Mais gente em casa, mais compras online. A lógica parece óbvia mas só agora, na virada do mês, é que essa expectativa começa a se concretizar para a maior parte dos e-commerces brasileiros.
Uma pesquisa da ABComm/Konduto que analisou mais de 20 milhões de pedidos em 4.000 lojas virtuais de produtos físicos mostra aumento de 28,8% nas compras entre 25/3 e 8/4.
E ainda melhora: o crescimento não se restringe a segmentos alavancados pelo Covid-19. Dos dezesseis setores pesquisados, apenas um apresentou retração, o de Brinquedos e Jogos que já havia crescido mais de 400% na medição anterior.
Outro dado, desta vez de pesquisa do Mercado Livre, dá números a uma outra sensação que tinha. O de que a Transformação Digital está acontecendo na marra e de que há uma migração massiva da população ao consumo online. A pesquisa do MELI fala de mais de 1,7 milhão de novos consumidores online.
Aumento do consumo online, entrada de novos consumidores. Mesmo que eu tente conter o otimismo, a sensação que dá é de que o Covid-19 pode ser a tábua de salvação das combalidas operações de e-commerce brasileiras. Será que isso vai acontecer? A resposta é fácil. Sim. desde que os varejistas online façam a lição de casa.
O grande desafio da imensa maioria dos e-commerces brasileiros se chama rentabilidade. As operações em geral são bem-sucedidas em aumento dos volumes mas não tem sido capaz de entregar resultado na última linha.
Por isso, a Covid-19 só será uma alavanca efetiva se alguns pontos chave forem endereçados. Entre os principais agressores da rentabilidade, listo aqui três fatores:
1 - A dinâmica perversa de aquisição a qualquer custo
2 - O desafio da fidelização no varejo online
3 - O conhecido desafio do descasamento de caixa
A dinâmica perversa de aquisição à qualquer custo
Na maior parte do e-commerces, a regra é crescer. E crescer costuma ser entendido como sinônimo de adquirir novos clientes. A forma mais rápida e fácil de se conseguir isso é anabolizar os investimentos em mídia paga, leia-se Google e Facebook. Acontece que o acirramento da competição online fez com que todo mundo tivesse a mesma ideia e isso jogou o custo de mídia nas alturas nos últimos anos. Mídia mais cara implica em CAC (Custo de Aquisição de Clientes) mais alto que implica em diminuição das margens.
< Pra refletir > Como ser capaz de gerar leads valendo-se de canais pautados em mídia não paga?
Pesquisas do setor mostram que as despesas de marketing de um e-commerce giram em torno de 12% a 15% do faturamento. É muita coisa. Lembre-se que ainda tem impostos, CMV, frete, meios de pagamento, etc. A conta não fecha assim. Se isso não bastasse, os varejistas costumam se valer ainda de outras alavancas de aquisição como preço (mais baixo) e frete (grátis) igualmente danosas às margens quando tem seu uso indiscriminado.
Os marketplaces, supostos salvadores da pátria dos pequenos e-commerces, também deixam cicatrizes. No curto prazo, em relação às margens por cobrarem taxas de até 20%. No médio prazo, por criar com eles uma relação de dependência na geração de vendas.
< Pra refletir > Como fazer uso de alavancas como as de preço, frete e marketplace com mais inteligência?
Se você perguntar a qualquer líder de e-commerce se ele está preocupado com seu CAC, ele te dará uma dessas duas respostas:
( ) Sempre
( ) Não, minha relação LTV/CAC compensa
Se ele veio com a segunda resposta e não opera num modelo de assinatura ou SaaS, suspeite. A explicação vai ser uma conhecida história da carochinha do mundo virtual. O LTV (LifeTime Value) é uma medida usada para entender quando dinheiro um consumidor gasta no seu e-commerce.
Ele é o produto do tíquete médio pela quantidade de compras feitas em um determinado período. Quando alguém chama a lógica do LTV/CAC com um múltiplo alto, essa pessoa quer dizer que as compras feitas por esse cliente ao longo dos meses devem compensar o custo elevado de sua aquisição. Acontece que a maior parte das ativações para se gerar uma nova compra é paga! Gasta-se dinheiro de novo para gerar uma nova venda.
O desafio da fidelização no varejo online
Por que isso acontece? Por um simples motivo, a concorrência nas vendas online é brutal e os consumidores estão, a todo momento, buscando o preço mais baixo. Essa é a dinâmica que criamos no setor. As pessoas entendem e-commerce como sinônimo de preço baixo e não de comodidade. Isso precisa mudar mas não é algo que vai acontecer já.
Um dos maiores desafios de qualquer varejo online é, portanto, gerar fidelização. Fidelização é importante porque se traduz em recompra, de preferência sem estímulo pago. Agora, pense comigo, é muito fácil ser um consumidor infiel.
Com um comparador de preço, em questão de segundos, eu tenho o preço de diferentes varejos na minha mão. Passado um primeiro de filtro de lojas em que eu confio, o preço acaba sendo um grande influenciador de tomada de decisão.
O varejo que consegue construir uma relação não-pautada no preço se tornará vencedor. Como vender uma commodity e ter um diferencial competitivo que não seja ligado a preço e sim a serviço? Meu sonho sempre foi de ouvir um cliente dizendo algo como:
"O preço no e-commerce X está cinco reais mais caro que o Y, mas o serviço é tão bom que eu topo essa diferença. O que são cinco reais diante da certeza que vai chegar no prazo, que vão me atender bem se precisar de qualquer ajuda no pós venda?"
< Pra refletir > Como colocar mais inteligência para antecipar desejos de clientes que nem eles sabem que tem? Criar um CRM e fazer novas vendas em outras categorias, incentivar um pedido com tíquete médio maior, sugerir o retorno mais breve a sua loja?
O conhecido desafio do descasamento de caixa
Se não bastasse tudo isso, uma parte dos problemas começa quando a venda acontece. Sim porque aí entra o maldito pagamento parcelado sem juros. É bem verdade que parte dos varejistas já começaram a mudar essa prática, mas o parcelamento ainda é um dos grandes vilões do fluxo de caixa de muitos varejos online.
Em sua maioria, eles fazem pagamentos aos fornecedores à vista ou em um prazo curto e recebem em até 12x sem juros, porque, afinal, "meu concorrente oferece esse diferencial e também tenho que oferecer". Isso quando ainda não optam por antecipar os recebíveis e pagarem taxas que corroem ainda mais suas margens. E sofrem todos bem juntinhos, abraçadinhos.
Não são fáceis de se desatar os nós de rentabilidade em que os e-commerces se meteram e, de novo, a alta de vendas do Covid-19 só trará ganhos sustentáveis se eles forem endereçados. Se não, nada terá valido a pena.
*Renato Mendes é investidor, professor na pós- graduação do Insper, mentor na Endeavor Brasil e autor do livro “Mude ou Morra”, finalista do Prêmio Jabuti 2019.
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