Poucas pessoas conseguem ter uma visão privilegiada do que aconteceu no ecossistema de empreendedorismo brasileiro como Thiago Maceira, managing director do Itaú BBA.
Nessa posição, ele acompanha, desde 2015, o ambiente de tecnologia no Brasil, assessorando IPOs, M&As e captações de recursos. E acredita que, apesar da crise de liquidez que afetou o mercado em 2022 e parte de 2023, as empresas tech saem dessa crise melhor.
“Apesar de a gente falar de um inverno para as startups, diria que é um inverno na capacidade de captar recursos”, diz Maceira, em entrevista ao programa Café com Investidor, do NeoFeed. “Mas, do ponto de vista de operação, acho que ainda temos muita oportunidade.”
Nesta entrevista, Maceira ainda fala sobre as oportunidades que existem para as empresas tech. “O Brasil está ainda no meio de um ciclo de digitalização.” E comenta também sobre as oportunidades de M&A. Abaixo, selecionamos um trecho da conversa com o NeoFeed. E assista ao programa completo no vídeo acima.
O inverno das startups acabou?
Acho que precisamos diferenciar o que é o desempenho operacional das startups e o que é acesso a capital. Quando olhamos para mercados de capitais, vê-se um período de bastante exuberância. O mundo estava com muita liquidez, principalmente nos mercados privados. E esse excesso de liquidez fez com que a gente tivesse muito capital investido em tecnologia. Acho que esse período também foi um momento em que o Brasil se mostrou como um grande líder na digitalização. Então, não foi surpresa que o Brasil atraiu muita atenção do mundo em relação à capital. E, obviamente, a partir do momento em que a gente viu as taxas de juros subirem no mundo como um todo e uma série de questões geopolíticas, a aversão a risco aumentou. E esse capital se tornou muito mais escasso. Do ponto de vista de mercado de capitais, realmente, vimos uma mudança drástica. Acho que 2022 os números falam por si: foi um momento muito mais difícil para as empresas captar.
E agora?
O que estamos vendo em 2023 é, na verdade, ainda um momento de transição. Estamos começando a ver globalmente, mas principalmente no Brasil, uma reversão da tendência das taxas de juros. E, nessa transição, voltamos a ter um pouco de liquidez.
Qual vai ser o novo normal?
Acho que é importante dizer que o que a gente viveu em 2020 e 2021 não é o padrão, não é o normal do ciclo. Estávamos passando por um pico. Em 2018, vimos um grande movimento de atividade, vários fundos, várias transações acontecendo. Éramos superfelizes. Falávamos: “nossa, que incrível, nunca tivemos um ano tão bom”. Aí chegou 2020 e a gente achava que 2018 tinha sido um ano fraco, devagar. O que eu acho que vai acontecer é que a gente vai voltar para os níveis normais, que são os níveis que vimos em 2018 e em 2019. Se olharmos para uma série histórica de 10 anos, vamos voltar para níveis bastante saudáveis.
Como as startups do Brasil estão saindo dessa crise?
Acho que o Brasil sai dessa crise de liquidez melhor posicionado. Porque se você olha do ponto de vista do dia a dia da operação, a verdade é que as empresas de tech no Brasil estão em um momento ainda muito positivo. O Brasil está ainda no meio de um ciclo de digitalização. Apesar de a gente falar de um inverno para as startups, eu diria que é um inverno na capacidade de captar recursos. Mas, do ponto de vista de operação e de oportunidade, acho que ainda temos muita oportunidade.
O Brasil está ainda no meio de um ciclo de digitalização. Apesar de a gente falar de um inverno para as startups, eu diria que é um inverno na capacidade de captar recursos
Durante a exuberância de capital, os valuations de muitas startups foram para a estratosfera. O fim do inverno vem com essa correção?
Falo com muita frequência que muitos dos problemas que tivemos no Brasil não eram operacionais. As companhia são muito boas, mas, em algum momento, marcaram valuations muito altos. Acho que tem uma lógica por trás desses valuations: era uma expectativa muito grande, uma capacidade de crescer muito. Saímos de um momento da economia, onde todo mundo acreditava que o dinheiro sempre estaria disponível. A liquidez era quase que eterna. Por que isso é relevante? Porque quando você estava discutindo com um fundo ou com um empreendedor as estratégias de crescimento, a recomendação era “cresça o mais rápido possível”.
