Brasília e São Paulo - Duas corridas paralelas aconteceram no terceiro trimestre deste ano na Capital Federal e no centro financeiro do País em torno da Medida Provisória 1.303/2025, conhecida como  MP da Isenção. Enquanto lobistas circulavam nos corredores do Congresso para garantir a isenção de impostos nos títulos privados de renda fixa, a Faria Lima acelerava o ritmo de captação e emissão.

Um relatório do Banco ABC ao qual o NeoFeed teve acesso mostra que os fundos de infraestrutura captaram R$ 41,1 bilhões no terceiro trimestre, uma corrida que aconteceu após a edição da MP. O volume representa um crescimento de 450% em relação ao primeiro trimestre deste ano e está 20% acima do registrado no mesmo período de 2024.

Muitos fundos, que estavam fechados para captação, reabriram recentemente depois da MP. A motivação foi a expectativa de fechamento dos spreads.

A Sparta, que detém cerca de R$ 17 bilhões sob gestão, foi uma das gestoras que abriu seus fundos. Em julho, a gestora liderada por Ulisses Nehmi escreveu uma carta aberta contestando a tese de que os títulos isentos competiam com os títulos públicos.

Assim como a Sparta, os gestores enxergaram uma oportunidade de captar mais recursos para aproveitar as condições de mercado. E essa leitura se confirmou: os spreads, de fato, fecharam.

“Estamos vendo emissões na casa de R$ 10 bilhões por mês. E isso é bom, porque o mercado secundário está seco. Quem tem os títulos não está vendendo. Então, para conseguir alocar, o primário tem sido fundamental”, disse Paulo Bokel, head de crédito da Absolute Investimentos, no programa Wealth Point, do NeoFeed.

A expectativa pela tributação também acelerou o ritmo de emissões, principalmente de CRAs, que dispararam 80% no terceiro trimestre em relação ao mesmo período do ano passado, atingindo R$ 13,3 bilhões, segundo dados do CRData, do Clube FII.

“O mercado entendeu que era a última janela de isenção, então acelerou o ritmo, principalmente em CRA”, afirma Felipe Ribeiro, sócio e diretor de investimentos alternativos do Clube FII.

O problema é que o setor político surpreendeu o econômico e a MP da Isenção pode não ser aprovada. Para Ribeiro, a manutenção da isenção tributária tende a diminuir o volume de emissões, especialmente de CRA, pois parte da recente aceleração foi motivada pela percepção de que esta seria a última janela para aproveitar os benefícios fiscais.

Contra o tempo

Com prazo de validade até 8 de outubro, a MP, que trata de alternativas ao aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), precisa ser votada com urgência para não perder a eficácia. A matéria está prevista para ser analisada por uma comissão mista na terça-feira, 7 de outubro.

Editada pelo governo em junho, a MP inicialmente previa a aplicação de uma alíquota de 5% sobre títulos de renda fixa atualmente isentos de imposto, como CRI, CRA, debêntures incentivadas, LCIs e LCAs. Entre outras medidas, a proposta buscava elevar a arrecadação federal em R$ 10,5 bilhões em 2025 e R$ 20,6 bilhões em 2026.

Ainda que o mercado tivesse se preparado para o fim da isenção, o relator da MP no Congresso, deputado Carlos Zarattini (PT-SP), surpreendeu ao manter em seu parecer final a isenção de IR para CRI, CRA e debêntures incentivadas.

Para Zarattini manter a isenção dos títulos privados de renda fixa, o deputado Arthur Lira (PP-AL), ex-presidente da Câmara, teve papel fundamental ao pavimentar o terreno para uma das principais vitórias do governo Lula no Legislativo.

Pouco antes das 18 horas da quarta-feira, 1º de outubro, uma mensagem em forma de análise apareceu nos aplicativos dos celulares de lobistas e políticos que atuam em Brasília: o relator do projeto de isenção do Imposto de Renda conseguiria manter em plenário a quase totalidade do projeto.

Por mais animadora que a mensagem pudesse ser para o governo Lula, foram poucos os que conseguiram prever a unanimidade de 493 votos favoráveis. O relator do texto na Câmara, Arthur Lira (PP-AL), conseguiu mostrar força e deu ao governo federal uma das maiores vitórias na Casa.

A expectativa era de que a isenção do Imposto para quem ganha até R$ 5 mil passasse com facilidade, mas ocorreria uma batalha campal nos destaques ao texto, mais especificamente nas compensações, como a criação de um imposto sobre a alta renda (o que não se confirmou).

O terreno de Lira foi pavimentado pela força e experiência do ex-presidente da Câmara por dois mandatos consecutivos, o que inclui um histórico de acordos e negociações em todos os projetos que tramitaram na Casa de 2021 a 2025.

Foi Lira o responsável por trazer o apoio dos deputados ruralistas do Centrão, que acabaram sendo agraciados no texto do Imposto de Renda. E como parte do acordo, os parlamentares agora devem garantir também a manutenção da isenção das Letras de Crédito do Agronegócio (LCAs) e, possivelmente, das Letras de Crédito Imobiliárias, que originalmente seriam tributadas em 7,5%.

O dia seguinte

Ainda que o mercado já monitorasse a possibilidade de mudanças, com boa parte dos participantes esperando alterações relevantes no texto final, surpreende a magnitude das mudanças em curso.

Segundo uma pesquisa do Banco ABC com gestores de crédito, feita pouco antes de o relator Zarattini apresentar sua versão da MP, 48% esperavam a manutenção da isenção para os CRIs, 42% para os CRAs e apenas 24% acreditavam que as LCIs e LCAs seguiriam isentas em 2026.

Ribeiro, do Clube FII, ressalta que, enquanto não houver uma redação final aprovada nas duas casas do Congresso, o mercado continuará emitindo fortemente, receoso de uma eventual reviravolta no processo legislativo. “Vai que vem uma surpresa”, diz ele.

Ainda que parte significativa das isenções tenha sido mantida, a possível taxação das LCAs e LCIs — ainda em discussão — pode ter um efeito relevante no mercado, devido ao seu alto volume de emissão.

“Isso mudaria a dinâmica do mercado de crédito, porque LCIs e LCAs representam um fluxo muito grande de emissões, de R$ 50 bilhões por mês. Parte disso seria direcionado para outras classes e isso faz preço”, diz Pedro Breviglieri, gestor de crédito privado da Reach Capital.

Nesse cenário, Breviglieri acredita que as grandes vencedoras serão as debêntures incentivadas – razão pela qual ele acredita que os spreads continuarão fechando. Mesmo já estando em patamares negativos, a isenção tributária ainda compensa em relação aos títulos tributados – que, em sua maioria, passarão do mínimo de 15% para 17,5%.

“Já vimos esse movimento, mas, na minha visão, ainda tem fechamento de spread aqui para acontecer”, afirma o gestor da Reach Capital.