Em 2012, Carlos Mira já tinha mais de 30 anos de estrada quando decidiu deixar o comando da transportadora da família para engatar uma carreira solo como empreendedor. Um ano depois, nascia a TruckPad, um marketplace com a proposta de conectar cargas e caminhoneiros autônomos.
De lá para cá, a startup ganhou tração. Hoje, são cerca de 12 mil transportadoras e 500 mil motoristas cadastrados, sendo 75 mil ativos, que, em 2020, movimentaram R$ 10 bilhões na plataforma. E, depois de conquistar essa base, a empresa prepara uma nova jornada para alcançar outros destinos.
Desenhado para ser cumprido no decorrer de 2021, esse roteiro terá como fios condutores o fortalecimento de sua carteira digital, a criação de um marketplace de peças e serviços e a oferta de mais produtos financeiros.
“Queremos chegar a R$ 50 bilhões de GMV em 2021”, diz Mira, em entrevista ao NeoFeed. “Esse é o ano da virada de chave. Nosso grande desafio é transformar boa parte desse volume que já transacionamos em receita para a operação.”
Até então, o foco da empresa foi atrair grandes volumes de cargas e de caminhoneiros, em detrimento de gerar receita. Para encorpar o marketplace, a TruckPad oferece algumas soluções gratuitamente às companhias clientes, como a possibilidade de anunciar fretes e encontrar motoristas disponíveis.
Já a versão com assinaturas mensais também dá acesso a serviços como rastreamento, checagem de dados dos motoristas e pagamento via carteira digital. A maioria dos usuários, porém, ainda está restrita às ofertas gratuitas. Na prática, apesar de gerar bilhões, a startup quase não vê a cor desse dinheiro.
O plano para mudar esse cenário já está em curso e tudo indica que ele ganhará velocidade nas próximas semanas. A TruckPad está negociando um novo aporte, de valor não revelado, a ser aplicado para o crescimento da operação no prazo de 18 a 24 meses.
“Estamos para assinar a rodada”, diz Mira. “É um novo investidor, com perfil mais financeiro, que enxerga a oportunidade de formalizar o setor.” A operação terá a participação de outros acionistas da empresa, que tem investidores como Movile, Mercedes-Benz e a aceleradora americana Plug and Play.
O nome mais recente a ingressar nessa lista, em novembro de 2019, foi a Full Truck Alliance (FTA), plataforma chinesa com a mesma proposta que a TruckPad. Com investidores como Softbank, Alphabet e Tencent, a empresa acaba de captar US$ 1,7 bilhão e planeja um IPO para o segundo semestre.
Com cerca de 12 mil transportadoras e 500 mil motoristas cadastrados, em 2020, a plataforma movimentou R$ 10 bilhões
O fato de ter a companhia como investidora e de também estar captando novos recursos não são as únicas questões que aproximam da TruckPad da FTA. Com mais de US$ 100 bilhões em fretes na sua plataforma, a chinesa tem como um de seus pilares a oferta de serviços financeiros.
E é justamente nessa frente, concentrada na TruckPad Pay, que será aplicada boa parte do montante do aporte que está sendo negociado no momento. Lançada oficialmente no fim de 2020, dentro do aplicativo da startup, a carteira digital tem uma base atual de 10 mil caminhoneiros.
A empresa planeja adicionar novos produtos à solução, a começar por um portfólio de crédito, tanto para os motoristas quanto para as transportadoras. Ainda em pequena escala, os testes na modalidade de adiantamento de recebíveis tiveram início também no fim de 2020.
“O motorista que recebe por carta-frete está no mercado informal e quando precisa de um empréstimo, não tem nem como comprovar renda”, diz Mira. “Então, é uma evolução natural oferecer alguns produtos nessa direção, como descontos em recebíveis e crédito para comprar caminhão.”
Para Marcelo Nakagawa, professor do Insper, a estratégia é assertiva. “A TruckPad já sabe o quanto esse usuário gira de frete, seu comportamento e uma série de outras informações”, observa. “E é mais uma forma de fidelizar esse motorista e fazer com que as transações comecem e terminem na plataforma.”
Hoje, a carteira já permite receber os fretes, em substituição à diversidade de cartões pré-pagos, um formato bastante usado nesse mercado e que dificulta a gestão tanto para as transportadoras como para os motoristas.
Com o saldo da TruckPad Pay, o caminhoneiro também tem acesso a uma rede de aceitação que, atualmente, conta com 250 estabelecimentos. Os pagamentos são feitos via QR Code e ampliar essa presença é mais uma prioridade para 2021.
Outra estratégia é a estruturação de um marketplace de peças e acessórios, que vai reunir, a princípio, 21 empresas. Os motoristas poderão comprar produtos dessas companhias por meio da carteira digital. Além da Mercedes-Benz, a lista de parceiros inclui nomes como Bosch, Michelin, ZF, TRW, SKF e Sansuy.
Hoje, a TruckPad Pay é usada por uma base de 10 mil caminhoneiros
“Hoje, funcionamos mais como uma plataforma de comunicação dessas empresas, com brindes e descontos eventuais para os usuários”, explica Mira. “O grande passo é consolidar esse marketplace e ganhar comissões sobre as compras efetuadas.”
Além dessas receitas originadas na nova plataforma, ele entende que, com todas essas iniciativas, a TruckPad fecha um ciclo para participar de vários momentos da vida do caminhoneiro: desde o acesso às cargas até o recebimento dos fretes e os gastos em produtos e serviços do seu interesse.
Concorrência
No caminho para digitalizar e formalizar esse mercado, a TruckPad tem a companhia de outras empresas, também capitalizadas. Esse é o caso da Sotran, dona do aplicativo Tmov, que também conecta motoristas com cargas para transportar.
Há duas semanas, a empresa atraiu uma rodada de R$ 100 milhões, liderada pelo grupo brasileiro FitPart, que tem investimentos em companhias como Unidas e Stone. O aporte teve participação ainda do Arlon Group e será aplicado em frentes como a estruturação de novos produtos financeiros.
Outra rival é a CargoX, fundada, assim como a TruckPad, em 2013. A empresa já captou US$ 257,8 milhões junto a investidores como Goldman Sachs, Valor Capital e Soros Fund Management. Um dos aportes mais recentes, de US$ 80 milhões, veio em abril de 2020 e foi liderado pela LGT Lighstone.