro de 2021, como são chamadas as startups que atingem uma avaliação bilionária – os outros foram MadeiraMadeira, Cloudwalk, Mercado Bitcoin, unico, Hotmart, Frete.com, Merama e Olist, segundo o Distrito.

A Facily está anunciando um complemento de US$ 135 milhões de seu aporte série D. Em novembro, a startup havia captado US$ 250 milhões. Com a nova injeção de capital, a Facily foi avaliada em US$ 1,1 bilhão.

“Crescemos 46 vezes em outubro em relação a janeiro. É um volume similar ao dos maiores e-commerces do Brasil. É preciso investimento para atender essa demanda”, diz Diego Dzodan, cofundador e CEO da Facily, ao NeoFeed.

O novo aporte é liderado pelo fundo de investimento americano Goodwater Capital, que já investiu em empresas como Facebook, Twitter e Spotify, e pelo conglomerado holandês Prosus (ex-Naspers), que também investe na Movile e iFood no Brasil.

Participaram também da rodada os fundos Rise Capital, Emerging, Variant, Tru Arrow, entre outros. Desde que foi fundada, em abril de 2018, por Dzodan, que chegou a trabalhar como vice-presidente do Facebook na América Latina, Luciano Freitas e Vitor Zaninotto, a startup já levantou mais de US$ 500 milhões com investidores privados.

A Facily opera como um marketplace de itens alimentícios, cosméticos e eletrônicos. Para ganhar dinheiro, a companhia cobra uma comissão de 15% do valor recebido por cada venda.

A diferença para outras plataformas é que a companhia oferta produtos com preços mais baixos. Um litro de leite, por exemplo, pode sair por menos de R$ 1,50, enquanto é vendido nos supermercados por valores que superam a barreira dos R$ 4.

Diego Dzodan, cofundador e CEO da Facily

Com a pandemia do novo coronavírus, a Facily viu a demanda explodir. Assim como os problemas e as queixas. “Esse crescimento aconteceu sem que a plataforma estivesse pronta para comportar a demanda”, diz Dzodan. “Você pode ter US$ 1 bilhão em caixa para investir, mas coordenar as peças leva tempo.”

A meta é que o dinheiro seja usado em investimentos na área logística. Dzodan não especifica exatamente o que pretende fazer, mas diz que pretende solucionar os problemas existentes na operação que cresceu “além das expectativas” em 2021. “A prioridade é resolver as deficiências antes de crescermos”, diz Dzodan.

No Procon, o número de queixas contra a empresa aumentou 283.000% entre janeiro e outubro deste ano, o que fez a companhia bater os recordes de reclamação do órgão. No Reclame Aqui, serviço criado para facilitar o atendimento ao consumidor, são mais de 140 mil reclamações.

Em novembro, o Procon e a Facily firmaram um termo de compromisso em que a Facily se compromete a indenizar consumidores afetados pelo problema, reduzir o número de reclamações em 80% e a criar um fundo de R$ 250 milhões destinado à reparação de danos ao consumidor e melhorias no SAC.

O plano da Facily, com os recursos, é também expandir o serviço que já está disponível em nove cidades brasileiras para outras sete. A expansão internacional também está nos planos e deverá ser testada no ano que vem com projetos piloto na Colômbia e no México.

Compras coletivas e entregas centralizadas

Para conseguir a redução nos preços, a companhia aposta em três pontos. O primeiro está em acabar com os intermediários entre os vendedores primários e os consumidores. “Produtores rurais conseguem vender diretamente. Sem isso, o produto passa por três, quatro intermediários antes de chegar até o consumidor”, afirma Dzodan.

O segundo ponto está na quantidade. Um produto só pode ser comprado por um preço mais baixo se um grupo de pessoas adquirir a oferta. Isso faz com que haja uma demanda maior, aumentando a quantidade de um produto que será entregue em um determinado ponto.

A compra coletiva, ou social commerce, gera outro efeito, que é a economia em marketing. Isso porque o trabalho de propaganda é “repassado” para o consumidor, que divulga as ofertas nas redes sociais para encontrar mais interessados em formar o grupo de compra.

A terceira chave é a logística. A entrega dos produtos não é feita diretamente na casa dos consumidores, mas em pontos de retirada espalhados pelas nove cidades em que a Facily opera, reduzindo o custo logístico.

“O custo logístico para uma carga fracionada é muito grande, principalmente no que diz respeito à última milha, que é a última perna da entrega”, diz Mauro Roberto Schlüter, professor e especialista em logística da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Schlüter diz que os pontos de retiradas seguem o mesmo princípio dos lockers (armários trancados e desbloqueados pelo celular onde encomendas podem ser entregues). “O custo por entrega é baixo, porque há concentração de pedidos num só ponto”, diz Schlüter.

Ao combinar esses três fatores, a Facily consegue reduzir o preço dos itens ofertados. A inspiração para o negócio veio justamente da China, onde empresas com modelos semelhantes já operam em regiões mais pobres. Na América Latina, a Facily é a única que conseguiu lançar um modelo semelhante.

O próximo passo, além da expansão geográfica e da resolução dos problemas de entregas, está em englobar mais categorias. Além de alimentação, a companhia já vende produtos eletrônicos importados da China, itens de beleza e estuda a expansão para outras áreas.