O relator da reforma tributária no Senado, Eduardo Braga (MDB-AM), apresentou nesta quarta-feira, 25 de outubro, a primeira versão de seu relatório, introduzindo mudanças em relação ao texto da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) aprovada em julho pela Câmara dos Deputados.
O parecer recebeu críticas de especialistas da área tributária. Felipe Salto, ex-secretário da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo e hoje economista-chefe da corretora Warren Rena, diz que o novo texto propõe mudanças que não corrigem os problemas do texto aprovado pela Câmara. E, pior, acabam adicionando outras dificuldades.
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“A tendência é de a reforma tributária criar um Imposto sobre Valor Agregado (IVA) com a maior alíquota do mundo, com índice superior a 33,4%”, diz Salto, em entrevista ao NeoFeed. O IVA, que vai unificar a maioria dos tributos existentes (ICMS, ISS, PIS, Cofins), é apontado como uma solução para reduzir e simplificar a carga tributária, hoje em 33,7%.
Segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), em 1º de outubro de 2022, 174 países e territórios do mundo já haviam implementado um IVA. O órgão registrou que a média da alíquota do IVA no mundo estava em 19,2%. A menor delas é a de Andorra, de 4,5%. E a maior é a da Hungria, de 27%.
Entre as novidades apresentadas pelo senador Braga, o texto traz novas exceções ao IVA e cria uma espécie de teto para a carga tributária da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), que equivalerá a alíquota de referência média de 2012 a 2021.
Além disso, aumenta o valor do Fundo de Desenvolvimento Regional (FDR) de R$ 40 bilhões para R$ 60 bilhões, sendo que a partilha de recursos passa a ser adotada por um critério misto: 70% pela regra do Fundo de Participação dos Estados (FPE) e 30% por critério populacional.
Eduardo Braga propõe ainda que o "Conselho Federativo" – que seria criado para gerenciar o fundo e poderia tomar decisões – seja na verdade um "Conselho Gestor", sem ingerência política e com a missão apenas de assegurar a divisão correta dos recursos.
Salto destaca vários problemas na nova proposta. Um exemplo é o aumento do número de exceções, critério que permite uma cobrança de alíquota menor do novo IVA a determinados setores, enquanto o restante da população paga a alíquota-base, ainda a ser definida.
No relatório de Braga, agências de viagem, concessões de rodovias, missões diplomáticas e serviços de saneamento e telecomunicações, por exemplo, foram incluídos na lista de regimes tributários específicos, elevando para nove os grupos contemplados com regras diferenciadas.
No pacote de setores que foram incluídos entre as exceções com alíquotas reduzidas (com desconto de 60% na alíquota base) desde o projeto aprovado na Câmara estão os de saúde, educação, serviços de transporte coletivo, produtos agropecuários, alimentos e até produções artísticas, entre outros.
“Além de não avançar na redução das exceções, o relator do Senado introduziu a possibilidade de redução de alíquota de 30% para categorias profissionais eleitas”, diz Salto. “Quanto mais exceções, maior será a alíquota de IVA dos pobres mortais.”
As exceções em número elevado levaram Salto a advertir que o IVA brasileiro corre o risco de ser o mais elevado do mundo e muito próximo à atual carga tributária, de 33,7% do PIB. “É preciso acomodar tanto interesse de grupos específicos que o conjunto da obra fica pior”, diz.
Por isso, o economista afirma que seria mais produtivo criar um projeto de lei que corrigisse os problemas do atual sistema tributário, que é complexo e confuso, em vez de fazer uma reforma constitucional.
“Quando se começa do zero, como se propõe a reforma tributária, é o que vemos agora: todos os setores que têm incentivos e exceções, fora as demandas dos estados e municípios, estão tendo seus pleitos atendidos para resultar num texto que vai replicar os problemas do sistema atual e ainda acrescentar novos”, adverte.
Teto e transição
Outro problema do relatório apresentado pelo senador Braga apontado por Salto é a criação de um teto para a carga tributária da CBS – novo imposto que vai unificar dois tributos federais, o PIS (Programa de Integração Social) e a Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social) -, e do IBS, que deve substituir o ICMS (imposto estadual) e o ISS (municipal), com base na alíquota de referência média de 2012 a 2021.
“Esse teto é impossível de operacionalizar”, aponta Salto. A proposta prevê uma redução na alíquota de referência caso a alíquota de referência fixada gere uma arrecadação maior que a média existente entre 2012 e 2021.
Segundo ele, o problema é que essa média pode ter várias implicações, citando o exemplo de um estado que tenha praticado alíquota de referência fixada antes e que tenha contratado despesas. “Como esse estado vai praticar uma alíquota menor se essa média que inventaram na proposta constitucional diz que a carga tributária aumentou? É a pior inovação do texto”, diz.
Já em relação à transição, Salto destaca que nada foi feito para trazê-la a um horizonte de curto prazo para atenuar o problema da redução de alíquotas do ICMS e do ISS, concentrada entre 2029 e 2032.
Segundo ele, a transição tinha de começar antes de 2029, ano final da transição com alíquotas bem baixas, para que no ano seguinte seja maior a chance de fazer uma transição completa.
“Na forma como está hoje, vamos chegar na boca de gol, em dezembro de 2031 ou começo de 2032, com alíquotas de ICMS equivalentes a 60% das atuais”, afirma, lembrando que o prazo dilatado eleva a chance de os governos pedirem prorrogação da transição.
Pessimista, Salto não descarta a aprovação de uma reforma tributária estilo “frankenstein”, longe da proposta inicial. Segundo ele, há dois caminhos. Após a aprovação do texto do Senado, o projeto de reforma tributária pode ser aprovado sem alterações na Câmara.
A outra opção é o fatiamento, na Câmara, das alterações no Senado – algo que as lideranças políticas estão descartando. “O risco é de a reforma tributária depender de leis complementares, que o relator do Senado fixou em 240 dias”, diz. “Nesse caso, as mexidas podem piorar o texto ou simplesmente serem infrutíferas.”
O governo, segundo Salto, sempre apostou na necessidade de aprovar a reforma tributária e, se fosse o caso, arrumar alguns pontos na lei complementar. “A questão é: vale a pena aprovar qualquer coisa, apenas por aprovar?”, questiona.
Outro risco, de a votação não ocorrer até o final do ano, seria fatal. “Se ficar para 2024, esquece, não teremos reforma tributária”, diz Salto.