O alemão Berenberg Bank encaminhou um relatório aos clientes explorando o chamado ‘US dollar smile’, um fenômeno que descreve como o dólar tradicionalmente tende a se valorizar tanto durante períodos de força econômica dos Estados Unidos como em tempos de crise global.
No entanto, na recente crise criada pelo governo de Donald Trump, a moeda americana se comportou de forma diferente, perdendo valor frente a pares globais à medida que a aversão ao risco aumentou.
“Os problemas políticos nos Estados Unidos estão aumentando. Portanto, os investidores estão começando a sair de ativos em dólar e estão olhando para a Europa novamente, de uma forma diferente”, diz Matthias Born, CIO equities e head de investimentos do Berenberg Bank, em entrevista ao NeoFeed.
Fundado em Hamburgo em 1590, com cerca de € 40 bilhões sob gestão e em expansão global para além dos 13 escritórios pelo mundo, o Berenberg acredita que haverá uma mudança no fluxo de capital para outras regiões ao longo do tempo, o que vai provocar uma melhor diversificação dos portfólios.

Essa mudança estrutural será desencadeada por cinco fatores: pilares de estabilidade dos Estados Unidos foram questionados na administração do Trump; a dívida pública americana está sendo questionada como ‘safe heaven’ com a crise fiscal; menor demanda comercial pela moeda devido às tarifas; grandes bancos centrais estão reduzindo reservas em dólar; e não menos importante, o restante do mundo está trazendo mais oportunidades de investimentos.
Na visão do banco, nos próximos três a cinco anos os investimentos fora dos Estados Unidos irão performar melhor em termos relativos do que nos últimos 15 anos - e os ativos americanos devem retornar aos valuations registrados entre 2002 e 2008.
Born conversou com o NeoFeed sobre como vê o cenário mundial, por que a Europa perdeu espaço nas carteiras dos investidores e quais são os fatores que tornam o Continente novamente atrativo.
Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista:
A Europa vinha sendo preterida pelos investidores nos portfólios globais?
Sim, isso aconteceu por algumas razões. Basicamente, a Europa tem apresentado desempenho inferior em termos de crescimento dos lucros em relação ao mercado dos Estados Unidos por um longo tempo, desde a crise financeira de 2008. Mas, nos últimos três anos, isso se agravou com um aumento da incerteza política na Europa, com muitas eleições acontecendo.
O que mudou?
Vejo agora as coisas indo para uma direção mais positiva, com ações políticas de estímulo à economia. A União Europeia está fazendo várias reformas para impulsionar investimentos como o 'The Savings and Investment Union', 'Capital Markets Union' e o 'NextGenerationEU program'.
Quais países e governos aderiram e estão em reformas?
Principalmente no novo governo da Alemanha, a maior economia da Europa, com um programa de corte de gastos e de incentivo a investimento em companhias. Se a Alemanha for bem, os países vizinhos também vão bem ou até melhor. Nos últimos anos, o governo alemão foi visto como bastante fraco no cenário internacional, mas isso está mudando agora.
Somente esses fatores estão atraindo investidores?
Tem uma segunda razão, que é o enfraquecimento dos Estados Unidos como área dominante nos portfólios. Os problemas políticos por lá estão aumentando. Portanto, os investidores estão começando a sair de ativos em dólar e estão olhando para a Europa novamente, de uma forma diferente. A incerteza política nos EUA está aumentando, enquanto na Europa está diminuindo.
"Os investidores estão começando a sair de ativos em dólar e estão olhando para a Europa novamente, de uma forma diferente"
Quais os incentivos para a realocação?
Há fundamentos a favor. Os EUA ainda apresentam bons resultados de crescimento de lucros, mas esse gap está diminuindo. A diferença entre os EUA e a Europa estava muito grande devido ao grupo das ações de tecnologia, especialmente com o crescimento das empresas de tecnologia no México, que impulsionaram o S&P 500. No entanto, o crescimento dos lucros nas empresas de tecnologia está diminuindo.
E na Europa?
