São poucos os empreendedores que conseguem criar um unicórnio, empresas cuja avaliação é superior a US$ 1 bilhão. Mais raro ainda é estar por trás de dois deles. Esse é o caso de Paulo Veras, que cofundou a 99, o primeiro unicórnio brasileiro, vendido para a chinesa Didi Chuxing em 2018. Agora, como investidor-anjo, ele tem a Frete.com em seu portfólio.

Mas não pensem que Veras tem o toque de Midas. A 99 foi a sua sexta empresa, o que indica uma trajetória cheia de erros e acertos até uma ideia dar muito certo. Desde que saiu da 99, ele tem investido e montou um portfólio de 12 empresas. Entre elas estão a Invisto, que compra casas nos EUA, reforma e vende; a Digibee, de tecnologia; e a Klubi, que atua com consórcios. Todas elas com potencial de se tornarem unicórnio.

“Mas esse não é o objetivo. O objetivo é construir coisas que sejam muito legais e relevantes. Essa questão de ser unicórnio, de verdade, é o que importa menos. Tem várias empresas, inclusive no passado recente, que cometeram erros grandes por ficarem buscando um valuation meio que a qualquer custo e, no fim, terminaram valendo zero”, diz Veras, em entrevista ao Café com Investidor, programa do NeoFeed que entrevista os principais investidores do Brasil.

Veras também tem se dedicado a conselhos de administração, atuando no Itaú, na Localiza e no Grupo Boticário. E, dessa forma, tem conseguido acompanhar, com visão privilegiada, como grandes empresas estão conseguindo se modernizar e se adaptar aos novos tempos.

E, como observador tanto de startups quanto de grandes empresas, ele faz um alerta. “Se eu tivesse que fazer um recorte, te diria que mais da metade das empresas que compõem o Ibovespa não vão estar aqui, talvez, em dez anos ou 15 anos”, afirma Veras. “Acredito que vai ter uma troca da guarda muito grande.”

É preciso colocar em contexto a afirmação de Veras. Ele não está dizendo que as empresas vão falir. Só que vão perder a relevância, sair do índice e serão substituídas por aquelas que conseguirão fazer um bom uso de inteligência artificial.

“Tem muitas empresas que ainda terceirizam partes importantes da tecnologia, da arquitetura. Não entenderam que quase tudo vai virar um negócio de tecnologia”, diz Veras.

Nesta entrevista, que você assiste na íntegra no vídeo acima, mas cujos principais pontos estão abaixo, Veras fala ainda de seu jeito de investir, como ajudar as startups e conta também sobre o que ele está pessimista.

Como foi a trajetória de deixar de ser empreendedor para se transformar em investidor?
Bom, quero crer que eu não deixei de ser empreendedor, mas peguei um papel a mais, que é o de investidor. Para mim, foi uma coisa meio natural, porque, ao longo da trajetória empreendedora, você se relaciona com muitos investidores. Você aprende como funciona o processo e, depois de ter um evento de liquidez, você fica pensando: e agora, o que eu faço da vida?

Muita gente volta a empreender e eu resolvi mudar um pouco de papel. Gosto de investir em empresas muito early stage. Gosto de entrar bem no comecinho, quando tem aquela folha em branco, aquela chance de você poder ajudar a montar o time, a fazer o produto funcionar. São aqueles primeiros anos que são os mais desafiadores.

Qual o tamanho de seu portfólio?
São 12 startups.

E como você escolhe as empresas?
Normalmente, uma combinação de dois fatores. Gosto muito de olhar o time e se tem as competências necessárias para fazer aquele negócio funcionar. Tem que ter um time completo o suficiente para poder aportar conhecimento e para conseguir vencer os obstáculos. A outra perna é o tamanho da oportunidade. A combinação de um time forte, completo, com uma oportunidade muito grande é o que me atrai para entrar.

E como você ajuda essas empresas: você é muito mão na massa?
Sou, mas também não fico em cima o tempo inteiro. E, em geral, quanto melhores são os empreendedores, menos ajuda eles precisam. Mas, quando precisam, são pontos fundamentais que mudam a trajetória da companhia.

Em geral, ajudo a completar o time, a trazer investidores, a pensar se faz sentido trazer investidores, o tamanho da rodada e ajudo também a tomar as decisões mais difíceis. E também questões de dúvidas mais existenciais, de saúde mental, de dificuldade em lidar com tanta, tanta porrada que você toma empreendendo. Então, às vezes, atuo quase como psicólogo.

Quais empresas você investe?
Não tem setor. Em geral, procuro muito (startups) tech enabled ou tecnologia pura, ou que a tecnologia é um fator-chave para o negócio dar certo. Mas já investi em empresa que tem bem pouca tecnologia, como de educação (a Alicerce Educação), que está usando mais, até por conta de uma onda de IA. Investi em empresa de saúde, em empresa de logística, em software, em fintech. Então, eu realmente espalhei bastante.

De seu portfólio, algumas delas têm potencial de se tornar unicórnio?
Ah, sem dúvida. A Invisto, a Digibee e a Klubi. E tem uma que já chegou lá: a Frete.com (ela foi avaliada em US$ 1,1 bilhão em uma rodada em 2021). Mas esse não é o objetivo. O objetivo é construir coisas que sejam muito legais e relevantes. Essa questão de ser unicórnio, de verdade, é o que importa menos. Tem várias empresas, inclusive no passado recente, que cometeram erros grandes por ficarem buscando um valuation meio que a qualquer custo e, no fim, terminaram valendo zero.

