Com metade da população global como potencial cliente e um mercado projetado em quase US$ 76 bilhões até 2026, as startups focadas na saúde feminina vêm atravessando com serenidade o inverno que se abateu sobre as empresas de tecnologia.

Embora os investimentos globais em healthtechs tenham caído 46,25% em 2022, chegando a US$ 8,6 bilhões, a participação das chamadas femtechs “aumentou substancialmente em relação aos anos anteriores”, pontuam os analistas do PitchBook.

Dos cheques de VCs destinados ao setor de saúde digital, 13,26% foram para as empresas focadas nas mulheres. Em 2021, eles respondiam por 8,75% dos aportes e, em 2020, 7,6%. Nas projeções do PitchBook, os investidores de risco devem destinar US$ 3 bilhões para as femtechs até 2030.

O termo femtech foi cunhado pela empreendedora dinamarquesa Ida Tin. Ela é cofundadora e CEO de uma das primeiras startups do setor, a Clue. Em 2013, ela lançou o aplicativo para monitorar não apenas a menstruação, mas também os períodos de ovulação, TPM e fertilidade. Atualmente, o dispositivo é usado por cerca de 11 milhões de mulheres, em 190 países, inclusive no Brasil.

Graças aos aperfeiçoamento de tecnologias, como inteligência artificial, data science, big data e internet das coisas, o campo de atuação das femtechs é variado. Vai do controle do período menstrual a redes de apoio a vítimas de câncer; de vibradores inteligentes a triagem de pacientes em regiões mais pobres, sem infraestrutura de saúde adequada.

Um dos negócios mais importantes de 2022, segundo o PitchBook, foi o aporte de US$ 5,5 milhões na femtech Joylux. Os investimentos foram feitos pela Reform Ventures e Overton Venture Capital, entre outros e elevaram o montante captado até agora pela startup para US$ 13 milhões.

Fundada em 2013, em Seattle, por Colette Courtion, a startup desenvolveu uma tecnologia à base de LEDs de luz vermelha e calor suave, para melhorar o aporte de sangue e o colágeno do tecido vaginal e, assim, melhor a vida sexual de mulheres na menopausa. Como lembra a Organização Mundial de Saúde, até 2030, 1 bilhão de mulheres no mundo estarão enfrentando os sintomas do climatério.

Ida Tin, CEO da femtech Clue
Ida Tin, cofundadora e CEO da Clue, foi quem popularizou o termo femtech

A notícia do aumento dos aportes, claro, é boa. Mas os investimentos ainda são baixos se comparados a outros setores do ecossistema de inovação. O abismo entre mulheres e homens continua enorme; tanto nos negócios como na medicina, em geral.

Em sua imensa maioria, as femtechs são de liderança feminina. Para se ter uma ideia, no no Brasil existem 4,7% empresas fundadas por mulheres. Em 2020, essas startups receberam apenas 0,04% do total de investimentos, revela o estudo Female Fopunders Report, realizado pela Distrito, em parceria com a Endeavor e a B2mamy.

Na medicina não é diferente. Aos olhos de médicos e pesquisadores da saúde, sempre houve um direcionamento para a anatomia masculina. Esse conceito só começaria a mudar nos anos 1960. Com a emancipação feminina, as mulheres ganharam o mercado de trabalho e ficaram expostas aos mesmos fatores de risco que os homens.

Ocorreu então a “feminização” das doenças do coração, consideradas, até então, males estritamente masculinos. Ao estudar o fenômeno, os especialistas viram que elas não só padeciam dos distúrbios cardiovasculares, como adoeciam de maneira distinta.

Ainda assim, até hoje, o sexo feminino é foco de apenas 4% de tudo o que é investido em pesquisa e desenvolvimento em produtos e serviços de saúde, segundo o PitchBook. Só o câncer de próstata, essa sim, doença exclusivamente masculina, recebe 2% dos investimentos.

Os analistas de mercado são unânimes: desprezar o sexo feminino na elaboração das estratégias de negócios não é uma boa decisão. Como, em geral, o cuidado das crianças e idosos cabe às mulheres, cerca de 80% dos gastos com saúde de uma família são feitos por mulheres. E elas são 75% mais propensas a usar ferramentas digitais para atendimento médico do que os homens, indica levantamento da consultoria Frost & Sullivan.