A volta de Ghislaine Dubrule ao comando da Tok&Stok é um marco para a empresa. Ela reassumiu o negócio para “salvar” a rede varejista de móveis e decoração. A licença das aspas é porque a companhia estava em dificuldade financeira, embora não estivesse quebrada. O Carlyle aportou R$ 100 milhões no fim de junho deste ano e conseguiu alongar o perfil da dívida de R$ 350 milhões com os bancos, com prazo de pagamento em dois anos.
O retorno da fundadora é a volta da Tok&Stok às origens. Ou como Ghislaine prefere chamar de back to basics. Na estratégia da CEO, a rede varejista vai ser menos digital e mais física. Atualmente com 51 lojas espalhadas em 22 Estados pelo País, a projeção é expandir fisicamente a marca no próximo ano.
“A expansão da Tok&Stok sempre foi, realmente, uma alavancagem forte de sucesso e de resultado. Sem dúvida, temos ainda uma expansão no Brasil, mas também muitas oportunidades na América do Sul”, afirma Ghislaine, em entrevista exclusiva ao NeoFeed. “Por exemplo, Buenos Aires é mais perto do nosso centro de distribuição em São Paulo do que Manaus, onde temos uma loja. Essa é outra perna de alavancagem de resultado interessante.”
A estratégia de abrir mais lojas no próximo ano é, no mínimo, curiosa. No período de reestruturação da Tok&Stok, no primeiro semestre deste ano, 17 unidades foram fechadas. A decisão, segundo a CEO, foi tomada em razão do tamanho desses espaços, que estavam em shopping centers e se assemelhavam mais às lojas de acessórios ou de conveniência. A ideia agora é abrir lojas maiores.
Ghislaine, que ajudou a criar esse segmento de móveis e decoração no Brasil no fim dos anos 1970, afirma que espaços grandes ajudam a criar uma conexão entre decorar e ambientar a casa.
“Acreditou-se que uma Tok&Stok de pequenas lojas seria uma alavancagem forte de resultados. Isolar uma parte do que é a essência da marca não funcionou. Essas lojas, com outra arquitetura, não deram certo e nem o resultado esperado”, diz ela.
Para uma empresa que há poucos meses estava com dificuldades de caixa, a perspectiva de voltar a investir é um indicativo de que a situação financeira voltou a ficar sob controle. A CEO afirma que o indicativo neste quarto trimestre é de um retorno do breakeven da operação. Não para o ano todo, mas para o período. E as projeções para o próximo ano sugerem uma normalização das finanças. No ano passado, a previsão era ter um faturamento de R$ 1,8 bilhão.
“Estamos montando o budget para 2024 com retorno positivo do Ebitda e também da geração de caixa. Isso nos dá solidez para investir”, diz Ghislaine, sem revelar os dados. Dentro desse planejamento, a rede varejista voltará a ser exatamente como os Dubrule projetaram o negócio.
Isso significa ter capital de giro para absorver o lançamento constante de linhas próprias desenhadas em colaboração com grandes nomes do design e manter um estoque por um longo período, que na Tok&Stok chega a 156 dias - um terço fica bloqueado pela exposição nas lojas e para o autosserviço.
“Um financeiro sempre pensa em parar de investir em estoque. Mas temos de conviver com esse capital de giro elevado e entender como adequar dentro dos nossos resultados e da experiência do cliente. Sempre fomos uma marca com estoque para montar qualquer ambiente em um dia”, diz a fundadora.
Espaço para fusão?
Desde o primeiro trimestre deste ano, o mercado especula sobre uma eventual fusão entre a Tok&Stok e a Mobly, que chegou a publicar um fato relevante confirmando a conversa entre as empresas. Ghislaine é sucinta e diz apenas que todos os concorrentes têm conversas frequentes, sem nomear especificamente a Mobly.
Pessoas próximas à Ghisleine disseram ao NeoFeed que o deal não é um desejo da família neste momento. Os esforços empreendidos este ano por eles é para a marca voltar a ser a protagonista do setor e recuperar a sua essência (uma palavra bastante repetida pela CEO na entrevista).
O NeoFeed também conversou com duas fontes ligadas ao setor de M&A que afirmam que o negócio entre as duas empresas são complementares, seja pela união de uma empresa física com outra nativa digital, seja pelo perfil de cliente A e B de uma com o C de outra. Porém, ambos disseram que a fusão esfriou desde que a reestruturação teve início, com o aporte do Carlyle e a volta da fundadora ao dia a dia da Tok&Stok.
O entendimento entre os sócios é algo importante para essa reconstrução da rede varejista. Em 2012, o fundo de private equity pagou R$ 700 milhões por 60% da Tok&Stok e tomou uma decisão incomum ao manter Ghislaine no comando da operação. Mas a crise econômica de 2015 e 2016 desgastou essa relação e o Carlyle decidiu, unilateralmente, colocar um gestor profissional na operação.
O primeiro a assumir foi Luiz Fazio, um executivo com experiência de mais de três décadas no varejo. Depois dele vieram Ivan Murias, Octavio Lopes, Daniel Sterenberg e Roberto Szachnowicz. Nenhum deles agradou o fundo de private equity, que agora decidiu voltar à “formação original” da empresa.
Questionada sobre a relação com o sócio investidor, a fundadora coloca panos quentes. “Sempre foi uma boa relação. Estamos em bons termos. Tem os atritos que são normais pela convivência de tantos anos”.
A “velha” loja
No fim da manhã de quinta-feira, 19 de outubro, a CEO da Tok&Stok entrou na loja da varejista de móveis e decoração na marginal Pinheiros, em São Paulo, para acompanhar a apresentação da nova coleção Saudade Tropical, em colaboração com o ilustrador e designer Gabriel Azevedo.
Entre sorrisos e cumprimentos de arquitetos, decoradores e influenciadores, Ghislaine estava confortável no ambiente que ajudou a criar com o marido, Régis, há 45 anos. Ela estava afastada do dia a dia da empresa desde 2017 (embora tenha voltado por um breve período no início deste ano entre a saída de Sterenberg e a chegada de Szachnowicz).
“O desafio é reconectar a empresa com a experiência do cliente na loja, que foi perdida nos últimos anos”, diz Ghislaine. E acrescenta: “Essa perda ocorreu em função da falta de preparo das lojas e das equipes. Lançamentos como os de hoje são superimportantes para mostrar ao nosso cliente que não somos uma marca estática e que estamos, sim, sempre em movimento e inovando”.
Nesses seis anos que a fundadora esteve afastada da gestão do negócio, cinco executivos passaram pelo comando da Tok&Stok. Cada um enfrentou um desafio diferente, como a avalanche das vendas no canal digital, algo dominado por concorrentes nativas como Mobly e Westwing; a pandemia da Covid-19; e as condições macroeconômicas adversas, com a subida da taxa de juros e a consequente restrição de crédito para o consumidor.
“O cliente se acostumou com essa questão de conexão com o digital e todo mundo investiu nessa parte. Mas não podemos esquecer, sobretudo no nosso segmento que é ligado à experiência, a importância da loja física”, diz a CEO. “O digital conta para nós. Mas ele tem de ter o seu lugar e não pode invadir a empresa como um todo a partir do digital. Não podemos esquecer as lojas físicas, que têm de ser renovadas como se fosse uma Casacor”.
Provocada se o seu comando é novamente interino enquanto a Tok&Stok busca um novo executivo no mercado, Ghislaine sorri e diz que não; ela vai formar um sucessor. Novamente, ela precisará combinar com o sócio majoritário Carlyle.