E qual sua estratégia de saída?
Para algumas dessas empresas, nem penso em vender a participação. Eventualmente, vão abrir capital, vão começar a distribuir dividendos e, para mim, está ótimo assim. No meu modelo, sou bem agnóstico, não estou fazendo para vender.

"Gosto da ideia de que o norte da empresa tem que ser o de visar a gerar caixa, dar retorno e distribuir dividendos"

Você não tem prazo para sair, então?
Não tenho. Para mim, idealmente, gostaria de não sair. O mais comum é ter alguma saída no meio do caminho. Ou a empresa não dá certo e você sai por motivos ruins. Ou a empresa dá certo e atrai a atenção de alguma empresa maior para comprar ou abre capital e você pode vender sua participação. Sou um pouco conservador nisso. Gosto da ideia de que o norte da empresa tem que ser o de visar a gerar caixa, dar retorno e distribuir dividendos. Então, esse é o meu norte para investir.

Você atua também como conselheiro. Quais as empresas que você está no board?
Estou em três empresas fantásticas, que são ícones aqui no Brasil. Uma é o Banco Itaú, que acabou de completar 100 anos. Outra é a Localiza. Outra, o Grupo Boticário. São três empresas brasileiras com valores muito sólidos, uma reputação espetacular e que, apesar de já estarem meio idosas, se renovam o tempo inteiro, se reinventam e estão sempre na vanguarda.

No que você está comprado hoje, isto é, otimista?
Estou muito comprado com o ambiente empreendedor no Brasil, por mais que a gente tenha dificuldade de fundraising. Acredito que a qualidade dos projetos está fantástica.

Algo mais?
Estou muito comprado com empresas maduras que estão entendendo como se modernizar e se digitalizar. E acredito que são poucas. Se eu tivesse que fazer um recorte, te diria que mais da metade das empresas que compõem o Ibovespa não vão estar aqui, talvez, em dez anos ou 15 anos. Acredito que vai ter uma troca da guarda muito grande.

Mas as empresas que são grandes, relevantes e que estão fazendo essa mudança com vigor, estou hipercomprado. Elas vão estar no melhor dos mundos. Elas já têm volume, têm muitos dados e modernizaram a forma de fazer. E tem muita startup que fica torcendo o nariz: ‘ah, os caras são muito lentos e tal’. Se o cara não for lento, já for grande e for rápido, está no melhor dos mundos. Então, estou bem comprado nessas empresas.

Mas o que essas empresas, principalmente as grandes, que estão na bolsa, estão fazendo de errado?
Elas estão fazendo essa modernização de uma maneira muito forçada e incremental. Elas não estão repensando o jeito melhor de operar no mundo de hoje. Então, tem muitas empresas que ainda terceirizam partes importantes da tecnologia, da arquitetura. Não entenderam que quase tudo vai virar um negócio de tecnologia.

E aí muda muito. São empresas onde você tem, por exemplo, a área de tecnologia com gestores de projeto que estão coordenando terceiros, que estão fazendo arquitetura, escrevendo código, construindo banco de dados. Essa já é uma coisa-chave. Na maior parte dessas empresas, estão fora de casa.

São poucas as empresas que já entenderam que isso aqui tem que estar dentro de casa, porque isso virou uma competência-chave. Sou do tempo que se pensava que o orçamento se escreve em pedra e não se discute mais até o fim do ano. Esse modelo morreu. Essas empresas têm que encurtar ciclos, têm que estar muito mais perto do cliente, têm que estar criando o produto e testando hipóteses junto com o cliente e avançando com uma velocidade muito maior.

"Acho que, com inteligência artificial, você cria grandes oportunidades, mas tenho convicção de que vai se perder um caminhão de dinheiro"

E quem tem esse modelo?
Esse é muito o modelo da Amazon, por exemplo. Na bolsa, quantas empresas operam em um modelo assim, que está totalmente pensando do cliente para trás? Não é como eu levo o meu produto para o mercado: é o que o cliente quer comprar? Que experiência o cliente quer ter e como é que eu me organizo para trabalhar dessa forma? As empresas não estão fazendo desse jeito. (As empresas) têm muitas business units isoladas, não têm uma visão única de cliente.

E no que você está vendido?
Acabamos tratando os dois lados da moeda. Estou vendido nas empresas que não vão se modernizar, que acredito que será a maioria das grandes. IA vai mudar muita coisa. Mas eu sinto um pouco daquela bolha da internet lá nos anos 1990. Minha primeira empresa chamava Tesla (desenvolvia sites). E tinha uma brincadeira, naquela época, que se você tivesse uma empresa, ela valia 10, mas se você tivesse uma empresa pontocom, ela valia 1.000. Está um pouco assim com IA. Tem muita besteira, tem muita gente fazendo um discurso raso. Acho que, com inteligência artificial, você cria grandes oportunidades, mas tenho convicção de que vai se perder um caminhão de dinheiro.

Só para ficar claro, você não está vendido com IA. Mas sim com “IA washing”?
Perfeito, muito bem definido. Estou hipercomprado com IA. O Eric Schmidt, que foi o CEO do Google, fala muito que as pessoas estão subestimando o tamanho da revolução de IA. Eu concordo com ele. Mas tem muita gente surfando essa onda e montando planos sem pé, nem cabeça.