O crescimento dos lucros na Europa está se estabilizando. Isso pode ser devido às mudanças nas incertezas políticas no Continente, o que pode gerar um sentimento melhor entre consumidores e empresas, incentivando investimentos.
Na sua visão, quais são as principais medidas que a Europa está fazendo para estimular a economia?
A inflação tem sido uma das mais baixas na Europa nos últimos anos, o que está levando o Banco Central Europeu a reduzir as taxas de juros. Em algum momento, isso deve estimular mais investimentos. Além disso, o mercado imobiliário está começando a melhorar, e os consumidores estão começando a se mover mais uma vez. A Alemanha, como maior economia, tem facilitado políticas monetárias e fiscais, o que coloca a Europa em uma posição diferente em relação aos EUA, onde a flexibilização monetária parece ter chegado ao fim.
No seu portfólio, há mais exposição à Europa?
Sim, estamos overweight em relação à Europa. Estamos ficando um pouco mais otimistas, especialmente com o euro. Escrevemos um artigo sobre uma mudança estrutural em curso que põe em cheque o dólar como moeda tão dominante. Achamos que isso ocorre especialmente por causa das incertezas políticas nos EUA. E já há sinais de que os investidores estão se afastando do dólar dos EUA, e as outras moedas estão se fortalecendo.
Haverá um rebalanceamento global?
Há 15 anos, a Europa tinha cerca de 17% de participação no índice MSCI World, e agora tem menos de 10%. Tem perdido espaço ao longo do tempo, mas já não reflete os fundamentos. Acredito fortemente que a participação da Europa nos portfólios globais vai aumentar novamente.
Quem irá se beneficiar dessa queda do dólar: euro, libra esterlina ou franco suíço?
Vejo que algumas moedas estão se fortalecendo, mas o euro, em particular. Investidores de várias partes do mundo estão começando a olhar para a Europa sob uma nova perspectiva, o que está ajudando a fortalecer a moeda.
"Investidores de várias partes do mundo estão começando a olhar para a Europa sob uma nova perspectiva"
As maiores oportunidades estão no mercado de ações ou no mercado de renda fixa na Europa?
Estão no mercado de ações europeias, principalmente porque o desempenho foi muito fraco nos últimos tempos. Se você olhar para os setores na Europa, o que tem se destacado é o setor bancário, por exemplo. Fora isso, as pequenas e médias empresas têm tido um desempenho abaixo do esperado, mas são nelas que vejo grandes oportunidades.
Algum setor específico?
Pequenas e médias empresas, especialmente em setores como saúde e tecnologia, têm um grande potencial de crescimento. Acredito que essas empresas vão se beneficiar bastante com a melhora do sentimento de mercado, com o retorno dos fluxos de investimento e com as reformas econômicas que estão sendo aplicadas.
E qual vai setor vai se dar melhor com as reformas que estão sendo implementadas?
O setor financeiro pode se beneficiar das reformas relacionadas à poupança e estímulo ao investimento, como a criação de plataformas de investimentos mais acessíveis. Além disso, setores como construção e infraestrutura também têm grandes oportunidades, especialmente devido aos pacotes fiscais que estão sendo implementados para estimular a economia.
Tirando a Alemanha, quais são os outros países que merecem atenção do investidor?
A Alemanha tem um pacote fiscal muito robusto e está se tornando uma grande oportunidade estrutural. Além disso, os países nórdicos, como Suécia e Dinamarca, também oferecem boas oportunidades, especialmente em empresas inovadoras no setor de saúde e tecnologia, especialmente no setor de medtech e biotecnologia. Empresas como a Novo Nordisk, da Dinamarca, são grandes exemplos, mas há muitas empresas menores e muito inovadoras nesse espaço.
E quais os riscos a serem monitorados?
Uma boa parte do melhor sentimento do mercado está na ideia de que a guerra [entre Rússia e Ucrânia] já alcançou o seu pior momento e deve agora se encaminhar para o fim. Mas sempre podem ter reviravoltas que agravam a situação. Mas, hoje, o Continente está bem mais preparado do que no início disso tudo.