O Brasil, que sempre foi a potência do setor de venture capital na América Latina, perdeu espaço para o México. Isso é o que mostram os dados de investimentos em startups nos seis primeiros meses de 2025 na América Latina, segundo uma análise da gestora de venture capital Volpe Capital a partir de dados da Lavca (Latin American Private Equity and Venture Capital Association).

O México não só ultrapassou o Brasil como o destino de investimentos em startups, como abriu ampla vantagem no primeiro semestre de 2025. No período, o país do taco e dos mariachis atraiu 46% do US$ 1,7 bilhão investido na região. O Brasil ficou com 23%, seguido da Colômbia (11%) – os 20% restantes foram divididos entre todos os outros países.

“O Brasil ficou abaixo de US$ 1 bilhão em investimentos”, diz André Maciel, sócio da Volpe Capital, ao NeoFeed, responsável pelo relatório. “Estamos voltando aos níveis de 2017”.

Historicamente, o Brasil sempre esteve muito à frente do México no caso de investimentos em startups. Mas a diferença vinha caindo ao longo dos anos. Em 2014, época em que a América Latina era pouco desenvolvida em venture capital, o Brasil representava 85% dos investimentos.

Com o avanço da classe de ativos na região, em especial com a chegada de fundos americanos, como o Softbank, o Brasil representou 59% e 48% dos investimentos em 2020 e 2021, respectivamente, anos de exuberância. No ano passado, esse percentual era de 44%. E, agora, despencou para 23%.

De acordo com a Volpe Capital, o Brasil perdeu relevância de forma acentuada. E Maciel acredita que são três os fatores que explicam isso.

O primeiro deles são as altas taxas de juros locais, que têm direcionado o capital doméstico para investimentos em renda fixa. Outra razão são as instituições de financiamento ao desenvolvimento, que têm incentivado investimentos fora do Brasil. E, por fim, o ruído político, que tem afastado investidores internacionais.

O México, por sua vez, que sempre representou algo na casa dos 20% desde 2021, observou esse salto para mais de 40% nos seis primeiros meses de 2025, um dado que surpreendeu os principais gestores de venture capital com os quais o NeoFeed conversou para esta reportagem.

“O México tem ganhado participação significativa ao atrair uma parcela expressiva dos investimentos de fundos de venture capital norte-americanos, impulsionado por sua maior integração com a economia dos Estados Unidos e pelo amadurecimento de diversas startups locais que já atingiram o estágio Série C ou superior desde o início da década”, afirma Maciel.

Das 10 maiores rodadas na América Latina no primeiro semestre, as quatro maiores aconteceram no México. O Brasil emplacou apenas um aporte no top 10. O Chile ficou com dois, enquanto Argentina e Colômbia ficaram com um cada. Uma das rodadas é da Merama, que atua no Brasil e no México.

A maior rodada foi na fintech Klar, que captou US$ 170 milhões em uma rodada série C liderada pela General Atlantic. Outra fintech, a Plata, levantou US$ 160 milhões com dois fundos americanos: o Kora e o Moore Strategic Ventures.

O Softbank e o General Atlantic colideraram uma rodada de US$ 127 milhões na Kavak, empresa que compra e revende carros seminovos – o terceiro maior aporte do primeiro semestre na América Latina. E o quarto foi na Félix Pago, que recebeu US$ 75 milhões da QED.

A maior rodada no Brasil, de acordo com o relatório da Volpe Capital, foi na Solinftec, de US$ 52 milhões, liderado pela YvY Capital, o sexto maior aporte dos seis primeiros meses de 2025.

O NeoFeed conversou com diversos gestores de venture capital para tentar entender o que está acontecendo no mercado brasileiro, que parecia ensaiar uma recuperação – em 2024, as startups brasileiras captaram US$ 2,14 bilhões, alta de 13,83% sobre o ano anterior, segundo dados do Distrito.

As explicações que ouviu dos gestores seguem duas linhas para explicar os resultados que colocam o México à frente do Brasil. A primeira delas é que pode se tratar de um efeito estatístico por conta do grande número de aportes late stage nos seis primeiros meses de 2025. “É um recorte muito pequeno de tempo, mas concordo que se ficar assim um ano é um sinal ruim”, afirma um dos gestores.

Alguns questionaram também a base de dados da Lavca, usada para a análise, considerada incompleta, o que poderia provocar distorções nas conclusões do estudo.

Por outro lado, a ausência de cheques de alto valor no Brasil pode ser um sinal de que falta capital para as startups em estágio mais avançado. “No Brasil, o capital para growth ficou basicamente na mão dos grandes, como General Atlantic, Warburg Pincus, Riverwood, Advent e Softbank. Poucos brasileiros conseguiram tração”, diz outra fonte.

Ao mesmo tempo, muitos fundos brasileiros estão na fase de fundraising em um dos momentos mais desafiadores da indústria de venture capital. “E isso fez com que muitos fundos tivessem menos recursos para continuar a cadência de investimentos”, afirma essa fonte.

Canary, Valor Capital, Big Bets e OneVC, entre outros, são exemplos de gestoras que avançaram em suas captações e começam a fazer o deploy desse capital a partir de agora.

Apesar disso, muitas gestoras nem conseguem captar. Segundo apurou o NeoFeed, há mais de 40 fundos que estão captando recursos com investidores no Brasil neste momento. E a maioria deles está com bastante dificuldade de atingir as metas propostas.

“Enfrentamos um duplo choque no Brasil. A exuberância de 2020 e 2021, quando foram feitos muitos absurdos. E, com a correção, o capital secou. E as altas taxas de juros”, diz um gestor com mais de 20 anos de experiência e que passou por diversos ciclos de venture capital no Brasil.

E ele conclui: “Existem milhões de teorias para justificar tudo, mas no fim é tão simples quanto taxas de juros. Por que vou arriscar se posso ganhar 15% sem risco?”

O Brasil vai virar o jogo? A própria Volpe Capital, responsável pelo estudo, acredita que sim. “O potencial do Brasil é muito maior e o mercado está desatendido. Há boas possibilidades para investir”, afirma Maciel.