Mas isso era factível?
Esse era um mundo, obviamente na visão dos investidores, factível, porque não havia escassez de capital. Então, você dizia: “se você pode crescer 200% com esse tipo de retorno, cresça 300%”. E as empresas cresciam a uma velocidade gigantesca e a cada seis ou oito meses buscavam no mercado de capitais, no privado ou até no público, mais capital para crescer. A gente saiu desse mundo no fim do ano passado, que acho que foi talvez o pico do inverno, onde as pessoas achavam que nunca mais iam ter capital disponível.
O que mudou?
Você passou de um momento em que as empresas estavam sendo incentivadas a crescer 200%, 300% 400% para um ambiente que se dizia: “só cresça com o que você pode gerar de caixa ou com a sua geração de caixa”. Então, teve uma mudança de mentalidade muito rápida de só valorizar o que era crescimento para valorizar o que era rentabilidade.
O que está acontecendo agora?
Estamos em um momento de transição e com um pouco mais de equilíbrio. As empresas estão voltando a buscar crescimento. Mas obviamente que é um crescimento, que eu brinco, autofinanciável. Então, não é mais um crescimento em que você assume que vai ter que fazer uma rodada de financiamento a cada 12 ou 18 meses.
As empresas estão voltando a buscar crescimento. Mas obviamente que é um crescimento, que eu brinco, autofinanciável
Isso é positivo, não?
Sim, esse equilíbrio maior entre crescimento e rentabilidade é muito positivo para o ecossistema. Acho que o sistema está amadurecendo, mas obviamente para as avaliações, quando você cresce só 20% ou 30% e não 300%, por definição, a sua avaliação provavelmente deveria ser mais baixa, porque você vai demorar mais para atingir US$ 1 bilhão, US$ 2 bilhões, US$ 3 bilhões de valuation. Outro ponto é que agora as empresas estão precisando mostrar, se não já a rentabilidade, um caminho muito claro de rentabilidade. Volta-se, então, para as discussões de métricas de rentabilidade. Até porque os investidores não querem entrar em companhias que, de novo, vão ter um potencial problema.
Nesse ciclo, muitas empresas tech abriram o capital. Só que muitas dessas empresas estão performando muito mal. Foi uma queimação de filme para o setor de tech esses IPOs?
É muito difícil generalizar. Primeiro, do ponto de vista do empreendedor, para várias dessas empresas era fundamental acessar capital para desenvolver o seu plano de crescimento. Muitas empresas chegaram a levantar R$ 1 bilhão, o que permite que elas tenham uma vida muito longa do ponto de vista de liquidez. Até pelo estágio do Brasil, acabamos tendo uma leva de IPOs pequenos. Isso não foi só em tecnologia. Se olhar para outros setores, como varejo e agro, você também teve IPOs de empresas pequenas.
Qual é o impacto para essas empresas pequenas que abriram o capital?
Em um ciclo de maior volatilidade, os investidores buscam liquidez. Eles querem ter a capacidade de poder vender uma participação na empresa com agilidade, caso fiquem mais negativos. Em um momento de maior aversão a risco, as empresas menos líquidas sofrem muito mais na bolsa. E foi exatamente o que aconteceu na bolsa brasileira. Houve uma redução de liquidez em geral, mas as empresas menos líquidas sofreram muito mais. E, como as empresas tech, por definição, eram menores, esse foi um grupo que sofreu mais. Mas isso não foi um fator isolado de tecnologia.
Qual a sua visão do que vai acontecer a partir de agora?
À medida que volta a ter um pouco de apetite de risco, essas empresas deveriam se beneficiar novamente. Por quê? Porque a performance dela vai fazer com que a ação se valorize novamente. Os investidores voltam também a estar dispostos a comprar empresas pouco líquidas. E se você começa a criar de novo o ciclo virtuoso, que é a empresa performar bem, você atrai mais investidores.