Que a pandemia teve profundos impactos na lógica de consumo e fez explodir as transações via e-commerce Brasil afora, todo mundo sabe. O que chamou minha atenção neste período, entretanto, foi o processo vivido pelas chamadas DNVBs (Digitally Native Vertical Brands).

Talvez você não tenha escutado esta sigla, mas certamente conhece o conceito. São aquelas empresas nascidas no digital, com canal prioritário de vendas online, profundo conhecimento do cliente, marca sexy, controle do supply chain de ponta a ponta e, o mais importante, venda direta ao consumidor, sem intermediários.

Exemplos notórios deste tipo de empresa são a Casper, Warber Parker e 23andMe nos Estados Unidos e a Sallve, Dr Jones e YVY aqui no Brasil. Se antes mesmo da pandemia, elas já começam a incomodar os grandes players em alguns setores da economia - mais notadamente na vertical de Bens de Consumo (CPG) -, o efeito Covid acelerou ainda mais a tendência.

A sensação que dá é que as DNVBs foram feitas para este cenário que vivemos em 2020. Elas estavam prontas para brilhar. E brilharam. A maior parte dessas empresas apresentou crescimento acima de anos anteriores e, em alguns casos, superiores até das grandes varejistas online.

Mas, como se pode imaginar, nem tudo são flores. O crescimento acima do planejado expôs uma série de fragilidades do modelo e das próprias empresas. Uma das principais vantagens aqui é que, ao matar o middle man (varejistas e distribuidores) e vender diretamente ao consumidor, elas ganham um sensível incremento de margem.

Na prática, entretanto, isso não é suficiente para fazê-las parar de pé. A maior parte delas ainda queima caixa pelos altos investimentos, por exemplo, em marketing digital na luta para ser notada em um ambiente de vendas online cada vez mais caro e hostil a pequenas marcas.

Na linguagem do setor, o LTV/CAC (a relação de quanto um cliente deixa de dinheiro na empresa/quanto custou para ser gerado) ainda fecha apertado e nem sempre compensa outras despesas pesadas como as de logística e atendimento. O aumento nas vendas expôs fragilidades dessas operações que naturalmente nascem olhando mais para insights de consumidores, tecnologia e performance e menos para a parte "chata" do negócio. Problemas como esse são BEM velha economia, não é mesmo?

Ao mesmo tempo, os incumbentes se mexem, reagem a toque de caixa montando suas estruturas em uma outra sigla, o DTC (Direct to Consumer), a venda direta ao consumidor final. Tome como exemplo a Nike que já anunciou inclusive que não fará mais vendas pela Amazon para apostar em canais proprietários - o que não deixa de ser um desafio porque a indústria tradicional tampouco tem o cacoete de cliente, já tão acostumada a só pensar sell in (venda para varejo). Será que vão se adaptar a tempo?

A vacina tá chegando, a pandemia vai passar, mas o digital vai ficar. Nessa sopa de letrinhas do futuro do varejo, ganhará o jogo quem for capaz de endereçar com mais competência os anseios do consumidor, seja ON ou OFF.

*Renato Mendes é investidor, professor na pós- graduação do Insper, mentor na Endeavor Brasil e autor do livro “Mude ou Morra”, finalista do Prêmio Jabuti 2019.

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