Raul Polakof tinha 13 anos quando decidiu criar um terminal de captura de dados para os caixas da rede de supermercados da família. Na época, o menino ouviu dos pais que estava louco. Anos depois, ele provou que não estava para brincadeira quando a ideia inspirou a criação da Scanntech.

Fundada no Uruguai, sua terra natal, a empresa nasceu em 1992 explorando o big data – quando o termo ainda nem era usado – no varejo. Em 2011, tornou-se uma das poucas companhias na América Latina a captar um aporte da Sequoia Capital, fundo icônico de venture capital do Vale do Silício.

Passados 12 anos desde então, a Scanntech está atraindo outro nome de peso ao anunciar, nesta quinta-feira, 19 de janeiro, um investimento de US$ 40 milhões da Warburg Pincus, empresa americana de private equity com mais de US$ 85 bilhões em ativos sob gestão.

Com o cheque, equivalente a cerca de R$ 210 milhões, a gestora terá uma fatia minoritária - não revelada - na operação. E se juntará ao IFC, braço de investimentos do Banco Mundial, e aos fundos Endeavor Catalyst e Hindiana que, ao contrário da Sequoia, seguem no captable da companhia.

“Conhecemos o pessoal da Warburg há alguns anos e, desde o começo, eles entenderam rapidamente o nosso negócio”, diz Polakof, cofundador da Scanntech, ao NeoFeed. “Eles podem nos apoiar em várias frentes, no Brasil e em outros países.”

Sócio da Warburg Pincus no Brasil, Henrique Muramoto teve o primeiro contato com Polakof em 2016. A Scanntech havia desembarcado no Brasil três anos antes e a operação ainda era pequena no País. Mas o empreendedor deixou uma boa impressão ao mostrar onde a companhia queria chegar.

“Eu disse que se o plano desse certo, ele poderia contar conosco”, afirma Muramoto. “Recentemente, nós retomamos essa conversa e vimos que a Scanntech fez o que tinha prometido e muito mais, e decidimos que precisávamos mergulhar no negócio.”

Nesse intervalo, a Scanntech consolidou um modelo em que conecta dados em tempo real do varejo com a indústria. A partir dessas informações, é possível extrair insights para as duas pontas, em diferentes aplicações e de forma bastante granular.

O leque envolve desde a escolha do mix mais adequado em cada loja até a disposição dos produtos e categorias nas gôndolas. Passando por ajustes finos nos estoques, promoções e a definição de preços, uma análise que inclui a comparação com os valores praticados pela concorrência.

“Se pensarmos no Netflix, que recomenda o que cada pessoa quer ver, nós aplicamos uma tecnologia similar”, explica Polakok. “Só que para dizer ao supermercado e à indústria qual é o produto certo, na hora certa e no preço certo.”

A Scanntech processa anualmente mais de R$ 550 bilhões e atende mais de 140 clientes da indústria, em uma carteira com nomes como Ambev, Coca-Cola, PepsiCo, Unilever e Mondelez. Essa base inclui a presença em mais de 400 redes de supermercados e hipermercados apenas no Brasil.

Em 2022, a Scanntech reportou uma receita de mais de R$ 200 milhões

Além do Uruguai, a empresa atua ainda na Argentina e no Peru. Mas o Brasil é, de longe, seu maior mercado, com uma participação que varia entre 60% e 70% do negócio. Em 2022, a receita da companhia ultrapassou R$ 200 milhões.

“O desafio desse modelo era um pouco a questão do ovo e da galinha, de convencer o varejo a fornecer os dados e também trazer massa crítica da indústria”, observa Muramoto. “O que eles construíram é algo muito difícil de ser feito e replicado.”

O cheque da Warburg Pincus terá duas aplicações principais. Um deles será o desenvolvimento de produtos, com maior atenção ao varejo e a ferramentas que ajudem o setor, conhecido por suas margens apertadas, a aprimorar sua eficiência.

O Brasil seguirá sendo o mercado prioritário, mas a segunda vertente será a expansão internacional. Além de países da América Latina, um destino mais óbvio, Polakok diz que a Scanntech já está de olho em outros mercados, a partir de conversas que mantém com multinacionais que já atende na região.

Esse embarque não estará restrito necessariamente à questão comercial. Com investimentos de mais de US$ 2,5 bilhões da Warburg Pincus apenas em empresas de dados, não estão descartadas conexões com companhias desse portfólio. Entre elas, a americana Spins e a Trax, de Cingapura.

Tecnologia em peso

Com a entrada na Scanntech, a Warburg Pincus chega ao seu quinto investimento em tecnologia no Brasil. O setor começou a entrar no radar da gestora em março de 2020, com um investimento de R$ 300 milhões na Superlógica, de software para condomínios.

Em outubro do mesmo ano, foi a vez da Take Blip, plataforma de comunicação, receber um cheque de US$ 100 milhões. Já em 2021, quem ingressou no portfólio foi a fintech Blu, com uma rodada de R$ 300 milhões. E, há um ano, a gestora investiu US$ 100 milhões na Sólides, startup de recursos humanos.

Esses movimentos aconteceram após saídas bem-sucedidas de ativos como Petz e Camil. Ao ampliar seu olhar para a tecnologia, a Warburg Pincus é um dos nomes que, pouco a pouco, vai ocupando o espaço do Softbank que, até pouco tempo, assinava os cheques mais polpudos destinados ao setor no País.

Com a Scanntech, a Warburg Pincus chega ao seu quinto investimento no setor de tecnologia no mercado brasileiro

“Nós já investíamos em tecnologia globalmente há décadas e estávamos mapeando o mercado local há tempos”, diz Muramoto. “Mas sentimos que essa indústria no País maturou e começou a chegar no tamanho dos nossos cheques apenas nos últimos quatro ou cinco anos.”

Os aportes podem variar de US$ 40 milhões a US$ 200 milhões, ou até um pouco mais do que essa cifra. Os focos são negócios B2B de software, dados, fintechs, cibersegurança e modelos com previsibilidade e recorrência de receita.

“O mercado de tecnologia vem passando por uma depuração depois de uma empolgação que se refletiu em valuations muito altos”, afirma. “E acho que estamos no começo de um ciclo muito longo de oportunidades que teremos no setor.”