Há muito se ouvia que o governo estava de olho na isenção concedida aos dividendos dos fundos imobiliários (FIIs) e do agronegócio (Fiagro), mas ninguém esperava que a medida provisória (MP) que prevê a cobrança de 15% a 20% sobre rendimentos de fundos exclusivos, publicada na terça-feira, 29 de agosto, trataria do assunto. Muito menos que a taxação seria apenas de uma parte do mercado.

Até então, esses fundos eram isentos de imposto de renda desde que tivessem as cotas negociadas na bolsa de valores, que nenhum investidor concentrasse mais de 10% das cotas e que o fundo tivesse mais de 50 cotistas. A MP aumentou o número mínimo de cotistas para 500.

A explicação é que os fundos com menos cotistas seriam de famílias afortunadas ou de grupos familiares. Com essa mudança, os mais ricos passariam a pagar e a isenção ficaria apenas para os investidores de varejo.

Gestores ouvidos pelo NeoFeed discordam desse argumento, principalmente aqueles que estão em Asset menores. Para eles, essa mudança vai causar desequilíbrio.

“É uma medida muito negativa nesses termos. Entendemos o governo querer aumentar a arrecadação e a preocupação com fundos isentos apenas de uma família ou grupo econômico, mas a régua de 500 cotistas não ajuda. Os maiores, que trariam arrecadação, ficam isentos", afirma um gestor, que não quis se identificar.

A mesma fonte complementa: "500 é um número grande demais para ser apenas de famílias abastadas. Se fossem 100 cotistas, até dava para entender. Mas qualquer asset independente que queira entrar nesses mercados vai começar com menos de 500 e isso só traz concentração no mercado”.

A expectativa dos gestores ouvidos pelo NeoFeed é que a tributação pode levar a uma migração dos cotistas para fundos maiores para manterem a isenção dos dividendos, afinal, esse é o ponto central para o investidor de varejo. E o resultado pode ser uma concentração do mercado.

“A tributação é uma arte, com muito lobby envolvido. No caso dos FIIs, por que a pessoa física não tem o mesmo benefício, caso tenha o ativo direto? E por que só incentivar os fundos de renda, ao invés dos de desenvolvimento?", questiona um gestor também em condição de anonimato.

Ele complementa: "Na prática, a reforma tributária, está indo na linha de tributar mais dividendos e menos o lucro. Mas isso faz sentido? Infelizmente, o investidor de FII olha o dividendo mensal e isso vai gerar consequências”.

Alguns fundos que estão próximos da linha dos 500 cotistas e estão sendo taxados já estão correndo para conseguir escapar da tributação. É o caso da Warren, que possui um FII com cerca de 450 cotistas.

"Nos últimos anos, tivemos um ganho considerável de acesso com a ampliação do mercado de capitais e desenvolvimento dos produtos imobiliários, com maior acesso a crédito e possibilidades de investimento para as pessoas. A alteração da regulamentação torna mas difícil esse acesso. Estamos buscando expansão da nossa base para evitar a taxação", afirma Igor Cavaca, head da asset management da Warren.

O caso pode ser ainda mais crítico para os Fiagros, que chegaram ao mercado apenas em 2021.

“É muito ruim para a indústria que vinha crescendo e amadurecendo. Os investidores compraram achando que seriam isentos e não vão ser mais, causa insegurança jurídica. Fora isso, torna difícil novas emissões, que vão precisar já nascer grande para entrar nesse critério que parece um tanto aleatório”, afirma Bruno Lund, gestor da Ecoagro de Fiagros, que não foi afetado pela MP pois seu fundo tem mais de 6 mil cotistas.

Brunno Bagnariolli, sócio da Jive Investments e CIO de fundos da Mauá Capital, tem uma outra linha de pensamento. Para ele, a MP é feliz em limitar que os fundos isentos tenham 500 cotistas e precisarão ser efetivamente negociados, seja em bolsa ou balcão.

“A MP ataca justamente as estruturas de 'casca tributária' e os separa dos fundos detidos e negociados pelo investidor de varejo que verdadeiramente representam a essência da isenção. Com isso, a MP afasta de maneira definitiva o 'fantasma' da tributação de fundos imobiliários que pairava na cabeça dos investidores", diz ele, que tem cerca de R$ 4 bilhões sob gestão em FIIs, segundo dados da Anbima.